A globalização do terror termo-nuclear
O que acontecerá se os Estados Unidos atacarem o Irão sob o pretexto de que este país tenciona fabricar armas de destruição maciça (WMD)? A hipótese não está completamente fora de agenda, a julgar pelo nervosismo exibido por algumas alas do Pentágono e da CIA. A desacreditada América de hoje, que já nem sequer cumpre as regras da OMC, por si criada (1), com uma dívida imparável e abraços com uma insustentável crise de imigração(2), é comandada por um fundamentalista evangélico(3) em volta do qual fervilha uma turma de neo-Clausewitzianos (Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz, Dick Cheney), cujo pragmatismo sibilino defende a urgência de atacar o regime iraniano, repetindo descaradamente a fábula do lobo e do cordeiro que usaram contra o Iraque. O seu objectivo é levar a cabo mais uma campanha do grande desenho estratégico que assegurará a supremacia norte-americana durante o século 21. O verdadeiro inimigo, a quinze anos de distância, chama-se, na realidade, República Popular da China(4), e o caso que contra ela terá que ser pacientemente montado, exige uma série de mediações e escaramuças intermédias: Afeganistão, Iraque, Irão, Síria... O facto de nenhum destes estados ter ou ter tido armas de destruição maciça, ao contrário de Israel (que tem umas 200 ogivas nucleares e recusa qualquer inspecção da ONU!), do Paquistão, da India, da URSS, da China, do Reino Unido, da França, e da Coreia do Norte, mostra até que ponto os Estados Unidos se colocaram numa posição patética. Talvez por isso se agarram à famosa guerra contra o terrorismo, na qual eu próprio cheguei a crer, mas que os factos têm vindo a demonstrar ser sobretudo um elemento da própria guerra assimétrica activamente promovida pela Administração Bush, sob a pressão teórica dos ultra-liberais aninhados na Casa Branca (e agora também no Banco Mundial) e do think tank de estratégia militar da RAND Corporation. Bin Laden e o “muito procurado” Al Zarkawi, foram criações da CIA e talvez continuem a servir a grande estratégia estado-unidense(5). Bush diz que está em guerra com o “Eixo do Mal”. A desculpa tem pelo menos servido para colocar a sua acção à margem do direito internacional e das leis do seu próprio país. Aplicar a lógica da carnificina em vez de ouvir a comunidade internacional, conduz a coisas tão feias como a mentira, a instrumentalização da CNN e de outros grandes meios de comunicação, a provocação, a sabotagem, a tortura, o assassinato selectivo, a destruição militar das economias e a eleição das populações civis como alvos privilegiados de uma acção bélica sistemática, promovida por militares, serviços secretos e mercenários, num teatro global de guerra informal. Os executantes destes actos não se livrarão mais cedo ou mais tarde (quando tudo se souber...) de ser chamados a tribunal(6). Aos seus mandantes esperam inevitavelmente tempos difíceis. Não é por acaso que algumas elites note-americanas começam a falar de “impeachment” relativamente ao seu presidente, e que altas patentes militares ameaçam um pronunciamento contra o actual curso das acontecimentos. É tempo de pôr as barbas de molho...
Os povos (e as elites) do Médio Oriente, mas também da Rússia, da China, de Cuba, Venezuela, México, Argentina, Chile e Brasil, já para não falar da Europa, estão fartos de aturar o Império. Não vejo como poderão os falcões americanos remediar este imparável fenómeno de rejeição cultural sem provocar uma reacção em cadeia de que o seu país seria, porventura, a primeira vítima. É evidente que o Irão quer transformar-se numa potência nuclear sub-regional, e que esta vontade atenta contra a hegemonia política que americanos e ingleses pretendem continuar a manter em volta do estratégico estado de Israel (congeminado pelos Senhores Lloyd George, Arthur James Balfour e Lord Rothschild na longínqua City londrina de 1917). A questão é o petróleo, estúpido! Mas não só... A inexorável deslocação do centro de gravidade do poder mundial do Ocidente para o Oriente... e a função crucial que a Europa tenderá a desempenhar nesta translação, pode muito bem ser a verdadeira presa em vista pelo actual esforço provocatório da Casa Branca. É por isto que a América de Bush se parece cada vez mais com um estado desesperado, vendo inimigos e eixos do mal por toda a parte. Há muito que os EUA conspiram contra a União Europeia e o Euro. Tentaram destruir a Rússia, até que Putin pôs cobro ao desmando (mostrando aos novos oligarcas russos quem manda no país, enxotando o Banco Mundial e a NATO da zona petrolífera do Mar Cáspio, estabelecendo provocadoras pontes energéticas com a China e o Irão, anunciando ao mundo que os novos mísseis de longo alcance Topol-M são capazes de furar as defesas americanas e... vendendo ao Irão, não apenas tecnologia nuclear, mas sobretudo um moderno e eficiente sistema de defesa aérea anti-mísseis.) Washington ainda não descobriu como sabotar o oleoduto que a Venezuela pretende lançar até Buenos Aires, passando por Brazília, mas tudo fará para o conseguir. Demasiados inimigos, e demasiados fantasmas, mesmo para uma super-potência!
A verdade é que a América está semi-falida, tem boa parte da sua capacidade produtiva avançada deslocalizada (sobretudo na Ásia) e conta com um povo muito pouco motivado para dar a sua vida por um punhado de ladrões e mentirosos. Para além de todas as consequências económicas trágicas que uma intervenção militar causaria aos próprios Estados Unidos, o provável insucesso militar da mesma aceleraria o efeito que o velho Kissinger teme do actual desafio iraniano. Disse ele que se nada se fizer, outros seguirão o exemplo do Irão no que respeita à proliferação nuclear. Presume-se que esses países possam ser o Brasil, a Argentina, a Venezuela, a Nigéria, a África do Sul, a Espanha, a Itália, e a Alemanha... Mas se houver intervenção, como escreveu lucidamente Immanuel Wallerstein(7), a corrida nuclear será ainda mais acelerada (e sincronizada). Pois todos perceberão então que essa seria a única forma de deter, de uma vez por todas, os efeitos cada vez mais perigosos da decadência estado-unidense. Além do mais, na perspectiva quase inevitável de a humanidade se render ao nuclear(8) para fins energéticos, não se vislumbra como alguma potência, por mais poderosa e messiânica que seja, poderá impedir a globalização dos equilíbrios de poder através do terror termo-nuclear.
1 — “US hit by EU over anti-dumping EU trade commissioner Peter Mandelson. Fines will continue as long as the US fails to meet WTO rules US imports have been hit with a further $9.1m (£4.9m; 7.2m euros) in tariffs from the European Union for breaking World Trade Organisation rules.” (BBC, 01/05/2006) [Voltar]
2 — “Hundreds of thousands of immigrants in the United States have joined a day of nationwide action to protest against proposed immigration reform.” (BBC, 01/05/2006) [Voltar]
3 — “They think that President Bush has a "messianic" complex. As we know, people with messianic complexes are dangerous, especially if they have their finger on nuclear weapons and control the strongest military machine in the world.” — Immanuel WALLERSTEIN, “Attack on Iran: Can They Be Serious?”, Commentary No. 183, April 15, 2006 [Voltar]
4 — “In terms of long-wave timing, the new upturn in U.S. military spending since 2001 is worrisome, as it could signal the starting gun for a new long-term upswing of rising military spending, an upswing that could even culminate in another ruinous great-power war in the coming decades.” — Joshua S. GOLDSTEIN, The Predictive Power of Long Wave Theory, 1989-2004 [Voltar]
5 — O melhor mesmo é duvidar metodicamente dos principais média estado-unidenses (TIME, Newsweek, CNN, Fox News), tomando em conta que numa guerra assimétrica como a que decorre entre os EUA e o “Eixo do Mal”, as tácticas de demonização fazem parte das chamadas “Media Operations” e “Pshycological Operations” (PSYOP) de qualquer planeamento bélico. Vale a pena a este propósito ler o que Michel Chossudovsky tem a dizer sobre isto. Who is behind “Al Qaeda in Iraq”? Pentagon acknowledges fabricating a "Zarqawi Legend" by Michel Chossudovsky, April 18, 2006 [Voltar]
6 — “Although not reported in the mainstream American press, a recent Tokyo tribunal, guided by the principles of International Criminal Law and International Humanitarian Law, found President George W. Bush guilty of war crimes. On March 14, 2004, Nao Shimoyachi, reported in The Japan Times that President Bush was found guilty ‘for attacking civilians with indiscriminate weapons and other arms’, and the ‘tribunal also issued recommendations for banning Depleted Uranium shells and other weapons that indiscriminately harm people.’ Although this was a ‘Citizen's Court’ having no legal authority, the participants were sincere in their determination that international laws have been violated and a war crimes conviction is warranted.” — Doug Westerman, “Depleted Uranium — Far Worse Than 9/11. Depleted Uranium Dust — Public Health Disaster For The People Of Iraq and Afghanistan”, in Global Research.ca
Ainda sobre o potencial de destruição maciça e prolongada do urânio empobrecido convem ler o testemunho de Ramsey Clark, antigo Procurador Geral dos EUA: “Depleted-uranium weapons are an unacceptable threat to life, a violation of international law and an assault on human dignity. To safeguard the future of humanity, we call for an unconditional international ban forbidding research, manufacture, testing, transportation, possession and use of DU for military purposes. In addition, we call for the immediate isolation and containment of all DU weapons and waste, the reclassification of DU as a radioactive and hazardous substance, the cleanup of existing DU-contaminated areas, comprehensive efforts to prevent human exposure and medical care for those who have been exposed.” — Depleted Uranium. Education Project
O que é o urânio empobrecido? “Depleted uranium is a waste obtained from producing fuel for nuclear reactors and atomic bombs. The material used in civil and nuclear military industry is uranium U-235, the isotope which can be fissioned. Since this isotope is found in very low proportions in nature, the uranium ore has to be enriched, i.e., its proportion of the U-235 isotope has to be industrially increased. This process produces a large amount of radioactive depleted uranium waste, thus named because it is mainly formed by the other non-fissionable uranium isotope, U-238 and a minimum proportion of U-235.
American military industry has been using depleted uranium to coat conventional weaponry (artillery, tanks and aircraft) since 1977, to protect its own tanks, as a counterweight in aircraft and Tomahawk missiles and as a component for navigation instruments. This is due to depleted uranium having characteristics making it highly attractive for military technology: firstly, it is extremely dense and heavy (1 cm3 weighs almost 19 grammes), such that projectiles with a depleted uranium head can penetrate the armoured steel of military vehicles and buildings; secondly, it is a spontaneous pyrophoric material, i.e., it inflames when reaching its target generating such heat that it explodes.
After more than 50 years producing atomic weapons and nuclear energy, the USA has 500,000 tonnes of depleted uranium stored, according to official data. Depleted uranium is radioactive also and has an average lifetime of 4.5 thousand million years. This is why such waste has to be stored safely for an indefinite period of time, an extremely costly procedure. In order to save money and empty their tanks, the Department of Defence and Energy assigns depleted uranium free of charge to national and foreign armament companies. Apart from the USA, countries like the United Kingdom, France, Canada, Russia, Greece, Turkey, Israel, the Gulf monarchies, Taiwan, South Korea, Pakistan or Japan purchase or manufacture weapons withdepleted uranium.
When a projectile hits a target, 70% of its depleted uranium burns and oxidizes, bursting into highly toxic, radioactive micro particles. Being so tiny, these particles can be ingested or inhaled after being deposited on the ground or carried kilometres away by the wind, the food chain or water. A 1995 technical report issued by the American Army indicates that "if depleted uranium enters the body, it has the potentiality of causing serious medical consequences. The associated risk is both chemical and radiological". Deposited in the lungs or kidneys, uranium 238 and products from its decay (thorium 234, protactinium and other uranium isotopes) give off alpha and beta radiations which cause cell death and genetic mutations causing cancer in exposed individuals and genetic abnormalities in their descendents over the years. In its 110,000 air raids against Iraq, the US A-10 Warthog aircraft launched 940,000 depleted uranium projectiles, and in the land offensive, its M60, M1 and M1A1 tanks fired a further 4,000 larger caliber also uranium projectiles.
It is estimated that there are 300 tonnes of radioactive waste in the area which might have already affected 250,000 Iraqis. After the Gulf War, Iraqi and international epidemiological investigations have enabled the environmental pollution due to using this kind of weapon to be associated with the appearance of new, very difficult to diagnose diseases (serious immunodeficiencies, for instance) and the spectacular increase in congenital malformations and cancer, both in the Iraqi population and amongst several thousands of American and British veterans and in their children, a clinical condition known as Gulf War Syndrome. Similar symptoms to those of the Gulf War have been described amongst a thousand children residing in areas of the former Yugoslavia (Bosnia) where American aviation also used depleted uranium bombs in 1996, the same as in the NATO intervention against the Yugoslavia in 1999.” — LINK [Voltar]
7 — “First of all, why should we consider it to be a catastrophe if tomorrow Iran has nuclear weapons? (...) Why would not the balance of terror operate equally well in the Middle East?” — Immanuel WALLERSTEIN, “Iran and the Bomb”, Commentary No. 179, Feb. 15, 2006 [Voltar]
8 — Segundo dados de 2004, existem 441 centrais nucleares activas em todo o mundo (104 das quais nos EUA) e 49 em construção ou encomendadas. Destas últimas, apenas 1 no Irão. As principais reservas de urânio com custos de obtenção abaixo dos US$130/Quilo, encontram-se nos seguintes países: Kazaquistão, Austrália, África do Sul, EUA, Canadá, Brasil, Namíbia, Federação Russa, Uzebequistão e Ucrânia. Fonte: Sítio Web do Ministério da Ciência e Tecnologia/ Indústrias Nucleares do Brasil. [Voltar]
OAM #119 26 ABR 2006 [actualizado em 01 MAI 2006]