sábado, outubro 18, 2003

Outro PS por favor 2

Porta aviões do PS adorna perigosamente.


Ferro RodriguesO-A-M
blog #17
Sábado, Outubro 18, 2003
"Tou-me cagando p'ró Segredo de Justiça!"

— afirmação de Ferro Rodrigues em conversa telefónica escutada por ordem do Ministério Público.

Recomendei no primeiro escrito que dediquei a este caso (transformado por força das circunstâncias numa radiografia dramática da crise institucional da democracia portuguesa e do estado de degradação a que chegou a respectiva classe política) a leitura atenta de um livro excepcional sobre as dinâmicas agonísticas da mentira e da cooperação: "The Evolution of Cooperation", de Robert Axelrod. A propósito do conhecido "dilema do prisioneiro", onde vence quase sempre a estratégia conhecida por "TIT FOR TAT", pode ler-se uma conclusão interessante: "[...] um organismo não precisa de cérebro para jogar. As bactérias, por exemplo, são altamente responsáveis pela selecção de aspectos vitais do seu ambiente. São pois capazes de responder diferenciadamente às acções de outros organismos, podendo tais estratégias condicionais e comportamentos entrar na cadeia hereditária.[...]"

Não tendo sido possível até agora estabelecer a necessária ponte de confiança entre essa espécie de cartel que reune os vários poderes de facto do País e o Poder Judicial, de modo a cooperar na resolução equilibrada do escândalo da Casa Pia, no sentido de a Justiça cumprir a sua missão, de forma exemplar (como tem que ser num caso mediático destas proporções), mas exercendo também os poderes de ponderação e clemência ao seu alcance no tratamento de todo o Processo, desencadeou-se em seu lugar uma escalada deceptiva, incontrolável. Salvo se os directamente implicados na agonia deste jogo chegarem à conclusão de que a busca de alguma plataforma de cooperação é a única estratégia capaz de minorar os danos causados e futuros, o olho por olho, dente por dente para que os contendores se deixaram arrastar ameaça transformar os danos inicialmente circunscritos ao caso judicial (i.e. à agonística protagonizada pela instrução do processo e pelos respectivos suspeitos e arguidos) num incontrolável Processo ao estado de fragilidade e corrupção dos sistemas de poder democraticamente legitimados. Para que uma estratégia consensual de limitação dos danos possa ter pernas para andar, há porém uma condição sine qua non: o Partido Socialista, enquanto tal, deve retirar-se imediatamente desta querela, afastando dos seus órgãos de direcção todos os militantes directa ou indirectamente envolvidos nesta trapalhada: Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e António Costa. E há ainda outra condição: o silêncio religioso do Presidente da República sobre o futuro desenvolvimento deste caso --já que o cidadão Jorge Sampaio, padrinho de casamento de Paulo Pedroso, não poderá auto suspender a sua condição institucional, para tomar partido numa causa que o atinge psicologicamente.

A opinião pública tem, na sua larga maioria, a convicção de que os arguidos são muito provavelmente culpados dos crimes de que foram indiciados. E tem-na por conhecer o modo brando como sempre foram tratados os poderosos deste País. A dedução que baila na cabeça de cada português é esta: para um jovem Juíz se atrever a entrar pelo Parlamento dentro e prender um deputado e porta-voz do maior Partido eleitoral do País, é porque acumulou tal quantidade de indícios (de testemunhos, e de denúncias) que não lhe restava outra alternativa. Depois há ainda outro motivo para que esta suspeita pública se vá consolidando: a notória falta de convicção nos protestos de inocência dos visados, associada à desastrosa estratégia defensiva da generalidade dos advogados contratados pelos arguidos --cuja arrogância e permanente presença ostensiva nos meios de comunicação social, apenas vem piorando as probabilidades de salvação dos respectivos clientes (o Bibi mudou de advogado; não sei do que é que os outros estão à espera...). A imagem de culpabilidade estampada na face de Paulo Pedroso durante a inusitada e desastrosa conferência de imprensa dada antes de entrar para os calabouços policiais é um clip exaustivamente difundido pelo big brother dos média, causando uma poderosa impressão na opinião pública, a qual, pela sua autenticidade performativa, ameaça tornar-se indelével na memória colectiva. Um inocente, penso instintivamente, teria protestado a sua inocência doutro modo... Nada, depois daquele pico dramático --vivido mediaticamente na forma vicariante de uma "segunda realidade"--, conseguiu apagar a convicção de culpabilidade inoculada na massa cerebral de milhões de portugueses. E contudo, o homem, aquela gente toda, presa por suspeitas de pedofilia e abuso sexual de menores, até são de jure presumidos inocentes... Quem está, de facto, a prejudicar a sua defesa?

O simpático António Costa, nervoso e agressivo como nunca o viramos, teceu uma suposta teoria do Partido Socialista sobre as diferenças entre responsabilidade partidária e responsabilidade parlamentar, a propósito da justificação do regresso de Paulo Pedroso ao Parlamento ao mesmo tempo que mantinha suspensos todos os seus cargos partidários. Coisa mais ridícula seria difícil imaginar. Então o deputado não deve a sua eleição parlamentar ao facto de ser militante do PS? Será a tijoleira do Largo do Rato mais imaculada que o mármore de São Bento? E que tem o povo eleitor português que ver com as cogitações filosófico-metodológicas absurdas e casuísticas do aflito Directório partidário, sobre o que este entende por deveres éticos? Acaso a sua desorientação se poderia alguma vez sobrepor ao juízo ético instantâneo da opinião pública, manifestado através desse lugar novo da democracia que é mais do que uma simples opinião pública mediatizada, por ser já o vórtice explosivo da República Electrónica em formação?

O Partido Socialista (e até certo ponto também o Presidente Jorge Sampaio) deixaram-se escorregar para dentro do processo público que corre e correrá inevitavelmente ao lado do Processo judicial em curso. Ora isto é gravíssimo para a estabilidade democrática. Não tanto por causa do que individualmente possa suceder aos arguidos, não tanto por causa da sorte trágica da actual direcção do PS, mas sobretudo pelo irresponsável vazio cultural rasgado na expectativa democrática deste País. Não podemos deixar que a corrupção cívica e o cinismo machista instalados nalguns segmentos apodrecidos da classe política alastre como uma nódoa indelével de suspeição e descrédito profundo sobre a democracia. As partes interessadas do Processo da Casa Pia que se remetam de uma vez por todas para o lugar reservado do exercício das respectivas competências e direitos. Se para isso, a consciência impuser o afastamento dos cargos que ocupam, pois que o façam sem demora. Para bem da Verdade e para bem da Democracia. -- ACP

Post scriptum (19.10.03/23h10): Depois de ouvir as últimas revelações sobre as escutas telefónicas aos dirigentes do PS, depois de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa revelar que o irmão de Paulo Pedroso (João Pedroso) teria sido enviado para o Conselho Superior de Magistratura um mês depois de a Direcção do PS estar a par das investigações sobre Paulo Pedroso, depois de julgar ter ouvido também que o Presidente da República esteve ao corrente de tudo isto antes da prisão do deputado socialista, creio que o panorama é bem mais grave do que supunha. A ser tudo verdade, só poderemos esperar de Jorge Sampaio que renuncie ao cargo para que foi eleito, em nome de uma clarificação radical e definitiva da democracia portuguesa. Finalmente, ao Primeiro Ministro, caberá tirar as devidas conclusões da complicadíssima tempestade política que se abateu sobre Portugal. A democracia pode prosseguir sem problemas, mas primeiro há que limpar a casa. -- ACP

¶ 1:51 PM

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