sábado, dezembro 17, 2005

Cavaco Silva 5

O Centro Inteligente


As sondagens vêm confirmando aquilo que toda a gente já sabia: o centro social e político do País está farto dos partidos que formam o arco do poder, e acha que os ditos são largamente responsáveis pelo actual estado de coisas. As acções, as omissões e sobretudo a irresponsabilidade do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, mas também a permanente estupidez analítica e o comodismo das oposições (do PCP ao PP, passando pelo Bloco), permitiram que alguns se servissem indecentemente das riquezas à mão de semear (Orçamento de Estado e Fundos Comunitários), sem a contrapartida de organizarem o país para os desafios que, todos sabiam, a integração europeia e a globalização iriam impôr.

O estado actual da nossa comunidade não deixa pois de ser paradoxal: temos uma democracia de pleno direito, temos partidos da situação e partidos da oposição, temos liberdade de imprensa, estamos integrados numa vasta associação de nações e Estados (seguramente a mais rica e a mais democrática do planeta), mas Portugal encontra-se à beira da falência económica, sem Justiça que funcione, com as corporações à solta, sem uma classe política comprometida com o seu País, sem lucidez, sem estratégia. O centro, o centro inteligente, faz o que pode, votando à “esquerda” (PS) e à “direita” (PSD), na busca incessante de alguém que tenha a inteligência, a vontade e a coragem de enfrentar simultaneamente a sonolência nacional e os poderes ilegítimos, em nome, já não digo de um sonho, mas tão só de uma visão realista dos nossos deveres, dos nossos interesses e das nossas reais potencialidades. O mundo caminha para uma mutação dramática do seu modelo energético. Deixaremos em breve o paradigma do desenvolvimento e do progresso assentes na afluência de energias baratas. Vale a pena ler, a este propósito, The Oil Depletion Protocol, proposto à discussão por Richard Heinberg. No mundo que espreita ao virar da esquina teremos que saber redefinir drástica e corajosamente o sentido da vida e as nossas metafísicas. Poderão Cavaco Silva e José Sócrates dar uma ajuda neste transe? Creio que o sentido de voto do centro inteligente alimenta, pelo menos, essa esperança desesperada!

A aposta actual dos eleitores não é pois uma aposta na Esquerda ou na Direita (de que nos rimos todos), mas uma aposta de confiança pessoalmente depositada, outrora em António Guterres, e agora em José Sócrates e Cavaco Silva. Os portugueses esperam sobretudo decisões corajosas, transparência, uma estratégia clara para Portugal e uma autoridade sem hesitações na aplicação dos programas e das leis. Se estes dois políticos tiverem a coragem e a lucidez de seguirem este caminho, o povo não lhes faltará. Mas atenção: há que apertar desde já o freio à corrupção e ao caciquismo que campeiam impunemente pela estepe lusitana!

Ao contrário do que dizem por aí, o nosso futuro não é o Turismo, ou pelo menos não será o turismo de massas, porque este não resistirá ao colapso energético que se aproxima. O nosso futuro passa, neste aspecto particular, por oferecer aos futuros residentes fugidos das crises energéticas, climáticas e bélicas de outros países, um refúgio ecologicamente remendado, com uma relativa autonomia energética e alimentar, pacífico e capaz de vigiar as suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas.

O ano de 2007 poderá trazer notícias muito más nos planos energéticos e imobiliário, com consequências inimagináveis no que se refere ao agravamento do desemprego, do ritmo das falências empresariais e do crescimento das nossas dívidas, pessoais e nacionais, internas e externas. É por isso que as aventuras da Ota e do TGV poderão afocinhar muito antes de começar. É por isso, insisto, que as nossas prioridades estratégicas passam por assegurar, doa a quem doer, segurança energética e alimentar. É por isso que o famoso plano tecnológico não poderá ser mais uma anedota política e um mero pretexto para desviar e desbaratar os fundos nacionais e comunitários. A nossa inteligência, o nosso conhecimento e os recursos financeiros disponíveis devem confluir nos três objectivos estratégicos prioritários mencionados: autonomia energética, autonomia alimentar e capacidade de vigiar e controlar as nossas fronteiras, sobretudo marítimas.
Precisamos de diminuir o desperdício energético em todos os segmentos da nossa actividade. Precisamos de reformar imediatamente o modelo de financiamento das autarquias locais (elos essenciais da sustentabilidade que teremos que adoptar mais cedo do que pensavamos). Precisamos de lançar um vasto movimento agrícola de proximidade, que inclua, entre outros objectivos imediatos, a recuperação radical das cinturas verdes de todos os aglomerados urbanos com mais de 10 mil habitantes e um vasto plano educacional dirigido a toda a população. Precisamos de recuperar e estimular os circuitos de distribuição local, apoiando-os, desta vez, contra as condenadas mega-superfícies que quase destruiram o comércio (e a produção) local e nacional deste País. Precisamos, finalmente, de atrair conhecimento e financiamentos externos, dando como contrapartidas efectivas um período de 20 anos de isenção de impostos e um quadro legislativo que aponte sem ambiguidades para um modelo de sustentabilidade ecológica à escala nacional.

Aos meus concidadãos um conselho de Natal: gastem pouco (nada de telemóveis novos!) e sobretudo apostem no comércio de proximidade. Se tiverem uns dinheiritos poupados, não o desbaratem em planos de poupança cantados pelas sereias bancárias, mas antes na compra de terra, de terra agrícola, se possível perto de onde vivem. Depois vão pensando em frequentar uns workshops sobre a origem dos nossos alimentos. Por exemplo, os mini cursos de jardinagem promovidos pelo Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa (contacto: Enriqueta Coelho). Além de divertidos, ser-vos-ão muito úteis no futuro que ainda conhecereis.

Bom Natal!

Post Scriptum (24 dez 05) — Que se passa na cabecinha deste Primeiro-Ministro? Desatou a despachar compromissos irrealizáveis: Ota e TGV. Desdiz por dá cá aquela palha as posições do PS sobre uma questão energética tão sensível como a anunciada barragem do rio Sabor (depois da campanha que alimentaram contra Foz Coa). Atropela uma ministra no fim-de-semana, em nome de um acordo obscuro com um putativo benemérito das artes (algum melro lhe anda a dar muito maus conselhos...). Em suma, autoriza ou pressiona o seu ministro das obras públicas a fazer sucessivamente uma figura cabotina no dossier dos transportes (a última pessegada foi esconder do festival burlesco da Gare Marítima um estudo fundamental da ANA, realizado em 1994, sobre as alternativas possíveis para o novo Aeroporto Internacional de Lisboa). Como se isto não bastasse, o dossier tecnológico, objecto de encenações igualmente festivas, continua encalhado no jogo do empurra, afundando ministros e sucessivos responáveis que não chegam a sentar-se no lugar. O famoso plano foi agora chamado para a área de competência directa do Primeiro Ministro. Que sucederá quando voltarmos a perceber que não há nenhuma ideia decente para o mesmo? Entretanto, o essencial, i.e. a defesa imediata da nossa autonomia energética, alimentar e territorial, parece um assunto ausente da agenda de Sócrates. Grave! Muito grave, Senhor Primeiro Ministro! Talvez venha a tombar da sua cadeira por causa de tamanha distracção. E já agora, mais um aviso: não antecipe decisões cuja importância crucial para o País merecem, e sobretudo precisam, de um bom entendimento entre o Governo e o futuro Presidente da República. Quem avisa, seu amigo é...

Post Scriptum (20 dez 05) — Não gostei nada do modo obcecado como Soares atacou Cavaco no debate desta noite. Fez um triste papel de demagogo barato, de agressor indelicado e de velho senil (é preciso dizê-lo!), agitando espantalhos ridículos sobre a perigosidade de Cavaco Silva e lançando suspeitas indecentes sobre a legitimidade democrática das eleições que aí vêm. Não disse nada sobre o futuro (seguramente, porque não pensa fazer coisa alguma), enquanto o seu adversário explicou pacientemente como espera não defraudar os seus eleitores, se for eleito. Cavaco já disse que não vai cortar fitas, nem deixar os Governos, a Assembleia da República e os Tribunais descansados na doce incompetência que conduziu o País ao lamentável estado de irresponsabilidade, corrupção e indecência em que se encontra. Toda a gente percebeu há muito o que ele pretende, menos os candidatos que se lhe opõem. Repito: a sua eleição é a melhor notícia que os eleitores poderão dar a Sócrates na longa e dolorosa caminhada que o espera nos próximos três anos.

O-A-M #100 17 DEZ 2005

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Aeroportos 7

Governo omite relatório da ANA de 1994

No Prós e Contras de 28 de Nov assistimos a um debate mascarado sobre a Ota e o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), onde, de um lado, havia um ministro a favor, que já tinha sido contra, um esfíngico Fernando Pinto, que por razões óbvias nunca poderia estar contra o NAL, um protagonista claradamente contra, basicamente por ser Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e um professor universitário, José Viegas, grande especialista de transportes, que embora sentado no banco dos "contra", estava, afinal, a favor.

Se isto é um painel isento para discutir a Ota, vou ali e já venho! 

Segundo todos puderam facilmente deduzir das palavras expeditas do ministro (incluindo José Viegas, que protestou), o dito catedrático estaria na calha de previsíveis encargos governamentais sobre a matéria em litígio. Também ficámos a saber que para o ministro Lino, o NAL pretende afinal ser o NAP (i.e. o Novo Aeroporto de Portugal). Por outro lado, ninguém explicou como se farão, quanto custarão e quem pagará as novas acessibilidades (ferroviárias e rodoviárias) da Ota até Lisboa. Como não explicaram como se fará a ligação do TGV Badajoz-Lisboa ao atoleiro da Ota. Mais importante do que tudo isto, ninguém explicou qual o valor objectivo das previsões realizadas pelos estudos encomendados pelo Governo sobre o aumento de tráfego aéreo nos próximos dez a quinze anos. Eu, por mim, creio que estão completamente inflacionadas. Não se vê como possa manter-se uma tão elevada taxa de crescimento de movimento de aviões e número de passageiros com a economia portuguesa em estado pré-comatoso, com as profundas e duradouras divergências instaladas no seio da União Europeia (nomeadamente no que toca ao Fundo de Coesão), com a crise energética e de matérias primas fundamentais pré-instalada à escala mundial, com algumas pandemias letais prestes a explodir e com a crescente instabilidade militar internacional. Eu, de facto, apenas vejo um horizonte bastante negro no sector do transporte aéreo internacional. Ou seja, creio que a prudência é a melhor conselheira para os cenários que possamos adivinhar relativamente ao futuro NAL. Neste sentido, volta a estar na ordem do dia a hipótese Portela+1, que no caso de um estudo da ANA de 1994, omitido pelo actual governo e pelo impreparado Prós e Contras da RTP, aponta precisamente para a hipótese Portela +Montijo como solução mais natural e óbvia para um desenvolvimento sustentado e prudente das capacidades aeroportuárias da grande Lisboa. De facto, a localização da Ponte Vasco da Gama aponta de forma muito clara para esta solução! 

Notas finais: 

1) Alguém contabilizou o rombo ambiental e os custos da movimentação de terras necessário a dar alguma possibilidade técnica à hipótese da Ota? Pois leia-se este estudo da Parsons e meditemos...

2) Fazendo uma análise de divã ao debate do Prós e Contras sobre a Ota, chego à conclusão surpreendente que o actual Governo pretende apenas salvar a face relativamente ao seu compromisso eleitoral de avançar para a Ota. Na realidade, as suas decisões efectivas vão noutra direcção: dar prioridade ao TGV Madrid-Lisboa (e por conseguinte a uma nova travessia do Tejo) e dar, depois, prioridade ao TGV Porto-Lisboa (reforçando a função de Pedras Rubras como aeroporto do Noroeste Peninsular). Ora realizar estas duas ciclópicas tarefas (pois estamos a falar de um país em estado de recessão, que pode entrar mesmo em fase de estagnação prolongada ao longo dos próximos 4 anos ou mais) é já muito mais do que poderemos esperar deste e do próximo governos. No fundo, Sócrates, como opinei há algum tempo atrás, diz que sim à Ota, sabendo que a sua inviabilidade económica de facto se encarregará de afundar o propósito, para alívio de todos nós!

Link (15-12-2005) - artigo de Rui Rodrigues sobre o TGV 
Última hora! O-A-M #99 01 dez 2005