Novo Presidente espevita Sócrates
Convenhamos que o destino estava escrito nas estrelas. Cavaco foi sempre, como escrevi, a melhor expectativa de Sócrates. E irá fazer os impossíveis para que o actual Governo acelere sem hesitações o ciclo político de reformas estruturais iniciado (o seu a seu dono) por Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite.
O país progrediu muito desde 1974, sobretudo depois participar na fundação da União Europeia e ter beneficiado, a partir desta decisão histórica, de um caudal de financiamentos estratégicos único e provavelmente irrepetível. Cometeu, porém, alguns erros de palmatória: deixar crescer desmedidamente um Estado burocrático, preguiçoso, inculto, incompetente e irresponsável; alimentar de forma escandalosa o clientelismo político-partidário; fechar os olhos à corrupção; denegar os métodos e os meios à consolidação de um Estado de direito; permitir, em suma, e à laia de compensação pelos pecados anteriores, a persistência de um social-porreirismo nacional, segundo o qual todos nos habituámos a não ter regras de conduta nem respeito pelas leis. A confrangedora ineficácia da Justiça e os carros em cima dos passeios são dois elucidativos exemplos do nosso indisfarçável terceiro-mundismo.
Como se não bastasse tudo isto, e ao contrário, por exemplo, do que sucedeu em Espanha (durante a decisiva década de Filipe González), faltou a Portugal uma verdadeira estratégia pós-revolucionária. As diferenças no interior da classe política, e sobretudo a sua extrema imaturidade, foram realmente um obstáculo intransponível a uma definição oportuna das nossas prioridades pós-ditatoriais e pós-colonais. Mário Soares esteve empenhado na transferência de poderes para a sociedade civil democrática (partidos políticos, imprensa, sindicatos, etc.) Cavaco apostou sobretudo na recuperação dos atrasos económicos estruturais e no aligeiramento do excessivo peso do Estado na comunicação social e nalguns sectores económicos. Guterres, contrariando todas as expectativas, deixou o País à deriva. E Durão, goste-se ou não da sua ida para Bruxelas, começou o novo ciclo pedagógico da nossa ainda atribulada democracia (quando a comparamos com os modelos europeus mais avançados, claro). A partir do seu breve governo foi-se impondo a ideia de que o nosso destino colectivo tem que basear-se num regime de verdade, de transparência informativa e de pragmatismo, na co-responsabilização institucional e cívica dos diversos actores do nosso dia-a-dia, e numa rigorosa separação dos poderes (de que o escândalo em redor das práticas de pedofilia com menores da Casa Pia viria a ser o caso simultaneamente mais traumático e revelador). A José Sócrates cabe agora prosseguir (e não deixar regredir) o novo ciclo estratégico da democracia portuguesa. A situação económica e sobretudo financeira do País, mais a falência anunciada do nosso sistema de segurança social, empurram-no na direcção certa. Mas porque os remédios a administrar são amargos e inesperados, ele precisa de um bom apoio na Presidência da República. Quer dizer, de um apoio exigente, do género, quando o Primeiro Ministro diz - mata!, o Presidente diz - esfola!
Mas haverá também, na filosofia social-democrata da actual Presidência da República, algumas diferenças críticas importantes relativamente à filosofia liberal da Presidência do Conselho de Ministros. Por exemplo, a necessidade de respeitar os parceiros sociais na definição de uma estratégia económico-social activamente participada, ou a assunção de que o futuro do País não depende mais de trabalhadores analfabetos auferindo salários de miséria, nem de regimes laborais sem lei nem roque. Por outro lado, na política externa, haverá que afinar o discurso de Freitas do Amaral na direcção certa, isto é, na direcção do nosso original atlantismo (pois não devemos confundir a América com um imbecil chamado George W. Bush). Em matéria de Defesa, por sua vez, teremos que enveredar rapidamente por uma especialização militar que faça sentido (i.e. que passe necessariamente pelo reforço dos meios militares navais e aero-navais). Por fim, no que respeita à dignidade do regime democrático, precisamos de regras claras e de transparência processual na angariação e afectação dos recursos humanos e materiais da Administração Pública.
Eu creio que Cavaco Silva não vai deixar de lutar por estes desideratos. E creio também que o fará usando métodos bem mais eficazes do que as litanias em que acabaram por transformar-ser boa parte dos discursos presidenciais.
Sintomas:
1 - Parlamento electrónico? A miserável página web do nosso parlamento nem sequer publica o discurso de posse de Cavaco Silva, resolvendo antes destacar apenas o discurso do Presidente da Assembleia da República e uma exposição patética chamada "O Poder da Arte". Bem vistas as coisas, um parlamento com menos 10% dos actuais deputados libertaria os recursos (e as necessidades....) suficientes para a criação de um mais do que necessário e eficiente parlamento electrónico. Não haverá uma verbazinha no Plano Tecnológico para isto?
2 - Falta de chá: houve uns deputados mal educados que resolveram ficar sentados e não aplaudir o discurso da tomada de posse do novo Presidente da República. Mas nem por isso faltaram aos pasteis de bacalhau pagos pelos nossos impostos (e bem!) durante a recepção oferecida pelo novo presidente no Palácio da Ajuda.
3 - Já viram o novo sítio Web da Presidência da República? Vale a pena compará-lo com pastelão do Plano Tecnológico
O-A-M #109 11 MAR 2006
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