Danny de Vito. Batman Returns |
Sou corrupto, e depois?!
Nós sabíamos que na grande Itália, desde tempos imemoriais, roubar é um direito divino e um costume aceite, pelo que até se pagam impostos à Mafia. Sabíamos que os novos oligarcas russos além de roubar o seu povo até à medula, o fazem recorrendo frequentemente ao assassínio (agora por envenenamento nuclear!) Sabíamos que em Angola e em boa parte da África o roubo, a expoliação violenta dos povos e a destruição dos países são sinónimos do quotidiano pós-colonial. Sabíamos que os coroneis do Brasil e a maioria dos ricos da América Latina continuam alegremente em guerra civil contra os seus próprios povos. Sabíamos que a democracia americana se encontra, como nunca, corroída pela corrupção e pelo sindroma da decadência imperial. Acreditamos, por outro lado, que a Europa é, apesar de tudo (quer dizer, dos seus próprios níveis de corrupção), um oásis distributivo, e que procura desesperadamente salvar a substância e a forma da democracia, insistindo numa cultura da racionalidade humanista, da formalidade institucional, da igualdade perante a lei e da liberdade individual. Não podemos pois deixar de nos estarrecermos com os sucessivos escândalos de corrupção que, de há alguns anos para cá, parece ilustrar a verdadeira natureza da problemática economia lusitana.
Fuga massiva aos impostos por parte de grandes empresas, bancos envolvidos em sofisticadas e vultuosas operações de branqueamento de capitais, jogos de poder e corrupção sórdida no futebol, tráfico ilegal de armas, de droga e de pessoas, redes de pedofilia impunes, voos secretos da CIA (que o Governo escondeu e continua a esconder do Parlamento e dos portugueses em geral) e o mais que se verá, se a Justiça portuguesa não estiver ela mesma prisioneira da corrupção instalada, aproximam perigosamente Portugal dos registos outrora típicos de outras latitudes geo-culturais.
Se não se puser cobro a este descalabro, e o emagrecimento do Estado, em vez de servir para racionalizar a nossa democracia, servir apenas para destruir o insipiente Bem Estar Social lentamente conquistado desde o fim da ditadura, então bem podemos esperar por tempos difíceis e perigosos. Se aí chegarmos, tal como sucedeu em Portugal no princípio do século 20, poderá voltar a bastar um só homem para nos reconduzir, num primeiro momento, à ordem pública, e depois, a um novo ciclo de obscurantismo autoritário e paternalista. Será diferente do Salazarista concerteza. Será, por exemplo, ciber-autoritário, ciber-paternalista e ciber-obscurantista (em nome, claro está, da luta contra o perigo do tecno-anarquismo). Acontecerá mais provavelmente se a Europa enveredar por um retrocesso ou mesmo por uma pausa (hoje inimaginável para muitos) do processo político da União. Mas não pensem que novas formas de populismo (de tecno-populismo) autoritário são tão improváveis como, neste momento, parecerá aos mais optimistas e sobretrudo aos mais ingénuos. Pensem apenas no que será este país quando o petróleo chegar aos 120 euros pb, por volta do ano 2010, ou 2015. A prosápia inconsequente dos políticos actuais e as más companhias com quem andam auguram o pior. [v.o. 2006/12/9]
Post scriptum:
1) Fãs da corrupção Não se pense que o fenómeno da corrupção organizada indigna os portugueses por aí além. Basta ver como os fãs do Futebol Clube do Porto berram pelo patibular Pinto da Costa (não esquecer a leitura, obrigatória, de "Eu, Carolina", da ex-companheira do presidente do FCP, editado pela Dom Quixote e nas bancas a partir de 2006/12/11). Ou ver como os desempregados de Gondomar trocam votos por micro-ondas em nome do capo local; os eleitores de Oeiras exultam com o seu municipal Isaltino; e os pobres de espírito de Felguerias alimentam sonhos eróticos com a sua santa autarca. (2006/12/10)
2) A super-Procuradora Maria José Morgado vai retomar o caso Apito Dourado. Por fim, alguma luz ao fundo do túnel sinistro da justiça portuguesa. Não fora Carolina Salgado ter publicado agora o seu libelo acusatório contra Pinto da Costa, e o dito caso em volta da corrupção de árbitros por parte de alguns clubes nortenhos de futebol, e envolvendo, além de Pinto da Costa e Valentim Loureiro, Jacinto Paixão, Reinaldo Teles, António Garrido e António Araújo, morreria sob o silêncio típico do estado de corrupção complacente que continua a caracterizar um país incapaz de superar o seu patente sub-desenvolvimento democrático. Temos democracia, mas boa parte das instituições continua sequestrada por poderes fáticos ilegítimos, muitos deles corruptos e alguns, como agora vemos, criminosos e descarados.
Num programa imbecil de um canal de televisão chamado RTPN (pago pelos impostos de todos) dois aparentes comentadores divergentes convergiam há dias na defesa do presidente do FCP, face à retoma da caso Apito Dourado, com o argumento simplório de que se trataria tão-só de uma conspiração contra o FCP. Rui Rio, prossegue a tua meritória acção autárquica! (2006/12/16)
3) O BES volta aos noticiários, desta vez com o juíz Baltazar Garzón a inspeccionar a delegação do BES na Madeira. Entretanto, o paroquial Expresso entrevistou o presidente deste controverso banco, esquecendo-se de lhe colocar duas questões: como avaliar a insistência da justiça espanhola, que requereu o apoio das autoridades portuguesas na investigação da delegação madeirense do BES?; e, porque motivo resolveu este grupo financeiro vender a Portugália à TAP, i.e. ao Estado português? (2006/12/16)
4) Corruption (Made in England) Para não pensarmos que a corrupção só é protegida no nosso país, acaba de rebentar um escândalo no reino de sua magestade britânica em volta de condecorações atribuídas em troca de financiamentos ao Partido Trabalhista.
Blair questioned in honours probe. Mr Blair was questioned for almost two hours by police. Prime Minister Tony Blair has been interviewed by police investigating cash for honours allegations. (Link)
Um dia depois desta notícia anuncia-se o fim de uma investigação especial sobre luvas pagas aos intermediários sauditas na aquisição de 72 caças militares, da classe Eurofighter, no valor de 40 mil milhões de Libras.
The Serious Fraud Office has dropped a corruption probe into a defence deal with Saudi Arabia, after warnings it could damage national security. Attorney General Lord Goldsmith said the SFO was "discontinuing" its investigation into Britain's biggest defence company, BAE Systems. The reversal follows reports that Saudi Arabia was considering pulling out of a deal to buy Eurofighter jets from BAE. Lord Goldsmith said he thought that a prosecution "could not be brought". He said the decision had been made in the wider public interest, which had to be balanced against the rule of law. (Link-1 Link-2)(2006/12/16)
OAM #156 29 DEZ 2006
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