Clara Ferreira Alves. Fotografia de António Pedro Ferreira (original: a cores) |
Um manifesto imprevisto
Bastaria para fundar uma nova força política vencedora e reformadora, se não estivéssemos todos mortos...
CLARA FERREIRA ALVES:
O que quero saber é simples e não cabe aqui. Quero saber porque é que o partido socialista está a destruir sem reformar, de forma errática, odiosamente injusta para com os destituídos, a melhor invenção da democracia, o Sistema Nacional de Saúde.
Quero saber porque é que a Segurança Social, a tal reformada com sucesso, demora um ano a entregar as pensões ou obriga os reformados a apurar os cálculos finais, onde quase sempre faltam anos e descontos.
Quero saber porque é que a velhice em Portugal é a mais desoladora da Europa e porque é que se tornou um negócio rentável a sobrepor à tragédia demográfica.
Quero saber porque é que apesar de anos de reformas administrativas, a burocracia continua um mistério dependente da boa vontade de funcionários e não da agilidade do sistema.
Quero saber porque é que todos os dias há uma greve impulsionada pelos mesmos partidos que sustentam o Governo no Parlamento.
Quero saber porque é que a ambição é vista como um defeito e os melhores de nós continuam a emigrar para outros mundos tal como no tempo das caravelas.
Quero saber porque é que a regionalização é um desígnio nacional quando nem as ruas da capital a descentralização consegue limpar.
Quero saber porque é que os sistemas judicial e judiciário continuam a albergar o racismo, a homofobia e a violência contra as mulheres como se fossem atos da natureza.
Quero saber porque é que o futebol e os clubes continuam a ter um regime benéfico de isenções e a manifestar-se acima das leis.
Quero saber porque é que a proteção do ambiente e dos ecossistemas são luxos para privilegiados.
Quero saber porque é que os feriados e as pontes continuam a ser a expressão máxima da felicidade coletiva e constituem privilégios intocáveis.
Quero saber porque é que as famílias e os apelidos continuam a regular a mobilidade social exceto quando substituídos pelo nepotismo das famílias partidárias.
Quero saber porque é que a normalidade, uma vida normal, continua a ser a medida da retribuição e porque é que a originalidade é punida, exceto se integrada.
Quero saber porque é que tanto o proletariado como a burguesia nunca se constituíram como consciência, preferindo a anestesia do hipermercado e da televisão.
Quero saber quem são os arquitetos da nossa venda progressiva a países e estados inimigos da democracia e da transparência.
Quero saber porque é que os professores estão em guerra há anos e ninguém se lembrou de reformar um sistema calcificado que se recusa a evoluir.
Quero saber porque é que as universidades portuguesas subsistem na indigência financeira e doutrinária.
Quero saber porque é que o único tema são os funcionários públicos. Quero saber porque é que o nosso sistema fiscal é sacrificial sem reciprocidade.
Quero saber porque é que reduzimos a austeridade e a escassez a uma qualidade intrínseca da cidadania.
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