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segunda-feira, novembro 09, 2015

O Gorbachev do PCP

Jerónimo de Sousa líder do PCP
Foto: Enric Vives-Rubio/ Público


Jerónimo de Sousa opera transição pacífica no PCP


Confesso que esperava uma perestroika menos súbita no PCP (1), e uma caminhada mais ponderada do Bloco, em direção ao chamado arco da governação, embora as tenha enunciado várias vezes neste blogue como metamorfoses necessárias no campo da esquerda parlamentar. Não esperava, no entanto, que tal viesse a ocorrer na sequência do derrube de uma minoria acabada de sair de uma vitória eleitoral, ainda que relativa, substituindo-se o líder legitimamente empossado no cargo de chefe de governo, pelo líder apressado, voraz e sem princípios que acabara de perder as mesmas eleições. A verdade é que entre António Costa e a sua camarilha, o PCP, e a explosão eleitoral do Bloco, se estabeleceu uma pressa de poder sem precedentes. Costa e PCP, por mero instinto de sobrevivência, o Bloco, para aproveitar a fundo o maná eleitoral inesperado.

Não sabemos como irá proceder Cavaco Silva, atendendo a que um possível governo minoritário de António Costa, suportado por três acordos inconsistentes de incidência parlamentar (os quais não garantem a aprovação dos sucessivos orçamentos de estado a promover pelo PS), ainda por rubricar e por conhecer em toda a sua extensão, nunca estaria em funções antes do fim deste ano, provavelmente a menos de um mês das eleições presidenciais.

A minha convicção é de que o presidente da república só daria posse a um governo espúrio como este depois de ouvir o Conselho de Estado e muita mais gente, e se não conseguisse convencer uma personalidade acima de toda a suspeita para encabeçar um governo de iniciativa presidencial, cujo mandato cessaria depois do próximo presidente da república indigitar um novo chefe de governo na sequência de eleições legislativas antecipadas, lá para junho de 2016. Mas posso estar enganado, claro!

O centro-direita agora em pânico poderia ter feito melhor, sobretudo poderia ter distribuído de forma mais justa os sacrifícios, atacando nomeadamente as rendas excessivas da energia e das concessionárias das auto-estradas (ex-SCUTs, etc.), parando barragens ruinosas, poupando a classe média baixa e exigindo mais solidariedade à classe média alta, reduzindo o número de câmaras municipais no litoral do país, em particular nas regiões de Lisboa e Porto, e não deixando cair totalmente o investimento público estratégico, por exemplo, na ferrovia de bitola europeia, para o que contou e desperdiçou largas centenas de milhões euros reservados em Bruxelas e no BEI para Portugal, em condições altamente favoráveis e provavelmente irrepetíveis.

Por fim, alguns setores vitais da nossa autonomia estratégica, como o setor da água e os transportes coletivos nas cidades e entre as cidades, deveriam ter dado lugar a processos de democracia deliberativa adequados à natureza crítica destes temas e à natureza e textura da nossa sociedade. Houve arrogância escusada, nalguns casos, e falta de capacidade de sedução democrática, noutros.

A banca oportunista espreita a hipótese de um novo governo, aclamado à esquerda, para escapar às suas responsabilidades no Fundo de Resolução bancária, diferindo as faturas dos prováveis resgates do Novo Banco, do Banif, ou do Montepio, para os bolsos dos contribuintes, escondendo as operações num qualquer envelope de dívida pública disfarçada. Vai ser curioso observar o comportamento do PCP neste dossiê.

Os rendeiros da EDP e similares aguardam o regresso de um PS patentemente familiar para continuarem a sufocar famílias e empresas à pala de rendas energéticas indecentes, com a desculpa de que há um défice tarifário por pagar, e que é preciso continuar a erigir ventoinhas onde houver vento!

Por fim, o setor público, dos administradores aos fornecedores e funcionários, não deixará de pressionar, como sempre faz, o novo governo, em nome do que julga ser os seus direitos inalienáveis e constitucionais.

Mas como o que temos no horizonte é um crescimento mundial medíocre e a expetativa de uma nova crise financeira global, cujas consequências políticas, sociais e militares, se desconhecem, a promessa central da atual frente popular —'virar a página da austeridade'— não poderia ser mais improvável e imprudente.


NOTAS


  1. PCP sem braço no ar

    O sim do PCP ao governo de António Costa foi obtido ontem no Comité Central, “por unanimidade de forma informal”. Ou seja, arranjou-se uma maneira de transformar uma votação com votos a favor e votos contra, numa unanimidade disfarçada.

    O que disse Jerónimo de Sousa à imprensa, e os [meus comentários]

    “Nada obsta à formação de um Governo de iniciativa do PS”...

    “Reafirmamos agora, e em definitivo, o que temos sublinhado: há na Assembleia da República uma maioria de deputados que é condição bastante para o PS formar Governo, apresentar o seu programa [atenção: 'o seu programa' quer dizer que é um programa do PS, que não responsabiliza o PCP, o qual, por sua vez, não diz se tenciona apoiar, ou não], entrar em funções [i.e. o PCP não apoiará nenhuma moção de rejeição que eventualmente apareça] e adoptar uma política [uma responsabilidade exclusiva do PS, entenda-se...] que assegure uma solução duradoura na perspectiva da legislatura”...

    ...“como não houve revisão constitucional, uma legislatura são quatro anos”. [já todos sabíamos]

    ...“A possibilidade agora aberta, que não deve ser desperdiçada e que tudo faremos para que se confirme, não só não dispensa como confirma o indispensável objectivo de ruptura com a política de direita [mas não foi essa, segundo o PCP, desde sempre, a forma de estar do PS?] e a concretização de uma política patriótica e de esquerda [é esta a nova formulação programática do PS]”.

    “Está aberta a possibilidade real de, entre outros, dar passos na devolução dos salários e rendimentos, de repor os complementos de reforma dos trabalhadores do sector empresarial do Estado, de valorizar salários e travar a degradação continuada das pensões, de restituir parte das prestações sociais sujeitas à condição de recurso, de repor os feriados retirados, de garantir melhores condições de acesso à saúde e à educação, de fazer reverter os processos de concessão e privatização de empresas de transportes terrestres” [ou seja, de defender os nichos do mercado eleitoral e político do PCP].

    “Os trabalhadores e o povo podem contar com o que o PCP assumiu perante eles e o país, tomaremos a iniciativa e não faltaremos com o apoio a todas as medidas que correspondam aos seus interesses, à elevação dos seus rendimentos e à reposição dos seus direitos”. [E no que toca às medidas que não satisfizerem estes desideratos, como tencionam proceder?]

    Qual o propósito desta provocação:

     “Se nos fixássemos naquela intervenção [7 de Outubro] tínhamos motivos para preocupação, os critérios para a formação deste Governo do PS não têm de ser os do Presidente da República, que não tem que meter prego nem estopa neste processo.”

Atualização: 9/11/2015 09:56 WET