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quarta-feira, novembro 11, 2015

As pressões sobre o presidente

Henrique Neto
Foto © Paulo Cunha/ Lusa, DN

O tempo da argumentação acabou, desde logo porque as esquerdas deixaram de argumentar e passaram ao assalto ilegítimo do poder.


Todos os principais candidatos presidenciais, exceto Henrique Neto (que manifestou uma posição mitigada), têm pressionado Cavaco Silva para empossar o líder do partido que perdeu as eleições e continua a não ter dos partidos à sua esquerda mais do que uma mão negativa e cheia de nada (1), a qual, porém, serviu para derrubar o governo saído da maioria relativa que ganhou as eleições de 4 de outubro não obstante a gritante insuficiência democrática, programática e moral exibida.

Como repetiu hoje o candidato presidencial comunista, o que existe é um acordo partidário e parlamentar para viabilizar uma 'política alternativa', o que não é o mesmo que viabilizar um governo, quatro orçamentos, e uma gestão governamental diária consentânea com os tratados e compromissos internacionais, e o programa de ajustamento firmado com os nossos principais credores.

Mário Centeno diz uma coisa no parlamento e outra ao Financial Times — demonstração clara, mas patética, de uma convergência partidária oportunista que ganha contornos cada vez mais nítidos de uma tentativa de golpe de estado parlamentar.


NOTAS

  1. Não há coligação, não há acordo de incidência parlamentar, não há memorando de entendimento sobre o governo mono partidário do PS, há tão só o que chamam ‘posição conjunta’, e mesmo esta não é uma ‘posição conjunta’ mas três supostas posições conjuntas, as quais, em nenhum lado, referem sequer os tratados internacionais e os memorandos assinados pelo país. O máximo que conseguiram e é nada resume-se a este pedaço de mau português (ostensivamente atropelando o Acordo Ortográfico): “existir uma base institucional bastante para que o PS possa formar governo, apresentar o seu programa de governo, entrar em funções e adoptar uma política que assegure uma solução duradoura na perspectiva da legislatura;”. E se, ou quando, não adotar "uma política que assegure uma solução duradoura..."?

terça-feira, novembro 10, 2015

Queres um governo ilegítimo? Toma!



António Costa apenas conseguiu um passe interesseiro para a desgraça, esperemos que apenas da sua desgraça, e não do país


Não há acordo de coligação (mas tão só o que chamam 'posições'), pois não há nenhuma coligação; não houve nenhum acordo de incidência parlamentar entre o PS, o PCP e o Bloco exceto para deitar abaixo o governo dos partidos que ganharam as eleições—ou seja, houve ao longo de um mês (e não durará mais de algumas semanas) uma coligação negativa pontual congeminada para salvar a pele dum oportunista sem princípios chamado António Costa; não há sequer qualquer acordo parlamentar, pois os acordos conhecidos hoje foram subscritos em semi-clandestinidade, como num verdadeiro ritual estalinista, e não no plenário da Assembleia da República (alguém viu algum aperto de mãos sincero e formal entre os novos amores da esquerda?); o que vem escrito nos três papeis finalmente disponíveis resume-se (além dos pontapés na sintaxe) à manifestação de intenções de curto prazo, não havendo uma única garantia de consistência e/ou estabilidade dada pelas ortodoxias estalinista, maoista e trotskista ao pior que há no Partido Socialista para formar um governo minoritário. Ou seja, António Costa propõe-se atropelar uma minoria que ganhou as eleições de 4 de outubro, por uma minoria derrotada (o PS) nas mesmas eleições.

É uma pena que as jovens turcas do Bloco de Esquerda, e os jovens turcos do PCP, e do PS, tenham perdido esta oportunidade para avançar na indispensável limpeza ideológica, política e ética de forças políticas que apodrecem na sua própria corrupção material e espiritual, e prometem agora atirar o país, uma vez mais, para o lixo.

Mário Soares expressou hoje os seus pêsames pela morte de Helmut Schmidt, mas não pela tentativa de um golpe de estado em pleno parlamento, a quinze dias do 25 de novembro. Estará ainda a pensar em tudo isto.

segunda-feira, novembro 09, 2015

O Gorbachev do PCP

Jerónimo de Sousa líder do PCP
Foto: Enric Vives-Rubio/ Público


Jerónimo de Sousa opera transição pacífica no PCP


Confesso que esperava uma perestroika menos súbita no PCP (1), e uma caminhada mais ponderada do Bloco, em direção ao chamado arco da governação, embora as tenha enunciado várias vezes neste blogue como metamorfoses necessárias no campo da esquerda parlamentar. Não esperava, no entanto, que tal viesse a ocorrer na sequência do derrube de uma minoria acabada de sair de uma vitória eleitoral, ainda que relativa, substituindo-se o líder legitimamente empossado no cargo de chefe de governo, pelo líder apressado, voraz e sem princípios que acabara de perder as mesmas eleições. A verdade é que entre António Costa e a sua camarilha, o PCP, e a explosão eleitoral do Bloco, se estabeleceu uma pressa de poder sem precedentes. Costa e PCP, por mero instinto de sobrevivência, o Bloco, para aproveitar a fundo o maná eleitoral inesperado.

Não sabemos como irá proceder Cavaco Silva, atendendo a que um possível governo minoritário de António Costa, suportado por três acordos inconsistentes de incidência parlamentar (os quais não garantem a aprovação dos sucessivos orçamentos de estado a promover pelo PS), ainda por rubricar e por conhecer em toda a sua extensão, nunca estaria em funções antes do fim deste ano, provavelmente a menos de um mês das eleições presidenciais.

A minha convicção é de que o presidente da república só daria posse a um governo espúrio como este depois de ouvir o Conselho de Estado e muita mais gente, e se não conseguisse convencer uma personalidade acima de toda a suspeita para encabeçar um governo de iniciativa presidencial, cujo mandato cessaria depois do próximo presidente da república indigitar um novo chefe de governo na sequência de eleições legislativas antecipadas, lá para junho de 2016. Mas posso estar enganado, claro!

O centro-direita agora em pânico poderia ter feito melhor, sobretudo poderia ter distribuído de forma mais justa os sacrifícios, atacando nomeadamente as rendas excessivas da energia e das concessionárias das auto-estradas (ex-SCUTs, etc.), parando barragens ruinosas, poupando a classe média baixa e exigindo mais solidariedade à classe média alta, reduzindo o número de câmaras municipais no litoral do país, em particular nas regiões de Lisboa e Porto, e não deixando cair totalmente o investimento público estratégico, por exemplo, na ferrovia de bitola europeia, para o que contou e desperdiçou largas centenas de milhões euros reservados em Bruxelas e no BEI para Portugal, em condições altamente favoráveis e provavelmente irrepetíveis.

Por fim, alguns setores vitais da nossa autonomia estratégica, como o setor da água e os transportes coletivos nas cidades e entre as cidades, deveriam ter dado lugar a processos de democracia deliberativa adequados à natureza crítica destes temas e à natureza e textura da nossa sociedade. Houve arrogância escusada, nalguns casos, e falta de capacidade de sedução democrática, noutros.

A banca oportunista espreita a hipótese de um novo governo, aclamado à esquerda, para escapar às suas responsabilidades no Fundo de Resolução bancária, diferindo as faturas dos prováveis resgates do Novo Banco, do Banif, ou do Montepio, para os bolsos dos contribuintes, escondendo as operações num qualquer envelope de dívida pública disfarçada. Vai ser curioso observar o comportamento do PCP neste dossiê.

Os rendeiros da EDP e similares aguardam o regresso de um PS patentemente familiar para continuarem a sufocar famílias e empresas à pala de rendas energéticas indecentes, com a desculpa de que há um défice tarifário por pagar, e que é preciso continuar a erigir ventoinhas onde houver vento!

Por fim, o setor público, dos administradores aos fornecedores e funcionários, não deixará de pressionar, como sempre faz, o novo governo, em nome do que julga ser os seus direitos inalienáveis e constitucionais.

Mas como o que temos no horizonte é um crescimento mundial medíocre e a expetativa de uma nova crise financeira global, cujas consequências políticas, sociais e militares, se desconhecem, a promessa central da atual frente popular —'virar a página da austeridade'— não poderia ser mais improvável e imprudente.


NOTAS


  1. PCP sem braço no ar

    O sim do PCP ao governo de António Costa foi obtido ontem no Comité Central, “por unanimidade de forma informal”. Ou seja, arranjou-se uma maneira de transformar uma votação com votos a favor e votos contra, numa unanimidade disfarçada.

    O que disse Jerónimo de Sousa à imprensa, e os [meus comentários]

    “Nada obsta à formação de um Governo de iniciativa do PS”...

    “Reafirmamos agora, e em definitivo, o que temos sublinhado: há na Assembleia da República uma maioria de deputados que é condição bastante para o PS formar Governo, apresentar o seu programa [atenção: 'o seu programa' quer dizer que é um programa do PS, que não responsabiliza o PCP, o qual, por sua vez, não diz se tenciona apoiar, ou não], entrar em funções [i.e. o PCP não apoiará nenhuma moção de rejeição que eventualmente apareça] e adoptar uma política [uma responsabilidade exclusiva do PS, entenda-se...] que assegure uma solução duradoura na perspectiva da legislatura”...

    ...“como não houve revisão constitucional, uma legislatura são quatro anos”. [já todos sabíamos]

    ...“A possibilidade agora aberta, que não deve ser desperdiçada e que tudo faremos para que se confirme, não só não dispensa como confirma o indispensável objectivo de ruptura com a política de direita [mas não foi essa, segundo o PCP, desde sempre, a forma de estar do PS?] e a concretização de uma política patriótica e de esquerda [é esta a nova formulação programática do PS]”.

    “Está aberta a possibilidade real de, entre outros, dar passos na devolução dos salários e rendimentos, de repor os complementos de reforma dos trabalhadores do sector empresarial do Estado, de valorizar salários e travar a degradação continuada das pensões, de restituir parte das prestações sociais sujeitas à condição de recurso, de repor os feriados retirados, de garantir melhores condições de acesso à saúde e à educação, de fazer reverter os processos de concessão e privatização de empresas de transportes terrestres” [ou seja, de defender os nichos do mercado eleitoral e político do PCP].

    “Os trabalhadores e o povo podem contar com o que o PCP assumiu perante eles e o país, tomaremos a iniciativa e não faltaremos com o apoio a todas as medidas que correspondam aos seus interesses, à elevação dos seus rendimentos e à reposição dos seus direitos”. [E no que toca às medidas que não satisfizerem estes desideratos, como tencionam proceder?]

    Qual o propósito desta provocação:

     “Se nos fixássemos naquela intervenção [7 de Outubro] tínhamos motivos para preocupação, os critérios para a formação deste Governo do PS não têm de ser os do Presidente da República, que não tem que meter prego nem estopa neste processo.”

Atualização: 9/11/2015 09:56 WET

sábado, novembro 07, 2015

O bluff e a astúcia de Costa


Será que António Costa tem outro plano?


Substituir uma minoria que ganhou as eleições por uma minoria que as perdeu é uma aberração democrática que Cavaco Silva não poderá engolir sob nenhum argumento. Ou seja, a menos que houvesse um governo de coligação formado pelo PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV, ou no mínimo, um governo PS protegido por um acordo único de incidência parlamentar que garantisse ao PS, não só a aprovação de todas as suas iniciativas parlamentares, mas também uma cláusula de liberdade da bancada do PS face às iniciativas dos partidos à sua esquerda, que o PS decidisse rejeitar, a solução que tem andado no ar —debaixo, é certo, de uma chuva de ambiguidade, propaganda e contra-informação—, ou qualquer outra do mesmo estilo, é inaceitável, pois seria uma falsa alternativa ao que está, sem coerência, nem consistência, expondo-se aos olhos de todos como uma usurpação do poder, ou seja, como um golpe de estado parlamentar, cujas consequências seriam imprevisíveis.

Os factos têm, no entanto, vindo a confirmar a hipótese (que cedo coloquei) de a jogada arriscada de António Costa não passar dum bluff. A inflexão da análise reside agora no objetivo do bluff.

Ao contrário do que cheguei a supor, António Costa não está apenas a lutar pela sua sobrevivência política, mas lançou-se mesmo num programa estratégico novo, que não deitará a perder numa solução de governo oportunista e minado à nascença por uma convergência de esquerda que ainda não existe de facto. Ou seja, António Costa não derrubará o governo do PàF, passará à oposição parlamentar, mas dirá Urbi et Orbi que o caminho iniciado com os partidos à sua esquerda é para continuar, e deverá ter como resultado a formação de uma coligação pré-eleitoral destinada a derrotar 'a direita' nas próximas eleições. Até lá, a maioria de esquerda parlamentar transformará a vida do PàF numa espécie de inferno seguido de morte súbita.

A lógica deste raciocínio encontra-se nestas citações:

“Quando houver esse acordo, ele deverá ser comunicado e é importante que esse acordo seja aclarado, evidentemente, antes da discussão do programa do governo”, disse Carlos César aos jornalistas no final do encontro com o ministro dos Assuntos Parlamentares. 
Sem revelar pormenores sobre as negociações, o líder da bancada socialista sublinha que o PS só irá chumbar o programa de governo [discutido nos próximos dias 9 e 10] se chegar a acordo com PCP, BE e PEV para uma “alternativa responsável, estável e com sentido duradouro”. (TSF, 3/11/2015
O líder do PS, António Costa, assumiu em entrevista à SIC, esta sexta-feira à noite, que  falta finalizar as negociações políticas com o PCP, para que possa ser assinado um acordo que garanta a viabilização parlamentar de um governo minoritário do PS, apoiado pelo BE e pelo PCP. (Público, 6/11/2015)
O líder socialista adiantou que a opção pela formação de um Governo do PS, sem a presença de elementos de outras forças políticas, foi uma opção do PCP e do Bloco de Esquerda, salientando, depois, que, em matéria de formato desse novo executivo, os socialistas não colocaram qualquer restrição. (Jornal de Notícias, 6/11/2015
“Não basta um programa de governo nem as condições para iniciar funções. Não basta para o PS e não basta para um governo que eu chefie. Não estou disponível e eu não estou disponível para um governo que não tenha condições reais que seja de legislatura”.
António Costa chegou à reunião da Comissão Nacional do PS sem grandes explicações aos jornalistas. Quando questionado sobre se o PS está refém do PCP, Costa apenas disse: “O PS é um partido livre, não está refém… nem dos jornalistas”. (Observador, 7/11/2015)

“Eu prefiro um Governo de direita refém do PS, do que um Governo do PS refém da esquerda radical”. (Observador, 7/7/2015)

Cá estaremos para comentar as cenas do próximos capítulos ;)

sexta-feira, novembro 06, 2015

Obrigado camarada Cunhal!


PCP salva-se de um salto para o abismo e salva o país de um mais que certo desastre se, porventura, António Costa usurpasse a maioria das últimas eleições


Para Francisco Assis o acordo de esquerda é a parte visível de um icebergue, mas “a parte invisível (deste icebergue) é a mais determinante”. Salvo se, digo eu, o PCP e o Bloco já tivessem passado pelo upgrade ideológico e programático de que desesperadamente precisam para ainda estarem por cá, quer dizer com alguma presença expressiva no parlamento e nas autarquias, em 2020. Não passaram, e não vai ser fácil aos mais novos vencerem as resistências dessa espécie de honestas e dogmáticas testemunhas de Jeová que habitam o lúgubre CC do PCP, ou os esqueletos ideologicamente decrépitos do Bloco, dos pequeno-burgueses maoístas Fazenda e Rosas, ao quadrado trotskista, da estirpe mandeliana, Francisco Louçã.

Os aggiornamentos do PCP e do Bloco precisam de tempo, e de ver reformados os velhos dirigentes. A golpada de António Costa, a que se somou a gula pelo poder que cresceu em e à volta de Catarina Martins, precipitaram os acontecimentos numa direção que poderá revelar-se fatal para o esperado e necessário renascimento do que resta das seitas marxistas-leninistas e trotskistas europeias.

Acontece que Arménio Carlos percebeu a armadilha e reagiu forte e feio. Nada mais do que uma manifestação-cerco da Assembleia da República no dia da votação das anunciadas moções de censura, e uma greve de estivadores durante dez dias, nos portos de Lisboa, Setúbal e Figueira da Foz, a partir de 14 de novembro. Ou seja, os nichos de mercado do PCP (sindicatos, autarquias e grupo parlamentar) não podem morrer nos braços do PS, um partido que como todos sabem e os comunistas nunca se cansaram de repetir, sempre esteve com as 'políticas de direita'.

Jerónimo de Sousa:
“a vida tem demonstrado que o PS, em minoria ou em maioria absoluta, sempre, mas sempre, ao longo destes 39 anos, fez uma opção - a política de direita - e a verdade é que os portugueses têm prova de facto, incluindo neste programa eleitoral [do PS]”, que, segundo o deputado do PCP, só se diferencia da coligação PSD/CDS-PP no “ritmo, modo ou grau” de austeridade — in Económico com Lusa, 1 set 2015.

O PCP recusa-se, portanto, a firmar acordos escritos com o PS. Ou seja, não há acordo que chegue para convencer Cavaco. E assim sendo só vejo uma saída para António Costa: ouvir Francisco Assis, anunciar este domingo que não há acordo para uma alternativa ao governo dos partidos que ganharam as eleições de 4 de outubro, e demitir-se imediatamente.

É que os danos que já causou ao país e ao PS são intoleráveis!