Quem será o último a rir?
O grande choque causado pelo busto alegre e bastante cinematográfico de Cristiano Ronaldo, que desde 29 de março de 2017 dá o seu nome ao aeroporto do Funchal, comprova apenas o sucesso do ícone escultórico criado por Emanuel Santos, antigo funcionário de limpezas do mesmo aeroporto, desempregado há três meses, 40 anos de idade, escultor autodidata como tantos. Só por si, esta descrição daria um bom documentário.
Os bustos que vemos pelas praças, jardins e rotundas portuguesas são em geral insuportavelmente académicos, mais parecendo máscaras mortuárias que celebrações da vida. Já alguma vez viram a galeria de horrores que dá pelo nome de Parque dos Poetas, em Oeiras? Pior, só mesmo a dita 'arte moderna' que infesta rotundas, estradas e auto-estradas por esse país fora. Ou ainda a mais recente corrida autárquica das estrelas cadentes do firmamento artístico contemporâneo indígena, como se o que ontem não prestava agora evita um precipitada descida de divisão social.
O insuspeito artista madeirense modelou um flagrante honesto do futebolista mais famoso do país e do mundo. Cristiano é assim, e não como o foto_pintam, nas campanhas da Armani e similares.
É certo que há um Cristiano Ronaldo que faz lembrar Marlon Brando, sobre tudo depois de ter sido encenado e fotografado por Mario Testino, Scott Frances ou Johan Renck, para a capa da Vogue, ou para a roupa interior da Armani. Há em ambos os ícones fisionomias bem desenhadas pelos genes, mais sensuais no olhar de Marlon Brando, mas a que a melhor simetria facial de Cristiano e a sua sobre-exposição mundial como ator e personagem dele próprio confere a sensualidade irresistível da realidade em ação. Quando ri, quando grita, quando chora.
Daqui a confusão de géneros que motivou o tumulto de opiniões. Um tumulto que só aumentou a popularidade do futebolista que hoje dá o seu nome a um importente aeroporto turístico, bem como ao ignorado desempregado que sem o prever saltou do anonimato mais absoluto para as redes sociais, imprensa e televisões de todo o mundo. Terá Emanuel Santos, ao menos, assegurado os seus direitos de autor? É que se o tiver feito, não precisará tão cedo de limpar o chão do Aeroporto Cristiano Ronaldo.