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terça-feira, fevereiro 04, 2025

Casa Manoel de Oliveira muito aquém das expetativas



Mas não há uma Casa de Cinema Manoel de Oliveira? 


Várias capitais por esse mundo fora bem gostariam de homenagear de modo permanente o grande cineasta português. Desde logo, Nova Iorque, Tóquio, ou Lausanne. Por algum motivo Álvaro Siza Vieira deixa apenas parte do seu arquivo em Portugal.

Manuel Casimiro vem aqui defender o legado cinematográfico de Manoel de Oliveira em nome do direito que lhe assiste por vontade expressa do seu Pai, que aceitou cumprir. Conheço-o bem, e tenho ouvido as suas queixas e desilusão relativas à Casa de Cinema Manoel de Oliveira, a  que a Fundação de Serralves não tem dado a atenção e dinamismo que merece e eram esperados. Se a anterior Administração de Serralves ficou aquém das legítimas expectativas de todos, posso deduzir que a situação, com a nova Administração, só poderá piorar.

Não faltam países ricos e cultos prontos a acolher o legado de Manoel Oliveira!

(FR)

Mais n'existe-t-il pas une Maison du Cinéma Manoel de Oliveira ? 

Plusieurs capitales à travers le monde souhaitent rendre un hommage permanent au grand cinéaste portugais. Tout d’abord New York, Tokyo ou Lausanne. Pour une raison quelconque, Álvaro Siza Vieira ne laisse qu'une partie de ses archives au Portugal.

Manuel Casimiro vient ici défendre l'héritage cinématographique de Manoel de Oliveira au nom du droit dont il jouit par la volonté expresse de son Père, qu'il a accepté de respecter. Je le connais bien et j'ai entendu ses plaintes et sa déception concernant la Casa de Cinema Manoel de Oliveira, à laquelle la Fondation Serralves n'a pas accordé l'attention et le dynamisme qu'elle mérite et était attendue. Si l'administration précédente de Serralves n'a pas répondu aux attentes légitimes de tous, je peux en déduire que la situation, avec la nouvelle administration, ne peut qu'empirer.

Les pays riches et instruits ne manquent pas, prêts à accueillir l'héritage de Manoel Oliveira !

(EN)

But isn't there a Manoel de Oliveira House of Cinema? 

Several capitals worldwide wish to pay permanent tribute to the great Portuguese filmmaker: New York, Tokyo or Lausanne. For some reason, Álvaro Siza Vieira only leaves part of his archives in Portugal.

Manuel Casimiro comes here to defend the cinematographic heritage of Manoel de Oliveira in the name of the right he enjoys by the express will of his Father, which he agreed to respect. I know him well and have heard his complaints and disappointment regarding the Casa de Cinema Manoel de Oliveira, which the Serralves Foundation has not given the expected attention and dynamism it deserves. If the previous Serralves administration did not meet everyone's legitimate expectations, the situation with the new administration could only get worse.

There is no shortage of wealthy and educated countries ready to welcome the legacy of Manoel Oliveira!

segunda-feira, abril 03, 2017

O fim da democracia

Manuel Casimiro
Serigrafia, 1972

Imaginação crítica e salvação


Nesta peça de Manuel Casimiro, de 1972 —curiosamente o mesmo ano em que Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers, e William W. Behrens III publicaram The Limits to Growth, e um ano antes da primeira grande crise petrolífera mundial— a metrópole moderna surge simbolicamente descrita como uma arquitetura e uma ideologia consumistas: cada arranha-céus é, nesta representação, uma embalagem do cabaz de compras típico de uma sociedade de consumo.

A intuição crítica do artista não poderia ter sido mais certeira, pois ocorreu naquele já longínquo ano de 1972 o fim da explosão económica que esteve na origem da ilusão do crescimento e da prosperidade perpétuas. A taxa de crescimento demográfico mundial atingira o pico em 1962. Metade das melhores reservas de petróleo americano (o puro e barato sweet crude oil) tinham já sido consumidas em 1970, pelo que seria a partir daquela data necessário poupar o petróleo remanescente e procurar satisfazer as futuras necessidades da voraz economia americana noutras paragens: Canadá, Irão, Iraque, Arábia Saudita, Líbia, Venezuela, Angola, etc. A primeria grande crise do petróleo ocorreria em 1973.

Recall from chapter 15 the four domains that I argued are the sources of deep satisfactions: family, vocation, community, and faith. In each of those domains, responsibility for the desired outcome is inseparable from the satisfaction. 
— in Charles Murray, Coming Apart.

Acabei de ler um livro de Charles Murray, publicado em 2012 sob o título Coming Apart—The State of White America, 1960-2010, onde se demonstra como o início do fim do Sonho Americano se fez acompanhar pelo declínio imparável das tão proclamadas quanto excecionais virtudes fundadoras da América: Industriousness, Honesty, Marriage, Religiosity. Este declínio atingiu sobretudo o que o autor chama new lower class, por oposição à new upper class, onde tais virtudes declinaram menos ou se mantiveram. Hoje existe uma elite económica, financeira e cultural que é sobretudo uma elite cognitiva, que se reproduz nos campus das grandes universidades e se aglomera em manchas urbanas e suburbanas muito bem delimitadas e homogéneas. Murray chama as estas manchas geográficas de poder económico, social e cultural, Super Zips. No extremo oposto desta novidade sociológica cresce a indigência económica, social e cultural, a uma velocidade tal que ameaça hoje claramente a estabilidade política da América—Yuval Noah Arari chama-lhe useless class. O populismo, de que Trump é o mais recente epifenómeno, é a face negra de uma moeda a caminho de uma desvalorização radical.

Quer na América, quer na Europa, este fenómeno alastra e põe em causa a nossa ideia de sociedade justa, e de democracia. Quem não viu até agora o perigo aproximar-se pertence, em geral, aos 1% dessa nova elite cognitiva protegida no interior de bolhas culturais que, mais cedo ou mais tarde, poderão implodir sob a pressão da mole hostil em que as maiorias democráticas se transformaram—deixando de se rever nas instituições políticas tradicionais e na dicotomia feliz esquerda/direita, que percebem como imprestáveis quimeras ou, pior ainda, como origens do mal.

Será que os artistas e os filósofos bem sucedidos serão ainda capazes de promover uma criatividade inclusiva? E se não forem, que poderemos esperar do resto da elite cognitiva: gestores, empresários, economistas, médicos, advogados, biólogos, engenheiros informáticos, funcionários públicos de topo, deputados, produtores, realizadores, atores e atrizes de teatro, cinema e televisão, jornalistas, etc?

Seria trágico continuarmos a meter a cabeça na areia, ou andar de óculos escuros pela vida que se deteriora à nossa volta. Ignorar a doença social que se vai transformando numa pandemia não a extingue. Pelo contrário, permite que se torne cada vez mais incurável e letal.

REFERÊNCIAS


  • Charles Murray. Losing Ground: American Social Policy, 1950–1980, Basic Books, 1984.
  • Charles Murray. The Bell Curve: Intelligence and Class Structure in American Life (with Richard J. Herrnstein), Free Press, 1994.
  • Charles Murray. Coming Apart: The State of White America, 1960–2010, Crown Forum, 2012.
  • David Hackett Fischer. The Great Wave: Price Revolutions and the Rhythm of History, 2000.
  • Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers, e William W. Behrens III. The Limits to Growth, 1972.
  • Jeremy Rifkin. The End of Work: The Decline of the Global Labor Force and the Dawn of the Post-Market Era, 1995.
  • Yuval Noah Arari. Sapiens: A Brief History of Humankind, London: Harvill Secker, 2014.
  • Yuval Noah Arari. Homo Deus: A Brief History of Tomorrow, London: Harvill Secker, 2016.


Atualização: 19 abril 2017 21:32 WET