Fernando Nobre arruma discurso ambíguo de Alegre
Alegre avançou como candidato da sociedade civil. Porque é que não o apoiou?
Fui convidado por três vias para apoiar e integrar a sua comissão de honra. Nomeadamente pelo grupo de Viseu, onde nasceu a candidatura de Alegre. E hoje esse grupo decidiu estar comigo. Nós temos de ser frontais, porque isto de se dizer uma coisa e depois fazer outra é complicado. Não podemos ter um senhor que foi durante 34 anos deputado do PS, foi vice-presidente da AR indicado pelo PS, que pertence a um partido e que, continuando a ser deputado do partido, diga que quer dinamizar um movimento de cidadania. Para ser coerente, só há uma coisa a fazer: entregar o cartão do partido e fazer uma coisa às claras. — in i online (22 de Fevereiro de 2010).
Manuel Alegre desbaratou, como aqui escrevi, o capital de esperança e confiança gerado pela sua primeira e possivelmente última candidatura presidencial. Realizada e bem contra o sequestrado aparelho partidário do PS, com o apoio decisivo de muitos dos verdadeiros militantes, entretanto desiludidos, do Partido Socialista, a candidatura Alegre gerou à época uma enorme expectativa, nomeadamente em volta da possibilidade de a esperada ruptura alegrista poder contribuir rapidamente para uma refundação do espectro partidário e eleitoral da esquerda portuguesa.
A última e fatal indecisão de Manuel Alegre, que definitivamente compromete a esperança de uma renovação, a curto prazo, do campo socialista, foi deixar escorrer pela comunicação social e na blogosfera a ideia de que estaria a negociar o apoio de José Sócrates à sua candidatura presidencial, a troco de um branqueamento intolerável dessa criatura miserável e indigna de qualquer democracia com vergonha, chamada José Sócrates Pinto de Sousa.
Manuel Alegre não é, como esclareceu Fernando Nobre, nem independente, nem muito menos fruto da chamada sociedade civil. Entende-se por sociedade civil, ou terceiro sector, um conjunto disperso, mas cada vez mais numeroso e forte, de personalidades independentes, de associações académicas, profissionais, culturais, económicas, científicas, solidárias, etc., e ainda de organizações não governamentais (ONG) com forte intervenção crítica nas dinâmicas económicas, sociais e políticas das sociedades.
Este novo magma cultural tem vindo a impor a sua presença e influência social, compensando e corrigindo a crescente falência dos sistemas de poder convencionais — os quais, por motivos óbvios, resistem, como podem, a uma morte claramente anunciada. As democracias actuais transformaram-se em democracias populistas. Os partidos convencionais, que sobrevivem desde a sua fundação jacobina, mostram-se cada vez mais incompetentes, oportunistas, predispostos à corrupção, e verdadeiramente inúteis, a não ser para manterem os rituais enganadores da separação de poderes e da representação popular. Ou seja, à medida que o demo-populismo parlamentar entra em irreversível decadência, a sociedade civil, ainda sem ter sido capaz de imaginar um modelo político alternativo, vai-se substituindo à calamitosa incompetência dos Estados, através de uma pragmática pacífica e dispersa de contenção de danos. É neste contexto que uma candidatura presidencial tão clara como aquela que na passada semana surgiu pela voz de Fernando Nobre, poderá revolver todos os cenários pré-presidenciais até ao momento gizados pelos estados-maiores partidários e pelo próprio e actual presidente Aníbal Cavaco Silva!
Alegre e Cavaco arrastam penosamente as asas de dois sonhos sem alma. Gaguejam cada vez mais. Balbuciam enigmas, sem sequer olharem para os fígados das vítimas premonitórias. Afundam-se na lama das suas próprias biografias de cedências e compromissos. São, em suma, empurrados pelos círculos cada vez mais estreitos de criaturas que neles vêem o seu único modo de vida e esperança social. Se sobrar em cada um deles alguma réstea de nobreza, creio que a mesma os levará a desistir de uma ambição que já não é deles, mas das sombras inúteis que os perseguem. Se tal ocorrer, teremos talvez umas eleições presidenciais disputadas entre Fernando Nobre e Marcelo Rebelo de Sousa. Se assim for, votarei no médico e fundador da AMI.
OAM 688 — 22 Fev 2010 17:23