Cultura e património gastronómicos: quem os defende?
Rabanadas e Formigos à moda de Cinfães do Douro. |
OAM
#37
20 Agosto 2004
O movimento Slow Food começou em 1986, em Cuneo, na região do Piemonte (Itália). Chegou a estar na moda durante a década de 90, mas em Portugal mal aflorou.
Os seus pressupostos continuam vivos e talvez valha a pena aplicá-los, com imaginação e alguma disciplina, ao relançamento de um Slow Food Portugal, ou algo semelhante.
Recuerdo
Em 1979 participei num evento artístico em Malpartida de Cáceres, chamado SACOM II, sob a batuta de Wolf Vostell. Um dos momentos desse festival de inspiração neo-Dada chamou-se “Comidas Olvidadas”. Provaram-se petiscos variados e raros (como umas inesquecíveis alheiras de caça e umas morcelas de arroz, preparadas pela já desaparecida Túlia Saldanha).
Este interesse pelas tradições e diversidade gastronómicas é muito antigo. Gostaria de recordar, a este propósito, a importância que tiveram, e porventura ainda têm, entre nós, as Associações de Jantaristas, as Penhas Gastronómicas e os Festivais e Semanas Gastronómicas. Estas práticas, porém, correm o risco de desaparecer sob a pressão das batatas fritas e dos ‘hamburgers’ congelados. A dinâmica perversa dos patrocínios comerciais e do lucro rápido, por outro lado, há muito que ameaçam a integridade das feiras e semanas gastronómicas.
A protecção das tradições e da diversidade dos alimentos, das bebidas e dos pratos regionais Portugueses implica uma tomada de consciência urgente. Só depois, poderemos agir e organizar uma estratégia de salvaguarda destes valores patrimoniais em vias de extinção.
Ameaças
Não são apenas as espécies animais e vegetais que desaparecem a uma velocidade assustadora. A monotonia ruidosa dos McDonald's, dos Kentucky Fried Chiken, das Pizza Hut, das Coca Cola, e quejandos, simbolizam um outro tipo de empobrecimento a que devemos fazer frente: o da extinção da diversidade gastronómica, o do atrofiamento e desaparecimento das comidas tradicionais, o do fim da cultura gastronómica como forma de convivência e hedonismo salutar.
Os processos judiciais e acções de ‘tactical media’ que, à semelhança dos levados a cabo contra as grandes empresas tabaqueiras, começaram agora contra os fabricantes de ‘fast-food’, trazem-nos a esperança de ver o tema da diversidade alimentar na agenda cultural do século 21.
A propaganda negativa contra a falta de cuidado, ou de escrúpulos, dos monopólios da alimentação e das bebidas, está aliás a dar excelentes resultados com o polémico filme de Morgan Spurlock — Super Size Me — sobre os perigos do consumo excessivo de hamburgers (artigo do Guardian).
Antecipando este despertar da consciência alimentar e gastronómica, surgiu em Itália um movimento cujo poder de sedução cultural parece imparável: Slow Food.
Movimento Slow Food: excertos (trad. livre) do sítio Web.
Slow Food, fundada em 1986, é uma organização internacional cujo fim é livrar os prazeres da mesa da homogenização da comida e da vida apressadas. Através de múltiplas iniciativas, este movimento internacional promove a cultura gastronómica, desenvolve a educação do paladar, conserva a biodiversidade agrícola e protege os pratos tradicionais em vias de extinção.
Conta actualmente com 80,000 associados em mais de 100 países.
Patrocinada pelo movimento Slow Food e pela Região da Toscânia, foi entretanto criada a Slow Food Foundation for Biodiversity, dedicada especialmente a apoiar projectos em todo o mundo, com particular incidência nos países menos desenvolvidos, onde a saga da homogeneização industrial, tecnológica e consumista pende como uma ameaça igualmente fatal.
75% da diversidade alimentar Europeia desapareceu desde 1900.
93% da diversidade alimentar Americana desapareceu no mesmo período.
30,000 variedades de vegetais extinguiram-se ao longo do século passado, e mais uma desaparece em cada seis horas que passam.
[fim do texto]