Com vai a nossa partidarite electrónica?
OAM
#39
23 Agosto 2004
Passei a tarde de Domingo a visitar as estratégias Web dos três candidatos à liderança do PS. O resultado foi algo decepcionante. E foi-o por três causas distintas: o das opções informáticas; o da fraca usabilidade e deficiente qualidade da escrita para Web; e o da rarefacção e assimetria dos conteúdos. Esperava que a Web Política surgisse finalmente nesta competição intra-partidária como uma pedrada no charco preguiçoso das nossas práticas eleitorais. Esperava que o exemplo das Presidenciais norte-americanas, actualmente em curso, exercesse maior influência no modo como os três candidatos aderiram à peculiar fricção digital que caracteriza a tecnosfera. Continuo a pensar, apesar do que vi, que o oportunismo enquistado nas articulações aparelhísticas do PS só irá começar a ceder quando as suas óbvias entorses cívicas forem claramente expostas à opinião pública; e quando os eleitores socialistas (os fieis, os estratégicos e os tácticos) começarem a exercer uma influência séria na vida interna do Partido Socialista. O PS, ao contrário do que afirma jacobinamente João Soares, não é nem deve ser um
partido de militantes, mas um
partido de eleitores o que faz toda a diferença! Esperava muito mais pica destes ciber-candidatos. Mas vamos, então, às ditas causas...
Opções informáticas
Neste ponto, as opções não são nada alternativas, nem modernas, à excepção do Blog de Manuel Alegre, feito com o Movable Type e animado por Helena Roseta e José Magalhães, e que poderia, apesar da sua frescura, ter sido menos preguiçoso no desenho e concepção do respectivo template. Na realidade, os três domínios Web usam (na Web de Manuel Alegre) e abusam (nas páginas de José Sócrates e de João Soares) das tecnologias e sobretudo dos pacotes comerciais da Microsoft.
Esta empresa, como todos sabem, tem actualmente um gigantesco processo contra a Comunidade Europeia por causa da Guerra das Patentes em volta da criação computacional e informática. Esta empresa exerce um predomínio comercial absolutamenhte ilegítimo, imoral e inexplicável junto do Estado Português. A famosa fuga de informação sobre as putativa existência de ADM no Iraque, que viria a propiciar o suicídio (ou assassinato) de
David Kelly, teve origem numa fragilidade típica dos produtos Microsoft, neste caso no Word (cujos rascunhos subsistem invisivelmente arquivados no DOC final). Os produtos desta empresa têm, como toda a gente sabe, mais buracos de segurança que um queijo Gruyère. Estados, regiões, cidades, grandes e pequenas empresas, por esse mundo fora, começaram há já algum tempo a declinar os cantos Evangelistas do Sr. Gates. Muitos deles passaram, ou estão em vias de passar, para o outro lado da barricada, na guerra informática em curso entre os defensores do Código Secreto e os defensores do Código Aberto (
Open Source). E o mais importante, no caso que aqui analisamos, é isto: para publicar documentos na Web não se precisa, para nada, das soluções engatadas da Microsoft.
Os resultados de usarem e abusarem do Microsoft Visual Studio estão à vista no modo como, por exemplo, alguns
browsers correntes se recusam a ler os chamados caracteres especiais incluídos nos documentos XML do Sr. Sócrates. Nesta matéria, Senhores candidatos, menos seguidismo, mais contemporaneidade técnica e táctica, e um nadinha de radicalismo, seriam bem-vindos.
Usabilidade e escrita para Web
Ler documentos escritos num livro ou numa revista de papel não é a mesma coisa que ler (e não VER, como aparece anacronicamente no
site de M. Alegre) esses mesmos documentos na Web, numa agenda electrónica, ou num telemóvel. Embora a arrumação de ideias e de conteúdos seja mais cuidada no Sítio de Manuel Alegre que nos outros dois (rarefeita na DOT COM! de José Sócrates, e gongórica na página de João Soares), a verdade é que todos revelam desconhecimento absoluto das noções elementares de comunicação na tecnosfera, a que há muito damos os nomes de USABILIDADE e ESCRITA INTERACTIVA. Assim como estão, os manifestos e as moções não chegam a lado nenhum! E sabem porquê? Em primeiro lugar, porque foram ali enfiados com grande desprezo pela funcionalidade e elegância próprias do HTML, e com um lamentável exibicionismo Microsoftiano (dos pacotes Visual Studio e Word ao insuportável Power Point). Em segundo lugar, porque foram publicados na Web, não para serem lidos, mas para que a gente os imprima e depois leia no intervalo do almoço! Ora não é nada disto que se espera de uma guerra de candidaturas animada na Web. E não sendo animada, não suscitando atenção junto de quem se espera que surta efeito, em primeiro lugar, i.e., os internautas, para que serve? Para inglês ver?
Uma nota ainda sobre os formulários de apoio e votação. Se posso votar consecutivamente num mesmo candidato, aumentando artificiosamente o seu
score (caso patente na página de João Soares), ou se posso inscrever apoios fictícios, inflaccionando alegremente a corte virtual dum candidato (caso patente na página de José Sócrates), então estamos a brincar à Net. E isso é péssimo, tanto para os Digitais que navegam nas suas águas, como para os Analógicos que vierem a saber da marosca.
A possibilidade de rentabilizar politicamente alguma vantagem competitiva, esperável deste
tactical media, parece de momento condenada. Esta perspectiva pouco ou nada afectará a campanha aparelhística de Sócrates. Pouco poderá acrescentar ou diminuir às hipóteses de Soares. Mas, curiosamente, poderá fazer toda a diferença na campanha de Manuel Alegre. Este candidato, tal como antes o malogrado Sousa Franco, caíu bem junto de uma opinião pública farta de jovens ambiciosos sem palavra. Eu compraria um automóvel em segunda mão ao Manuel Alegre. Aos seus rivais, muito provavelmente, não.
Conteúdo
João Soares quer este mundo e o outro; é ligeiro no discurso e ainda mais ligeiro nas ideias; é demasiado reiterativo; exibe um narcisismo em torno da sua pureza partidária que irrita qualquer mortal; afunda-se, resumindo, num demagógico oceano de generalidades. José Sócrates parece uma esfinge! Ele e a sua DOTCOM tiveram uma ideia luminosa: chama-se Plano Tecnológico. E nem mais uma ideiazinha para o debate; nem mais uma elucubração programática, pequenina que fosse, para o País atónito com o seu fantástico Plano Tecnológico. Nada... Sorri como Gioconda e espera que os
aparatchiks façam o resto.
Finalmente, Manuel Alegre: li a sua moção, que deveria ter disponibilizado gratuitamente na Web, usando a sua linguagem própria, ie, o HTML, em vez de nos obrigar a comprar licenças Microsoft para o efeito. Até ao momento, é a única coisa produzida com pés e cabeça para o Congresso do Partido Socialista. Sem entrar na discussão dos temas, a sensação com que fiquei foi de que se trata de uma proposta de trabalho simultaneamente realista, corajosa e imaginativa. Recolhe preocupações actuais de muita gente. Reitera que as coisas não podem continuar como estão. Arrisca soluções. Revela-se combativo. Anuncia uma esperança.
É bem possível que o PS ganhe as próximas eleições, independentemente de quem esteja no comando das suas hostes. Seria uma pena que em vez de uma visão clara a nortear as energias positivas deste País, caíssemos de novo no pântano dos compromissos endogâmicos do
extremo-centrismo. Temos que derrotar a Direita dos interesses. Temos que impedir a reedição do Bloco Central dos interesses. Mas temos, também, que saber evitar a Esquerda dos interesses que também existe...
Precisamos de regras justas, de transparência e de responsabilidade.
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