sexta-feira, outubro 08, 2004

Marcelo 2

Demissão encomendada


Desejo a Marcelo Rebelo de Sousa a inspiração, a força e o apoio de que necessita para tirar todas as conclusões da iniciativa tomada ao responder como respondeu à manobra entrista do PP (consolidada definitivamente a partir do momento em que Santana Lopes e Paulo Portas deram o nó da governação.)


Não sei se a Media Capital anda bem ou não. Mas parece-me que a entrada anunciada da RTL no núcleo duro do negócio de Paes do Amaral prenuncia, no mínimo, alguma ânsia de liquidez, ou de estratégia... Olhando retrospectivamente para a aventura mediática deste empresário mal conhecido, e do obscuro grupo que lidera — a Media Capital [1] —, reparamos que em tempos teve, e depois vendeu, uma porrada de publicações de papel, cuja heroína se chamara, durante uma década, O Independente. Escrevi no Indy mais de 500 críticas de índole sobretudo artística e cultural, sem uma vez sequer pairar sobre o meu laptop a mais leve pressão editorial. Obtive sempre a máxima cooperação e cordialidade do director Paulo Portas (uma figura bem mais complexa do que parece.) Depois, quando menos se esperava, a porrada de revistas esfumou-se na decadência editorial, no colapso do cash flow, e finalmente na cessação informal de contratos e encerramento ou venda das publicações a terceiros. Pouco tempo depois, nascia a nova aventura de Miguel Paes do Amaral: a TVI. O grupo Media Capital, nasceria de jure apenas este ano! Mas sob designação diversa, o grupo de média de Paes do Amaral começou de facto a operar em 1992, adquirindo ou lançando um leque renovado de revistas, estações de rádio e o mais irritante, inútil e boçal projecto Web made in Portugal, chamado IOL. O negócio da publicidade em outdoors (e em indoors!) — uma vergonha nacional e uma deriva da maior estupidez [2] — tornou-se entretanto outra ambicionada galinha dos ovos de ouro para Paes do Amaral.

Se repararmos com atenção, o sucesso deste grupo adveio e advem dos seus directores de conteúdos, em particular de Paulo Portas, quando era director de O Independente, e depois de José Eduardo Moniz, quando assumiu a direcção de programas da TVI. Sem eles, o grupo nunca teria existido, ou esfumar-se-ia rapidamente. O caso da pressão governamental exercida sobre a Media Capital, e que esta, por sua vez, induziu sem demora na direcção de Marcelo Rebelo de Sousa, adquire assim contornos picantes!
Marcelo Rebelo de Sousa, mesmo que esteja a apostar na cisão do PPD/PSD (separando as duas componentes cada vez mais radicalizadas deste mini-bloco central), e por conseguinte, na única condição contitucionalmente válida para a demissão do actual governo e consequente convocação de eleições gerais antecipadas, a verdade é que o desastrado Santana Lopes e a equipa de mentecaptos e acólitos que o rodeia lhe deu completamente o flanco. A verdade é que o actual Governo, pela cabeça do seu Primeiro Ministro (qual Salomé despeitada), veio pedir publicamente e em todos os órgãos de comunicação social, a cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa. Se dúvida houvesse, a Media Capital, através do seu maior accionista, desvaneceu-a, antes mesmo que o comentador tivesse oportunidade de se defender na edição do seu programa previsto para depois de amanhã, e passando indecorasamente por cima do director de programas e principal responsável pelo êxito da TVI, José Eduardo Moniz.
Miguel Sousa Tavares diz que vai falar com José Eduardo Moniz e com Marcelo Rebelo de Sousa, antes de tomar uma decisão pessoal sobre o imbróglio criado. Os jornalistas da TVI fizeram circular um abaixo-assinado exigindo explicações ao principal accionista da empresa. José Eduardo Moniz, ainda em Cannes (creio) proclama que não admite ingerências na programação da TVI, que quer Marcelo Rebelo de Sousa de volta, e que quando chegar a Lisboa vai tirar tudo a limpo... e tirar também as devidas consequências do ocorrido... Numa palavra: o director de programas da TVI tem o preocupado grupo Media Capital e respectivos parceiros presos pelos c...!
Como vai acabar este Big Brother dos poderosos? Tudo depende das reais intenções de Marcelo Rebelo de Sousa, e da maturidade dos militantes do PSD para uma cisão (de resto, inevitável) do PPD, com vista a uma necessária recomposição do espectro partidário português. O País já entrou numa das mais dramáticas décadas da sua história. E como tal, não se compadece nem com o adiamento oportunista da crise do actual sistema político, nem com o prolongamento sofrido da actual situação social. Precisamos todos de falar claro, e de poder experimentar soluções políticas efectivamente alternativas. O Cozido à Portguesa, o Social-Porreirismo, a endogamia cabotina e a chulice comunitária chegaram ao fim. Precisamos todos de trabalhar. E precisamos que o poder caia nas mãos de quem pensa, e não de quem rouba, nada fazendo, ou fazendo tudo mal, o nosso futuro colectivo. Desejo a Marcelo Rebelo de Sousa a inspiração, a força e o apoio de que necessita para tirar todas as conclusões da iniciativa tomada ao responder como respondeu à manobra entrista do PP (consolidada definitivamente a partir do momento em que Santana Lopes e Paulo Portas deram o nó da governação.)

Quanto ao que Moniz irá fazer, ninguém, nem ele, o sabe ainda. Mas uma coisa é certa: se bater com a porta, o grupo Media Capital morrerá e outra televisão, quem sabe, outro grupo mediático, fortemente financiado pelos nossos vizinhos espanhóis, sob a liderança reforçada de José Eduardo Moniz, nascerá, para bem da liberdade e do pluralismo que tanto preocupam este Governo desgraçado.


Notas:
1. Li atentamente o prospecto lançado em Março de 2004 para a mais recente operação de venda de acções da Media Capital, publicado pela CMVM. Fiquei com dúvidas, nomeadamente sobre a particular juventude e carácter enigmático das empresas que formam o grupo:

Accionistas da sociedade Grupo Media Capital,SGPS, S.A.

— Vertix, SGPS, SA, com sede na Rua Silva Carvalho, 347, 1º Dto., Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, pessoa colectiva n.º 503 664 499, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número 6714;
— HMTF Madeira Cayman, L.P., uma sociedade com sede em Cayman Islands, The Huntlaw building, Fort Street, George Town, Grand Cayman, Cayman Islands;
— Hercules Enterprises, Inc, uma sociedade com sede na República do Panamá, Ficha
n.º 336763, Rolo 56674, Imagem 64, Apartado Aéreo no. 614, Panamá 94-A;
— Alvor 2004, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506886379, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
— Heisamore, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506886352, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
— Partrouge, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506886387, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
— Fredter, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506889874, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

............


Os membros do Conselho de Administração da Vertix, SGPS, S.A.:
Presidente: Miguel Maria Sá Paes do Amaral (1)
Vogais: Jared Scott Bluestein (1)
Eduardo Gonzalo Fernandez - Espinar Fernandez (1)
(1) O registo da sua eleição encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

— Os membros do órgão de administração da HMTF Madeira GP Ltd, General Partner da
HMTF Madeira Cayman, L.P.:
Administrador Único: Thomas O. Hicks

— Os membros do órgão de administração da Hercules Enterprises, Inc:
- Rodolfo Ramon Chiari Correa
- Roberto Ramon Aleman Healy
- Alvaro Antonio Aleman Healy.

— Os membros do órgão de administração da Alvor 2004, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

— Os membros do órgão de administração da Partrouge, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

— Os membros do órgão de administração da Fredter, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

— Os membros do órgão de administração da Heisamore, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.


[2] É tempo de a cidadania verberar contra a violentação comercial do espaço público pelos conglomerados de média. Contra toda a legislação sobre segurança, e contra todo o bom senso que deve existir em matéria de salubridade estética do espaço comum, estas ditas empresas de meios não sossegam enquanto não enfiarem a sua repetitiva e quase sempre desmiolada e manipulativa publicidade nos mais ínfimos interstícios da esfera pública, privada e mesmo íntima dos cidadãos. A sociedade consumo acabou e temos que nos preparar para esta realidade... A reconversão ideológica vai ser terrível, mas tem que começar, e quanto mais cedo melhor. Por razões óbvias (a penúria orçamental de governos e municípios), nenhum político se atreve a encarar este problema de frente e com vontade de agir. Tanto faz que venham do PP, como do PPD ou do PS (não é, caro António José Seguro?) Mas o problema tem que começar a ser resolvido, e creio que começará a partir da acção cidadã. São os munícipes, com ou sem apoio das ONGs, que mais cedo ou mais tarde irão reagir contra a presente pornografia publicitária. E quanto mais tarde, pior — claro está.

O-A-M #56 08 Outubro 2004

quinta-feira, outubro 07, 2004

Marcelo 1

Santana e a liberdade de opinião


Se ninguém no interior do PSD tomar a iniciativa de declarar uma cisão ideológica e organizacional da deriva populista e autoritária que tomou conta do partido e da governação, Jorge Sampaio não encontrará motivo suficiente, à luz da actual Constituição, para demitir o actual Governo, dissolver a Assembleia da República e convocar Eleições Legislativas antecipadas.


Eu nunca votei no PPD/PSD. Quando era trotskysta votava na LCI e depois dessa inesquecível aventura juvenil votei consecutivamente no Partido Socialista, mesmo desconfiando frequentemente de alguns dos seus protagonistas. Ora esta circunstância nunca diminuiu o prazer com que sempre escutei e vi o comentário semanal de Marcelo Rebelo de Sousa ao longo dos últimos quatro anos e meio.
Todos conhecíamos o seu credo político e religioso, todos sabíamos por que clube de futebol torcia, mas precisamente por serem transparentes as suas convicções, mais valor adquiriam semanalmente os seus exercícios críticos sobre a situação do País. Fino na observação, arguto nos argumentos, claro nas palavras e sibilino quanto baste nas estocadas que regularmente enfiava nas suas vítimas circunstanciais, o comentário do “Professor Marcelo” chegava a milhões de Portugueses como um breve mas verdadeiro acto de consciência sobre a nossa condição colectiva. Mesmo quando percebíamos que tomava de ponta algum político em particular, aquele sermão de Domingo era um verdadeiro tónico para o começo de cada semana de trabalho. A sua voz valia mais do que o latim farisaico de toda a corja de cortesãos que louvam chefias, traficam influências e acautelam reformas. A isenção de Marcelo Rebelo de Sousa é sobretudo uma isenção autoral, baseada no respeito intrínseco da lógica dos argumentos e na ética dos factos a que se aplicam. Num País democrático e livre, o contraditório a exercer sobre as opiniões que expendia sempre teve (e terá!) o seu lugar próprio. Esse lugar chama-se liberdade de opinião e de imprensa. Não se chama tempo de antena governamental ou para-governamental, nem arreganhar o dente do autoritarismo, como sucedeu com o recado que Santana Lopes encomendou a Paes do Amaral e ao seu Ministro dos Assuntos Parlamentares (cujo nome desconheço, e não pretendo recordar).

Para saber o que está por detrás da pressão intolerável exercida pelo enigmático e pardo Sr. Paes do Amaral sobre Marcelo Rebelo de Sousa (uma pressão aliás ilegítima, ilegal e suficiente para retirar ao Sr Paes do Amaral a faculdade de empresariar negócios de comunicação) recomendo que se siga a pista do dinheiro. Como sempre sucede nestes casos de promiscuidade entre governantes e empresários, o segredo está quase sempre aí. Por exemplo, não é verdade que a Media Capital se encontra neste momento no meio de uma operação com o Metro de Lisboa, cujo fim é alastrar mais ainda a nódoa da publicidade que encharca o quotidiano de todos nós? Não se esperaria, ao invés, que o Metro de Lisboa, equilibrasse o uso de um espaço público exclusivamente pago com os impostos dos Portugueses e com Fundos Comunitários (igualmente pagos com os impostos de todos os Europeus) entre zonas reservadas à publicidade comercial e zonas reservadas a suportes de comunicação comunitária (por exemplo, de associações do pequeno comércio tradicional, Câmara Municipal de Lisboa, Associações Culturais da Cidade, Organizações Não Governamentais, etc.)? E já agora, pode o Metro de Lisboa negociar, sem recorrer a consulta pública, a cedência do espaço que ocupa (mas não é seu) a uma qualquer empresa com que resolva privilegiar relações de interesse? E se pode, deveria poder?

O caso da censura a Marcelo Rebelo de Sousa releva, todavia, de uma guerra mais profunda e que pode rebentar a qualquer momento. Trata-se do futuro do actual PPD/PSD. O Cavalo de Tróia chamado Paulo Portas encontra-se bem aninhado no âmago do velho Partido fundado, entre outros, por Francisco Sá Carneiro e Pinto Balsemão. Paulo Portas, depois de já ter atrelado o futuro político de Santana Lopes ao seu próprio calendário desconstrutivo, sabe que se for a eleições sózinho mostrará ao mundo que o seu PP, na realidade, não existe (e que portanto não passa dum parasita do PSD). Assim sendo, Paulo Portas tem que gizar um de dois cenários até 2006: ou garantir que o PP vai coligado com o PSD às próximas Legislativas, ou provocar a aparição de uma nova força partidária, sempre depois do prazo legal de dissolução da Assembleia da República, mas a tempo de constituir uma nova força partidária com capacidade de triplicar o ridículo score eleitoral do PP. Num caso e noutro, a sensibilidade social-democrata mais genuína do PPD/PSD está tramada!

Creio que é esta realidade profunda que, em última análise, explica a reacção de Marcelo Rebelo de Sousa, e as reacções solidárias para com ele de Marques Mendes e Pacheco Pereira. Não se pode fingir por muito mais tempo o facto de que a aliança entre Santana Lopes e Paulo Portas visa redefinir profundamente o actual espectro partidário. Ou muito me engano, ou teremos dois novos partidos nas eleições de 2006: o PSD, por um lado, liderado por Marques Mendes; e o PPD, por outro, com Paulo Portas na respectiva liderança (e Santana Lopes na corrida para a Presidência da República). Vai ser uma balbúrdia? Pois vai! Mas há alternativa? Não creio. As cartas deste jogo já foram jogadas...

Finalmente. como irá agir o PR?
Se ninguém no interior do PSD, tomar a iniciativa de declarar uma cisão ideológica e organizacional da deriva populista e autoritária que tomou conta do partido e da governação por efeito da sólida ligadura estabelecida entre Santana Lopes e Paulo Portas, separando assim o PSD do PPD, através de um Congresso fundacional que crie um novo Partido, Jorge Sampaio não encontrará motivo suficiente, à luz da actual Constituição, para demitir o actual Governo, dissolver a Assembleia da República e convocar Eleições Legislativas antecipadas.

Eu diria, portanto, que o futuro está nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Pacheco Pereira, em suma, de todos os verdadeiros social-democratas do partido que Pedro Santana Lopes herdou sem nenhuma legitimidade.

O-A-M #55 07 Outubro 2004

domingo, outubro 03, 2004

Socrates 4

John F. Kennedy

A sombra de Kennedy?


Aparentemente temos o PS de volta.
Em primeiro lugar, porque o Congresso marcou um ponto de viragem nos hábitos de opacidade das múltiplas organizações da nossa democracia. Não apenas o PSD e o PP, mas também o Bloco de Esquerda e o PC, a CGTP e a UGT, as associações profissionais e as ditas organizações não governamentais, a partir de agora, terão que pensar muito seriamente no refrescamento dos esquemas de escolha e validação daqueles que em seu nome falam e decidem. Este foi sobretudo o mérito da mediatização da campanha eleitoral que precedeu o Congresso, e da emergência de uma verdadeira ala esquerda dentro do PS, protagonizada por Manuel Alegre.
Em segundo lugar, porque o tele-ponto que guiou as intervenções de José Sócrates permitiu emitir para todos nós um conjunto de mensagens meticulosamente estudadas. E estudadas, não para ecoarem como simples efeitos de retórica populista (à maneira de tudo o que Santana Lopes diz e desdiz), mas para perdurarem como pistas de um ideário de acção e de governo em plena formação. O PS de José Sócrates quer retomar o caminho prudente de António Guterres, mas ambiciona aprofundar um contrato político sério com os mais atentos da nossa sociedade, propondo, por assim dizer, uma exigente partilha de responsabilidades. A tal chamou “Novas Fronteiras”: Conhecimento, Tecnologia, Decisão, Competitividade, Ambiente. Faltou apenas um tema crucial: Sustentabilidade...
Em terceiro lugar, porque a esmagadora maioria obtida por José Sócrates (que não retira nenhuma importância, antes pelo contrário, ao peso político daqueles que se reuniram em volta de Manuel Alegre), lhe permitirá congregar o PS nas principais batalhas eleitorais que se avizinham, as quais, se correrem bem, poderão garantir o regresso do Partido Socialista ao Governo já em 2006.
Até aqui, tudo bem...
Falta agora descortinar o enigma da convocação dos mortos!

José Sócrates resolveu chamar John F. Kennedy do além, ao que parece, para patrocinar o “new deal” que pretende propor, desde já, aos Portugueses. Longe vá o agoiro! E Porquê? Porque Kennedy, e todos os que antes e depois dele tentaram recuperar o famoso New Deal de Franklin Roosevelt, falharam! Kennedy, que se propôs levar os norte-americanos até uma New Frontier (que Eisenhower, antes dele anunciara, e não conseguiu alcançar), apenas atingiu um dos objectivos desse seu famoso programa: ultrapassar a União Soviética na corrida espacial. Todos os restantes objectivos, de natureza sobretudo social e económica, falharam! Como falharam mais tarde os programas semelhantes ao New Deal, de Lyndon B. Johnson (a Great Society) e de Bill Clinton (o New Covenant).
A receita Keynesiana de Roosevelt para a primeira Grande Recessão que atingiu os Estados Unidos em 1929 acabaria por dar excelentes resultados, quer nos cuidados intensivos prestados a uma economia e a uma sociedade apanhada pela espiral negra das falências empresariais e do desemprego, quer na aura imensa deixada pelo New Deal na História do Capitalismo do século 20. A verdade, porém, é que a mesma receita parece impossível de aplicar nas sociedades capitalistas actuais, por um conjunto de razões basicamente dependentes de três gandes fenómenos implosivos:
— a crise energética mundial (que nada parece ser capaz de inverter);
— a crise ecológica global provocada, entre outros factores, pelo aquecimento do planeta, pela falta de água, pela destruição das florestas e pela contaminação dos mares e grandes lagos;
— a reificação financeira do sistema económico mundial, cujos processos de globalização impedem qualquer eficácia duradoura nas políticas económicas nacionais, ou mesmo regionais (Comunidade Europeia, etc.)

O que é que nós podemos fazer por Portugal? O que é que todos poderão fazer pelo mundo? — perguntam os espíritos angustiados de hoje. Bom, algo mais do muito que se fez no tempo de Roosevelt, e certamente muitíssimo mais do que foi feito durante a breve e trágica passagem do jovem Kennedy pela Casa Branca. A evocação de Sócrates evidencia, todavia, uma preocupação profunda. Será seguramente precisa muita imaginação, muito estudo e muitíssima coragem para definir a estratégia de eutanásia que teremos necessariamente que administrar à exangue Sociedade de Consumo. Resta saber se o novo candidato a Primeiro-Ministro conseguirá galvanizar a sociedade para a penosa tarefa de abrir os olhos para a realidade que nos espera. Lembrem-se só que a carnificina do Iraque e do Médio Oriente é apenas o começo de uma luta fratricida por um recurso energético sem o qual ainda ninguém sabe como sobreviver: o petróleo.

O-A-M #54 03 Outubro 2004

Livros escolares

Deputados, professores, editores e sindicalistas (apenas parte deles, claro) instalaram no País uma rede de cumplicidades altamente duvidosa, cujo resultado é o inacreditável negócio dos livros escolares. Cada escola decide como quer os livros que impõe aos seus alunos. Os livros, por sua vez, são “actualizados” praticamente todos os anos. Como se não bastassem estes manuais, os empresários do sector (os editores) inventaram e convenceram os profs que seria muito interessante juntar aos ditos, uns cadernozitos de exercícios, e fazer uns lindos pacotes (“bundles”, como dizem os anglo-saxões), de que os pais não conseguem safar-se, mesmo que achem tais apêndices um substituto indecente da própria actividade esperada dos docentes. Como o peso dos custos assumidos pelas famílias com este negócio indecente não pára de crescer, os generosos bancos deste País matraqueiam os média com publicidade enganosa sobre a solução milagrosa dos seus créditos à compra de livros escolares — compre agora, e pague depois! Concluindo: o negócio do livro escolar, tal como está, precisa urgentemente de ser objecto de um inquérito implacável, pois tudo leva a crer que o mesmo se transformou nos últimos anos (com o beneplácito do PS e do PSD) numa ilegítima, irracional, inadmissível, escandalosa e pouco menos que mafiosa actividade. O País é pobre, os políticos são os primeiros a sabê-lo, e alguém anda a roubar as famílias portuguesas à pala do direito à educação!

Se há um ensino obrigatório, universal e gratuito para os primeiros doze anos de vida de cada cidadão, é óbvio que tal gratuitidade deve abranger os manuais escolares, e assim sendo, a produção destes e a sua utilização devem obedecer a uma gestão de recursos inteligente e rigorosa. Isto significa, por exemplo, que para cada disciplina devrá haver apenas um ou dois modelos disponíveis, sendo que ambos terão que obedecer aos conteúdos pedagógicos e respectiva metodologia expositiva decididos em sede governamental (seja esta o Ministério da Educação, ou outra instância reguladora, por exemplo, um Conselho Nacional de Educação, onde tenham assento as várias partes envolvidas no préstimo e recepção do bem educativo). A actualização objectiva das matérias pedagógicas a transmitir aos alunos deve ser produzida com conta, peso e medida, e sobretudo com um enorme sentido de responsabilidade científica, pedagógica e orçamental. Como pode aliás ser doutra maneira, quando todos os exames de fim de curso, ou ainda de acesso a graus subsequentes de ensino, são, como devem ser, exames nacionais? Como pode co-existir a actual bandalheira dos manuais escolares com a norma dos exames nacionais?! Cheira demais a negócio sórdido e a cumplicidade de interesses, para que não se exija de imediato a mudança radical do actual regime.
Para os que argumentam contra a gratuitidade dos livros escolares necessários ao cumprimento da escolaridade obrigatória, com base no peso desta medida no OGE, a resposta é simples: se o ensino é obrigatório, por fazer parte de uma assunção constitucional, e sobretudo estratégica, da nossa identidade cultural, então as ferramentas básicas do mesmo devem ser facultadas gratuitamente. Refiro-me, naturalmente, aos livros escolares, ao transporte escolar, ao desporto e outras actividades extra-curriculares realizadas no interior do recinto escolar e ainda aos apoios pedagógicos especiais. Tudo isto é óbvio, mas não necessariamente insuportável em termos orçamentais. Um exemplo: já alguém pensou na poupança que poderíamos ganhar imediatamente com a distribuição gratuita dos manuais escolares se os mesmos fossem distribuidos via Internet, em formato PDF, deixando-se aos alunos a opção de imprimir ou não, em cada momento, as páginas necessárias ao seu trabalho?

Pois aqui está uma “nova fronteira” a ultrapassar pelas novas energias convocadas por José Sócrates.

O-A-M #53 03 Outubro 2004

Expresso contra informa

o Gato, o Rato e o fim do extremo-centrismo


A actual maioria tinha um pequeno problema mediático de fim-de-semana: o congresso do Partido Socialista.
A abertura do conclave dera o tom, e o tom não era nada bonito para a actual coligação ilegítima que cavalga o País. Havia, por conseguinte, que roubar a cacha ao PS nos principais mass media dos indígenas. E assim se fez, sob a batuta do mais descafeínado dos pasquins oficiais: o Expresso.
Paulo Portas e Santana Lopes, ou alguém solícito por ambos, encarregou-se de deixar cair a dica num bitoque do Snob. A nódoa alastrou até Paço d'Arcos, e ei-la replicando-se e triplicando-se por tudo quanto é câmara mediática da mais imbecil imprensa do mundo. Como a coisa não tinha nenhum fundamento, a não ser o da necessidade de esfregar as nossas trombinhas atávicas com um pouco de emoção cor-de-rosa, e roubar espaço e tempo à pedrada no charco atirada pelo actual congresso do PS, logo chegaram os desmentidos da praxe. Enfim, somos todos parvos, não é verdade?
Mas já agora... duas ideias para treinar a mioleira embatucada de muitos de nós.
Ao contrário do que o toque a reunir da burocracia do PS tenta fazer crer, a verdade é que o PS extremo-centrista morreu. E morreu pela mesma razão que o Soarismo morreu: o Muro de Berlim caíu em 1989 e já não há fundos comunitários para alimentar a endogamia, o cabotinismo e a irresponsabilidade que imperaram nesta praia Lusitana ao longo dos últimos vinte anos. Como se isto não bastasse, não há nem vai haver nenhuma retoma da economia mundial nos tempos mais próximos, e quando ela vier, se vier, será uma retoma anémica e passageira (como as muitas recentemente anunciadas). Em suma, o desastre do Iraque e o modo como o Ocidente enfeudado a Bush pretende enfrentar o tema do Terrorismo (podemos lançar a ARTE CONTRA O TERRORISMO, mas não podemos lançar e propagandear uma GUERRA CONTRA O TERRORISMO), apenas irá piorar os cenários já de si muito graves da crise energética, ecológica e humanitária em que estamos metidos até ao pescoço. Abreviando razões, o PS só pode mesmo caminhar num sentido: o da defesa inteligente dos mais fracos, que em breve serão milhões, e o da defesa de uma reimposição estratégica do Estado no jogo das necessidades e das vontades do conjunto da população que aqui vive, trabalha, ou simplesmente sobrevive. Resta apenas saber se esta viragem do PS para a realidade será operada por Sócrates, ou directamente por Guterres (cujo silêncio parece augurar um exercício de penitência e humildade genuíno...) Cá estaremos para dar uma ajudinha! Preconceitos para trás! Precisamos de um pragmatismo de tipo novo, i.e de emergência.

Por outro lado, na banda direitinha do espectro partidário, o panorama caminha na direcção diametralmente oposta: quando o centro eleitoral estoirar, o PP sairá finalmente do interior do seu cavalo de Tróia (i.e. a coligação governamental, sabiamente cavalgada por Paulo Portas) para fundar um novo Partido, verdadeiramente populista e verdadeiramente de direita. O PSD já começou o seu processo de desagregação, sob o impacto insistente do núcelo duro do PP, extraordinariamente potenciado e acelerado pela inépcia caricata de Santana Lopes — esse génio de telenovela que os jornalistas da nossa imprensa tradicional tanto adoram e adulam. Paulo Portas tem-no efectivamente agarrado pelos c... Nada separará, tão cedo, estes siameses. Salvo Jorge Sampaio, se deixar de ser o verbo de encher que tem sido ultimamente e, por uma vez, assumir as suas responsabilidades institucionais com inteligência histórica. Só nessa eventualidade improvável, os planos de Portas sofreriam algum atraso. Até lá, o Paulinho continuará a brincar com o Pedrinho, como os gatos brincam com os ratos... antes de os comerem.

O-A-M # 52 03 Outubro 2004

sábado, outubro 02, 2004

Professores mal colocados

Trapalhada electrónica


Parece que quem realmente resolveu o bug (infiltrado?) no programa de colocação de professores não foi nada a ATX, mas três crackers de uma Direcção-Geral do Ministério da Educação do Norte. Resolveram o problema em três dias, e não em meia hora (!), mas, para não enredar mais a Ministra nos seus “pecebe?” optou-se por premiar uma empresa privada desconhecida pelo feito, não fosse a Comunicação Social agarrar-se com unhas e dentes às canelas dos pobres tarefeiros que, pelos vistos, o Estado tem ao seu serviço — e resolveram o essencial do problema. A dita ATX menciona um único cliente no seu portfolio: o Banco Espírito Santo.

Se repararem no texto publicado pela ATX sobre assunto, notar-se-à uma curiosa ambiguidade no mesmo:

“ A ATX congratula-se por ter contribuído para a resolução do problema da colocação de professores do Ministério da Educação que afectou a normal abertura do ano lectivo.
Contactada pelo ME para avaliar o problema, a ATX desenvolveu um novo algoritmo e implementação para o processo de colocação, reduzindo consideravelmente o tempo do cálculo.
Este resultado foi também possível devido à estreita colaboração com os serviços do Ministério e da sua equipa informática.
A ATX agradece igualmente à Microsoft e HP a instalação e disponibilização do hardware envolvido no processo. ”


Seria bom que esta aparente fuga de informação desse lugar a mais e melhores informações...

- O-A-M #51 01 Outubro 2004

sexta-feira, outubro 01, 2004

PT Wireless carissima

Dizem eles: 0,1 Euros/ min...
Digo eu: 6 Euros/hora (ou seja 1 conto e duzentos dos antigos!)

GRANDE ROUBALHEIRA !!!!!!

Além do mais, o principal objectivo desta gentinha é claro:
ocupar ilicitamente o espaço virtual disponível, que é e deve continuar a ser um bem comum,
com apoio sonambulista (ou declaradamente corrompido) daqueles que elegemos para nos Governar .

Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Associações Culturais e Desportivas, Organizações Não Governamentais, pequenos negócios e pequenas empresas privadas, empresários inteligentes, desencadeiem um movimento alternativo a esta roubalheira organizada pelos novos carteis emergentes! Os carteis que os precederam tomaram conta do mundo físico e deram cabo dele. Os novos carteis preparam-se para usurpar literalmente todos os canais de comunicação entre humanos, para melhor ajudarem os carteis anteriores nas macabras façanhas em que estão envolvidos e nas que virão a estar no futuro.

Hackers de todo o mundo, uni-vos!

Warchalking total contra quem não nos quer bem e pretende assenhorear-se do que não é seu!

Ponhamos os nossos próprios hotspots ao serviço da comunidade, sem medo dos tão propalados abusos.

COMO?
Muito simples:
1) criem, discutindo sempre as melhores condições de tecnologia e preço, os v/ próprios Hot Spots (zonas de acesso wireless).
2) Disponibilizem gratuitamente os vosso Hot Spots à comunidade que vos rodeia.

Temos que impedir que os Senhores da Economia Global (e da nossa desgraça colectiva) tomem conta do território virtual, de todos os canais do espectro radioelectrico e dos nós da rede Internet, para impor a sua avarícia e todo o lixo mediático com que já hoje encharcam o nosso quotidiano — nas televisões, nas ruas, nos passeios, nos jardins, no metropolitano, nas estradas e nas auto-estradas, nos telemóveis..., sem que ninguém se levante e diga:

BASTA DE BIG BROTHER!
BASTA DE FASCISMO MEDIÁTICO!


Estamos diante dum desafio muito sério. Temos que lhe fazer frente com determinação e génio.
Trata-se de uma luta crucial pela defesa da liberdade e da democracia.

Portugueses, acordem!

Divulga este manifesto contra a cartelização do espaço comunicacional.

- O-A-M #50 01 Outubro 2004