Demissão encomendada
Desejo a Marcelo Rebelo de Sousa a inspiração, a força e o apoio de que necessita para tirar todas as conclusões da iniciativa tomada ao responder como respondeu à manobra entrista do PP (consolidada definitivamente a partir do momento em que Santana Lopes e Paulo Portas deram o nó da governação.)
Não sei se a Media Capital anda bem ou não. Mas parece-me que a entrada anunciada da RTL no núcleo duro do negócio de Paes do Amaral prenuncia, no mínimo, alguma ânsia de liquidez, ou de estratégia... Olhando retrospectivamente para a aventura mediática deste empresário mal conhecido, e do obscuro grupo que lidera a Media Capital [1] , reparamos que em tempos teve, e depois vendeu, uma porrada de publicações de papel, cuja heroína se chamara, durante uma década, O Independente. Escrevi no Indy mais de 500 críticas de índole sobretudo artística e cultural, sem uma vez sequer pairar sobre o meu laptop a mais leve pressão editorial. Obtive sempre a máxima cooperação e cordialidade do director Paulo Portas (uma figura bem mais complexa do que parece.) Depois, quando menos se esperava, a porrada de revistas esfumou-se na decadência editorial, no colapso do cash flow, e finalmente na cessação informal de contratos e encerramento ou venda das publicações a terceiros. Pouco tempo depois, nascia a nova aventura de Miguel Paes do Amaral: a TVI. O grupo Media Capital, nasceria de jure apenas este ano! Mas sob designação diversa, o grupo de média de Paes do Amaral começou de facto a operar em 1992, adquirindo ou lançando um leque renovado de revistas, estações de rádio e o mais irritante, inútil e boçal projecto Web made in Portugal, chamado IOL. O negócio da publicidade em outdoors (e em indoors!) uma vergonha nacional e uma deriva da maior estupidez [2] tornou-se entretanto outra ambicionada galinha dos ovos de ouro para Paes do Amaral.
Se repararmos com atenção, o sucesso deste grupo adveio e advem dos seus directores de conteúdos, em particular de Paulo Portas, quando era director de O Independente, e depois de José Eduardo Moniz, quando assumiu a direcção de programas da TVI. Sem eles, o grupo nunca teria existido, ou esfumar-se-ia rapidamente. O caso da pressão governamental exercida sobre a Media Capital, e que esta, por sua vez, induziu sem demora na direcção de Marcelo Rebelo de Sousa, adquire assim contornos picantes!
Marcelo Rebelo de Sousa, mesmo que esteja a apostar na cisão do PPD/PSD (separando as duas componentes cada vez mais radicalizadas deste mini-bloco central), e por conseguinte, na única condição contitucionalmente válida para a demissão do actual governo e consequente convocação de eleições gerais antecipadas, a verdade é que o desastrado Santana Lopes e a equipa de mentecaptos e acólitos que o rodeia lhe deu completamente o flanco. A verdade é que o actual Governo, pela cabeça do seu Primeiro Ministro (qual Salomé despeitada), veio pedir publicamente e em todos os órgãos de comunicação social, a cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa. Se dúvida houvesse, a Media Capital, através do seu maior accionista, desvaneceu-a, antes mesmo que o comentador tivesse oportunidade de se defender na edição do seu programa previsto para depois de amanhã, e passando indecorasamente por cima do director de programas e principal responsável pelo êxito da TVI, José Eduardo Moniz.
Miguel Sousa Tavares diz que vai falar com José Eduardo Moniz e com Marcelo Rebelo de Sousa, antes de tomar uma decisão pessoal sobre o imbróglio criado. Os jornalistas da TVI fizeram circular um abaixo-assinado exigindo explicações ao principal accionista da empresa. José Eduardo Moniz, ainda em Cannes (creio) proclama que não admite ingerências na programação da TVI, que quer Marcelo Rebelo de Sousa de volta, e que quando chegar a Lisboa vai tirar tudo a limpo... e tirar também as devidas consequências do ocorrido... Numa palavra: o director de programas da TVI tem o preocupado grupo Media Capital e respectivos parceiros presos pelos c...!
Como vai acabar este Big Brother dos poderosos? Tudo depende das reais intenções de Marcelo Rebelo de Sousa, e da maturidade dos militantes do PSD para uma cisão (de resto, inevitável) do PPD, com vista a uma necessária recomposição do espectro partidário português. O País já entrou numa das mais dramáticas décadas da sua história. E como tal, não se compadece nem com o adiamento oportunista da crise do actual sistema político, nem com o prolongamento sofrido da actual situação social. Precisamos todos de falar claro, e de poder experimentar soluções políticas efectivamente alternativas. O Cozido à Portguesa, o Social-Porreirismo, a endogamia cabotina e a chulice comunitária chegaram ao fim. Precisamos todos de trabalhar. E precisamos que o poder caia nas mãos de quem pensa, e não de quem rouba, nada fazendo, ou fazendo tudo mal, o nosso futuro colectivo. Desejo a Marcelo Rebelo de Sousa a inspiração, a força e o apoio de que necessita para tirar todas as conclusões da iniciativa tomada ao responder como respondeu à manobra entrista do PP (consolidada definitivamente a partir do momento em que Santana Lopes e Paulo Portas deram o nó da governação.)
Quanto ao que Moniz irá fazer, ninguém, nem ele, o sabe ainda. Mas uma coisa é certa: se bater com a porta, o grupo Media Capital morrerá e outra televisão, quem sabe, outro grupo mediático, fortemente financiado pelos nossos vizinhos espanhóis, sob a liderança reforçada de José Eduardo Moniz, nascerá, para bem da liberdade e do pluralismo que tanto preocupam este Governo desgraçado.
Notas:
1. Li atentamente o prospecto lançado em Março de 2004 para a mais recente operação de venda de acções da Media Capital, publicado pela CMVM. Fiquei com dúvidas, nomeadamente sobre a particular juventude e carácter enigmático das empresas que formam o grupo:
Accionistas da sociedade Grupo Media Capital,SGPS, S.A.
Vertix, SGPS, SA, com sede na Rua Silva Carvalho, 347, 1º Dto., Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, pessoa colectiva n.º 503 664 499, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número 6714;
HMTF Madeira Cayman, L.P., uma sociedade com sede em Cayman Islands, The Huntlaw building, Fort Street, George Town, Grand Cayman, Cayman Islands;
Hercules Enterprises, Inc, uma sociedade com sede na República do Panamá, Ficha
n.º 336763, Rolo 56674, Imagem 64, Apartado Aéreo no. 614, Panamá 94-A;
Alvor 2004, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506886379, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
Heisamore, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506886352, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
Partrouge, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506886387, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
Fredter, SGPS, S.A., com sede na Rua da Páscoa, n.º 62 ? B, Lisboa, com o capital social de 50.000 Euros, dos quais 15.000 Euros se encontram realizados, pessoa colectiva n.º P-506889874, que se encontra em processo de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
............
Os membros do Conselho de Administração da Vertix, SGPS, S.A.:
Presidente: Miguel Maria Sá Paes do Amaral (1)
Vogais: Jared Scott Bluestein (1)
Eduardo Gonzalo Fernandez - Espinar Fernandez (1)
(1) O registo da sua eleição encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
Os membros do órgão de administração da HMTF Madeira GP Ltd, General Partner da
HMTF Madeira Cayman, L.P.:
Administrador Único: Thomas O. Hicks
Os membros do órgão de administração da Hercules Enterprises, Inc:
- Rodolfo Ramon Chiari Correa
- Roberto Ramon Aleman Healy
- Alvaro Antonio Aleman Healy.
Os membros do órgão de administração da Alvor 2004, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
Os membros do órgão de administração da Partrouge, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
Os membros do órgão de administração da Fredter, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
Os membros do órgão de administração da Heisamore, SGPS, S.A.:
Administrador Único: José Firmino Vieira de Meirelles Corte-Real (1)
(1) O registo da sua nomeação encontra-se pendente na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
[2] É tempo de a cidadania verberar contra a violentação comercial do espaço público pelos conglomerados de média. Contra toda a legislação sobre segurança, e contra todo o bom senso que deve existir em matéria de salubridade estética do espaço comum, estas ditas empresas de meios não sossegam enquanto não enfiarem a sua repetitiva e quase sempre desmiolada e manipulativa publicidade nos mais ínfimos interstícios da esfera pública, privada e mesmo íntima dos cidadãos. A sociedade consumo acabou e temos que nos preparar para esta realidade... A reconversão ideológica vai ser terrível, mas tem que começar, e quanto mais cedo melhor. Por razões óbvias (a penúria orçamental de governos e municípios), nenhum político se atreve a encarar este problema de frente e com vontade de agir. Tanto faz que venham do PP, como do PPD ou do PS (não é, caro António José Seguro?) Mas o problema tem que começar a ser resolvido, e creio que começará a partir da acção cidadã. São os munícipes, com ou sem apoio das ONGs, que mais cedo ou mais tarde irão reagir contra a presente pornografia publicitária. E quanto mais tarde, pior claro está.
O-A-M #56 08 Outubro 2004