Praia de Carcavelos: arrastão ou provocação policial?
Enquanto António Costa dormitava ao som melodramático do bardo presidencial, uma multidão de pretos, negros, ou afro-lusófonos (1), com idades entre os 16 e os 20 anos, presumivelmente oriundos de bairros inumanos da periferia lisboeta (Amadora, Sintra, Cascais, etc.), desencadearam uma onda de assaltos, agressões e pânico entre os banhistas brancos que gozavam umas horas de Sol e mar na minha praia de sempre: Carcavelos. O número de atacantes estimou-se nas centenas e actuaram impunemente entre as 15 e as 18 horas, em toda a extensão da praia, continuando posteriormente a sua acção predadora pela Av. Jorge V, estação de Carcavelos e comboios. Os revoltados eram, como disse, negros e jovens. Os atacados foram, como disse, brancos de todos os matizes, tendo o incidente tido início num ataque violento contra um cidadão ucraniano. Estes são os factos e não vale a pena disfarçá-los com retóricas politicamente correctas que apenas revelam tibieza, cobardia e hipocrisia intelectual.
Esta cópia do modelo brasileiro conhecido por arrastão, pelo número e grau de organização, coloca-nos diante de um problema muito sério, que as agências de turismo internacionais não deixarão de explorar, e que merece ser discutido publicamente. Foi ou não o ataque desferido na praia de Carcavelos uma manifestação de ódio racista? Foi ou não o arrastão de Carcavelos resultado de uma operação meticulosamente preparada, e neste caso, como podemos analisar a completa inabilidade preventiva da polícia? (2) Estamos ou não a assistir ao início de uma guerra civil atomizada, fruto de uma política de imigração oportunista e irresponsável, cujos patamares de agressividade poderão escalar bem mais cedo do que alguns gostariam de prever? E se amanhã surgir um verdadeiro líder de extrema-direita a reclamar uma resposta olho por olho, dente por dente, de quem é a culpa?
Numa situação de crise económica, liberalismo selvagem e desemprego sistémico, as primeiras vítimas da miséria e da humilhação social e cultural tendem a ser todas as minorias étnicas que o poder político foi deixando entrar no País sem uma verdadeira estratégia de contingentação, acolhimento e protecção. Isto é, as minorias oriundas de África, da América Latina (sobretudo brasileiros) e da Europa de Leste. O liricoidismo ideológico que imputa aos portugueses uma natural ausência de preconceitos racistas não passa disso mesmo: de uma mentira piedosa. Se há pão para todos, Afonso de Albuquerque e o Catolicismo, sobretudo por razões tácticas, ensinaram-nos a ser tolerantes, e não claramente segregacionistas, com as demais raças. Todavia, quando faltam o emprego, tecto, o pão, os snickers da Nike ou o telemóvel de última geração, as coisas podem mudar rapidamente de figura! Se ainda por cima empurrarmos as várias minorias para ilhas étnicas de matiz concentracionário (o caso da Cova da Moura é a este título exemplar), então estaremos mesmo a preparar um caldo de cultura inevitavelmente explosivo.
No caso que nos toca, a rebelião não nasce de uma radicalização religiosa da humilhação social prolongada que, por exemplo, na Alemanha, França, Holanda ou Reino Unido, tem sido imposta às minorias turcas, argelinas e asiáticas que nesses países há décadas fazem os trabalhos mais duros ou rotineiros que os indígenas educados desses paraísos civilizacionais se recusam a fazer. Em Portugal, onde a maioria dos imigrantes é felizmente católica, o problema é outro. Se não houver uma acção inteligente e sistemática do Estado e dos governos face ao problema, sul-americanos, africanos e europeus de Leste, e sobretudo portugueses descendentes destas ondas migratórias, ao serem as primeiras vítimas das crises sociais (precisamente porque os preconceitos étnicos e racistas existem, de parte a parte), tenderão a reagir como puderem. Unidos pela miséria e pela humilhação, verificarão depois que há mais alguma coisa a uni-los: precisamente, a cor da sua pele, do seu cabelo ou dos seus olhos... Para os mais aptos, o mundo do crime (contrabando, tráfico de estupefacientes, armas e objectos roubados, e a exploração sexual) será cada vez mais atraente. Se continuarem acantonados em bairros sem lei, o vislumbre de micro-sociedades com leis próprias, desafiando o Estado e a sociedade dominantes, aparecerá como um cenário cada vez mais tentador. Numa palavra, se nada se fizer, teremos muito em breve nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não apenas cópias fidedigmas dos arrastões de Copacabana, mas verdadeiros contra-poderes sociais dominados por bandos de criminosos, tal como ocorre nas tristemente famosas favelas brasileiras.
Notas
1 Nos Estados Unidos a palavra negro, ao contrário da palavra preto é considerada insultuosa quando usada para designar um indivíduo de origem afro-americana. Em Portugal, dependendo de quem utiliza o termo, qualquer das expressões acima empregues pode ser considerada politicamente correcta ou insultuosa. O termo empregue pelos próprios, no nosso país, é quase sempre preto, e não negro. O uso de qualquer dos termos neste blogue não tem, obviamente, qualquer intenção discriminatória, servindo apenas a necessidade de nomear sem hipocrisia indivíduos de uma determinada origem étnica ou rácica.
2 Só um ingénuo poderia acreditar que as nossas polícias não têm agentes infiltrados nos principais bairros problemáticos da capital e arredores, e informadores infiltrados nos próprios gangs que se dedicam aos florescentes negócios do contrabando, contrafacção, tráfico de estupefacientes, prostituição, pequenos assaltos urbanos e... organização de arrastões. Só este facto explica como foi possível os corpos especiais de intervenção policial chegarem à praia de Carcavelos 20 minutos depois de dado o alarme. Mas este mesmo facto levanta uma dúvida: como é possível que os responsáveis pela ordem pública não tivessem tido conhecimento antecipado de uma operação com semelhante envergadura (número de actores envolvidos) e grau organizativo? Ou será que deveremos ler toda esta surpresa como um aviso premeditado dos lobbies policiais ao poder político, face às ameaças que pendem sobre os direitos adquiridos por estes corpos especiais da Administração Pública? E se assim fosse, não estaríamos perante uma manobra corporativa de matiz efectivamente golpista? António Costa precisa de todo o apoio para tirar isto a limpo e agir em conformidade. Alia jacta est...
3 Algum tempo depois, viemos a saber que o arrastão teria sido mais virtual (quer dizer, teledramático) do que real. Houve problemas, a polícia veio (há quem afirme mesmo que o esquema nasceu na corporação...), a coisa demorou algum tempo a acalmar, mas depois, as televisões, como um enxame, não falaram de outra coisa, histericamente, durante horas e dias a fio! Seja como for, um aviso aos políticos profissionais: é urgente definir uma política de imigração e uma política de integração, racionais e justas. [5 Ago 2006]
O-A-M #78 11 Junho 2005