sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Vamos de elétrico!

Barroso experimenta protótipo do Hiriko (urbano, em basco), um conceito do MIT construído em Vitória, País Basco (24/01/2012)

Apenas 6% das pessoas e 10% das mercadorias são transportadas por caminho de ferro na Europa
An EU White Paper published in 2001 ("European transport policy for 2010: time to decide") called for transport growth rates to be "decoupled" from economic growth and for a "modal shift" from roads and air transport towards more sustainable travel modes, including shipping and rail.

[...] The Commission seeks to liberalise the railway market to encourage private investment, greater efficiency and more seamless travel across the EU to boost rail passenger and cargo transit to ease air and road congestion as well as to reduce greenhouse gas emissions. EurActiv-transport .
A única estratégia para evitarmos uma enorme tragédia mundial —que é o que acontecerá se não soubermos mitigar em tempo oportuno as consequências do Pico do Petróleo— passa por abandonar gradualmente o uso intensivo do automóvel convencional e do avião, pois 70% de todo o petróleo produzido vai direitinho para a refinação de combustíveis destinados aos transportes, contribuindo ainda por cima para a emissão de volumes gigantescos de CO2 e outros gases poluentes, causadores do efeito de estufa. As reservas petrolíferas mundiais estão a cair 2% ao ano, prevendo-se que este recurso finito, a manter-se constante a produção média anual de 29,2 mil milhões de barris, verificada em 2009, não dure mais do que quarenta e quatro anos. Como é evidente, muito antes de chegarmos ao último barril de petróleo grandes mudanças ocorrerão no planeta dos homens!

A oferta já não responde à procura, por mais caros que estejam os combustíveis, e por maior que seja a especulação e a criação de dinheiro fictício para adquirir este ouro negro. Os países produtores de petróleo não conseguem fornecer mais de 80 milhões de barris de crude por dia. Ou se conseguem, decidiram começar a conservar o recurso para si mesmos... As consequências desta incapacidade de satisfazer a procura (um dado objetivo que a maioria dos astrólogos economistas não percebe) já se vê a olho nu:

— guerras e conspirações com o único objetivo de assegurar o controlo dos principais campos petrolíferos do planeta e respetivas rotas de transporte, no Iraque, Irão, Geórgia, Mar Cáspio, Líbia, Nigéria, Venezuela, etc.
— e uma economia de casino montada desde finais dos  anos 80, de que o yen carry-trade, a especulação financeira sistémica com bolhas imobiliárias, estudantis, e em geral de crédito, os derivados financeiros OTC, e a guerra cambial que tem vindo a agudizar-se nas últimas semanas são epifenómenos sintomáticos, cada vez mais destruidores.

Mapa da Era Petrolífera (ASPO). Clicar aqui para ampliar. ©©Fast Company

Eu creio que o setor de transportes é por onde teremos que começar se quisermos mudar de paradigma e travar a espiral depressiva em que vários países, como Portugal, entraram e de onde não poderão sair se não reequilibrarem a sua balança comercial, de que a fatura energética é a principal parcela (mais um dado que os astrólogos economistas ignoram invariavelmente, preferindo papaguear o calão gasto e falso do economist as usual).

Essencialmente há duas vias para lá chegarmos:
  1. pelo aumento imparável dos preços dos combustíveis, com o consequente desequilíbrio das balanças de pagamentos e o endividamento externo dos países, de que resulta uma inflação encoberta pela destruição do poder de compra de milhares de milhões de pessoas, resultante da espiral do desemprego, da não criação de novos empregos, e das falências em massa — é o que está em curso :(
  2. ou travando a fundo a espiral ascendente da inflação dos preços dos combustíveis fósseis, nomeadamente através de: 
  • uma alteração dos critérios de medição da inflação, incluindo neste cabaz a inflação energética e a especulação (imobiliária, financeira, e cambial);
  • substituição do critério do PIB por uma outra medida do desenvolvimento humano, mais rigorosa, transparente e socialmente justa;
  • aplicando uma percentagem dos impostos e taxas sobre o consumo de combustíveis fósseis e sobre as emissões de CO2 equivalente à reconversão energética das economias;
  • fazendo investimentos maciços no transporte coletivo ferroviário e marítimo-fluvial, de pessoas e de mercadorias, aumentando assim exponencialmente a quota destes sistemas no bolo dos transportes e da mobilidade em geral;
  • desenvolvendo, em geral, o transporte elétrico (coletivo e individual);
  • desmaterializando de modo acelerado o setor dos serviços e parte do próprio consumo (nomeadamente cultural) através do crescimento exponencial da economia eletrónica;
  • impondo um programa global de eficiência energética aos países industrializados, sobretudo nas grandes cidades: começando pelos edifícios (e de entre estes, começando pelos edifícios públicos), mobilidade, iluminação, abastecimento alimentar, comércio local e publicidade (restrição draconiana à propaganda do consumo).

Portugal

A migração em massa dos passageiros da ponte aérea Madrid-Barcelona para o AVE é uma prova de que a transição do transporte aéreo intercidades para a ferrovia já começou (1), e vai acelerar. Os processos de concentração, reestruturação e aumento de eficiência no setor aeronáutico é o outro lado desta mesma tendência. Precisamos, no caso português (de momento entregue a três lunáticos e três piratas), de começar por ligar as duas capitais ibéricas por ferrovia nova de bitola europeia preparada para comboios de mercadorias e para comboios de passageiros que possam mover-se, no limite, a 350Km/h. E precisamos, sim, de ligar o muito Grande Porto (Braga-Porto-Aveiro) a Espanha e Europa por novas linhas férreas de bitola europeia do mesmo tipo. Quanto às obras de requalificação da linha do Norte, devem ser finalmente terminadas, e assim que for possível, deverá pensar-se numa ligação ferroviária de alta velocidade ferroviária entre as cidades-região de Lisboa e do Porto. Este programa ferroviário, a par da preparação da nossa rede portuária para o crescimento do transporte marítimo e fluvial deveriam ser as grandes prioridades do país para as próximas duas décadas. Isto e, bem entendido, diminuir o peso das burocracias, devoristas e cleptocrata na fatura fiscal que pesa sobre todos nós como uma canga assassina!

PS — um leitor amigo lembrou-me que faz igualmente falta recuperar e requalificar linhas abandonadas ou meio abandonadas, como, por exemplo, o Ramal da Alfândega do Porto, e a Linha de Leixões


NOTAS
  1. Rail is seen as the most expedient way to reduce vehicle pollution and ease highway and aviation congestion. But it has kept a relatively low market share of about 6% for passengers and 10% for cargo services.

    In a compromise aimed at countries like France and Germany, the European Commission on Wednesday (30 January) unveiled its latest plan to integrate rail services, allowing traditional state companies to maintain their hold on railway infrastructure as well as passenger and cargo services.

    [...]

    Germany had pressured the Commission to follow its model that is also used by Austria, the Czech Republic and France. Germany’s position was backed up on 6 September by a European Court of Justice preliminary ruling that upheld the German model over Commission objections that it violated legal provisions for independent infrastructure management.

    Britain moved swiftly in the 1990s to separate infrastructure operations from rail services, while breaking up the old British Rail system to allow private competition. The Netherlands, Poland, Spain and several other countries have followed similar paths, severing infrastructure from operations with varying levels of public or independent oversight.

    [...]

    But the Commission’s proposals do not preclude holding companies like DB or France’s SNCF to continue, so long as they separate their management and finances. It would also allow other countries to bar such companies from entering their domestic markets after 2019 if they do not meet the Commission’s competitiveness guidelines. EurActiv (30/01/2013).

4 comentários:

JS disse...

AM -Sigo os seus postes com interesse. Assim atrevo-me a levantar as questões:

-Que vida económica haverá com "petróleo a $120 dolars" ou quando ele acabar.

-Com esse cenário haverá muita gente interessada em ir (negócio ou férias) com tarifas AV nada acessíveis, a Madrid?.

A corajosa experiência em curso (apesar de torpedeada pelo lóbi do petróleo) da Tesla Modelo S, com autonomía para uma viajem Lisboa - Vigo, sem parar, e com estações de recarga gratuitas ... não será um mais exacto, quiçá apelativo, esboço do futuro?.

António Maria disse...

Caro JS,

1) pode tornar-se um inferno :(
2) a velocidade do comboio depende, já hoje, por exemplo no Japão, do preço. Há comboios que correm a 200Km/h, outros até 250Km/h, 300Km/h e 350Km/h. A velocidade depende do estado da economia. Mas o importante é ligar Portugal à rede espanhola e à rede europeia de bitola europeia, corra-se a 100Km/h ou a 350...
3) o transporte elétrico —comboios, trolleys, os velhos elétricos de Lisboa e Porto, ou automóveis particulares e os autocarros sem trilho do futuro— é a única solução conhecida para atrasar significativamente o Pico do Petróleo. O Tesla, tal como os chamados 'supercapacitors' são caminhos abertos que devemos seguir de perto.

Wikipedia: China is experimenting with a new form of electric bus (capabus) that runs without powerlines using large onboard EDLCs, which quickly recharge whenever the bus is at any bus stop (under so-called electric umbrellas), and fully charge in the terminus. A few prototypes were being tested in Shanghai in early 2005. In 2006, two commercial bus routes began to use electric double-layer capacitor buses; one of them is route 11 in Shanghai.

Zephyrus disse...

O centro do Porto está ao abandono. E as casas são caríssimas. Bem como as rendas. Todo o concelho do Porto deve ter capacidade para 500 000 habitantes, ou mais. Se contarmos com o centro de Gaia o número ficaria muito maior. No entanto o concelho do Porto tem metade desse valor. Há ruas inteiras quase desabitadas. E zonas inteiras por requalificar, como Campanhã. E mesmo assim os subúrbios ainda crescem.

António Maria disse...

O crédito fácil (e especulativo, como hoje sabemos), o bloqueio oportunista das rendas de casa e as patéticas leis e justiça que temos (tudo isto, em boa medida, fruto de uma "esquerda" burocrática, oportunistas e desmiolada), levou à desertificação das cidades em benefício efémero das periferias.

Os subúrbios, porém, acabarão por implodir à medida que o desemprego estrutural se instalar de vez e sobretudo à medida que o preço dos combustíveis fósseis se for agravando.

Em menos de uma década boa parte das pessoas que hoje vivem nas periferias deixarão de ter meios para suportar as hipotecas imobiliárias, para substituir os seus automóveis velhos, já para não falar no peso que a fatura do combustível já hoje representa nos orçamentos familiares.

Tudo isto tornará as velhas cidades de novo atrativas. O principal mesmo, neste momento, é rever a lei das rendas, criar mecanismos sociais de compensação para aqueles que terão que deixar casas pelas quais nada ou pouco pagam, e lançar planos municipais sustentáveis de repovoamento dos centros urbanos e das cidades em geral.

Uma das melhores apostas no futuro é mesmo comprar casas dos anos 1930 a 1960, reformá-las e usá-las, revendê-las ou alugá-las ;)