terça-feira, abril 04, 2006

H5N1

Indústria, na origem da gripe aviária
Porquê culpar as aves selvagens?

por ASHOK B SHARMA (Finantial Express, Bombaím), 06 mar 2006.


Não é só na India, que as aves de criação industrial são a causa da disseminação mundial da gripe aviária.

Vários estudos mostram que a indústria aviária transnacional está na origem do problema. A expansão da produção industrial de aves para abate e das respectivas redes de comércio criaram as condições ideais para a emergência e transmissão de vírus letais tais como a variante H5N1 do vírus responsável pela gripe aviária.

No interior das explorações aviárias os vírus tornam-se letais e multiplicam-se. O ar carregado de concentrações virais oriundas de explorações infectadas espalha-se a quilómetros de distância, ao mesmo tempo que as redes integradas de distribuição chrome://foxytunes-public/content/signatures/signature-button.pngdisseminam a doença através de múltiplos portadores, tais como as aves vivas e o respectivo estrume.

Em termos relativos, pode dizer-se que não são as aves de capoeira que estão a potenciar a actual vaga de surtos epidémicos que atinge grandes zonas do globo. O epicentro destes surtos são os aviários da China e Sudeste Asiático. Segundo estudos recentes, ainda que as aves selvagens possam transportar os vírus, pelo menos a pequenas distâncias, estes são na realidade espalhados pela falta de higiene das explorações aviárias industriais.

Isto é especialmente verdadeiro no caso do recente surto da gripe aviária na India. O epicentro do surto foram 18 explorações industriais em e à volta de Navapur, em Maharashtra, onde não existe nenhum santuário de aves migratórias por perto.

A Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas referiu em Novembro de 2005, que "Até à data, os testes extensivos realizados em aves migratórias clinicamente sãs, nos países infectados, não produziram quaisquer resultados positivos relativamente ao H5N1." Mesmo nos casos conhecidos de H5N1 em aves selvagens na Europa, os especialistas concordam que tais aves terão sido provavelmente infectadas na região do Mar Negro, onde o H5N1 se encontra fortemente disseminado entre as aves de criação, vindo a morrer enquanto se dirigiam para oeste, fugindo às inusitadas baixas temperaturas.

A causa da disseminação do H5N1, atribuída aos gansos do Lago Qinghai no norte da China, foi negada pela BirdLife International, apontando o facto de aquele lago estar rodeado de explorações pecuárias. Estas explorações integram unidades de piscicultura onde as fezes dos galináceos são comummente utilizadas como alimento e adubo. Além disso, as redes ferroviárias ligam esta região às áreas onde se deram os surtos de gripe aviária, nomeadamente Lanzhou.

As aves selvagens e as aves de capoeira são as vítimas e não os portadores da doença. Ainda segundo a BirdLife International, a distribuição geográfica da doença não coincide com as rotas migratórias e correspondentes épocas de migração.

Um estudo efectuado por uma organização global, Grain, mostra que as aves migratórias e as aves de capoeira não são vectores efectivos da gripe das aves. Na Malásia, por exemplo, a taxa de mortalidade do H5N1 entre as galinhas de aldeia é de apenas 5%, indicando que o vírus tem dificuldades em disseminar-se entre pequenos bandos de galináceos. O surto de H5N1 no Laos, que está rodeados de países infectados, ocorreu apenas nos poucos aviários existentes, que por sua vez foram fornecidos de pintos por incubadoras Tailandesas.

O único caso de gripe aviária ocorrida num galinheiro, que no Laos é responsável por 90% da produção de aves domésticas para consumo, ocorreu perto de uma exploração aviária industrial.

Os surtos letais de gripe das aves tiveram lugar em grandes explorações aviárias na Holanda em 2003, no Japão em 2004 e no Egipto em 2006. O surto que ocorreu na Nigéria no início deste ano ocorreu numa única exploração pecuária afastada dos zonas frequentadas pelas aves migratórias, mas conhecida pela importação de ovos não certificados para incubação .

Em Setembro de 2004, as autoridades do Camboja concluíram que a origem de um surto da gripe das aves fora um fornecimento de pintos da empresa Tailandesa , Charoen Pokphand. Este conglomerado agro-industrial domina a indústria de rações e é o maior fornecedor de pintos à China, Indonésia, Vietnam e Turquia, que também conheceu alguns surtos de gripe aviária. A Ucrânia, onde ocorreu um surto de gripe aviária, importou 12 milhões de aves vivas em 2004 daquela mesma empresa.

A Rússia apontou as rações aviárias como uma das principais suspeitas de estarem na origem de um surto de H5N1 numa grande exploração pecuária na província de Kurgan.

Um boletim do e_Pharmail afirmou que o surto de gripe aviária em Maharashtra pode ter ficado a dever-se à inoculação de uma vacina impropriamente preparada (vírus inactivos) em aves, alegadamente distribuída pela Venkateshwara Hatcheries.

versão original em Inglês


Última hora
: [6 Abril 2006] H5N1 NA ESCÓCIA — o cisne mudo selvagem encontrado morto em Cellardike pertence a uma espécie residente e não migratória. Ou seja, é bem mais provável que o animal tenha sido vitimado pelo H5N1 na própria zona —onde existem 175 explorações industriais de aves e produtos relacionados (ovos, pintos para criação, etc.), com 3,1 milhões de aves, dedicando-se 48 das referidas explorações à criação de mais de 260 mil aves ao ar livre—, do que o contrário, i.e. que o pobre cisne mudo tenha entrado em contacto com alguma ave migratória que por ali tenha passado. Se as aves migratórias fossem os principais portadores do H5N1 teríamos que ver muitos milhares de aves selvagens mortas por aí, não é verdade? Porque será que boa parte dos casos até agora detectados ocorreram nas proximidades de explorações pecuárias industriais?

CONSELHO: comece a pensar em evitar o consumo de aves e seus derivados oriundos da indústria aviária nacional e internacional: frangos, galinhas, patos, codornizes, perus, ovos, fiambes de aves. Só metendo toda a cadeia produtiva e de distribuição de quarentena podemos atacar radicalmente o problema. Os prejuízos devem pagá-los os seus primeiros responsáveis, ou seja, uma indústria que não olha a meios para engordar à custa da saúde pública. Ao mesmo tempo, devemos exigir uma investigação efectiva sobre a origem e o negócio em volta do TAMIFLU, bem como sobre a origem e contornos mediáticos do alarme social promovido em volta do H5N1 e da gripe das aves.

Ver, a propósito desta notícia, o relato da BBC online


Para complemento deste artigo ler o Documento Informativo da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) e a Declaração da BirdLife International sobre o mesmo tema.



OAM #115 04 ABR 2006

domingo, março 26, 2006

2006 crise mundial 2


Stock Market crash in Saudi Arabia

A acumulação dos factores de risco

“ The plain truth is, if anything happens to upset the current management and allocation system of the the global oil markets, the industrial economies of the world will collapse, and America's will collapse hardest and worst because of the way we have arranged things for ourselves. The global oil markets currently revolve around Middle East oil production. If the region is overcome by instability, than it's simply GAME OVER.” — James Howard Kunstler in Clusterfuck Nation.


1. A suspensão da publicação do agregado estatístico M3 por parte do banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve System (Fed), com efeitos desde 23 de Março último, serve, segundo alguns analistas, para esconder uma possível monetarização da gigantesca dívida dos Estados Unidos (pública e privada.) Qualquer coisa como $42.000.000.000.000, i.e. 42 biliões de dólares, 18 vezes o orçamento federal de 2006, e 3 vezes o PNB dos EU em 2005 (segundo os cálculos da conservadora Heritage Foundation.)

2. Apesar de não ter sido concretizada, a ameaça de cotizar o petróleo iraniano em euros continua a pairar sobre a presente crise mundial, assim como o efeito de contágio que uma tal decisão poderia desencadear noutras bolsas mundiais cada vez mais incomodadas com a persistente instabilidade da moeda americana e a galopante dívida dos EU. Na própria Noruega há já quem defenda a cotização do petróleo do Mar do Norte em euros...
“Não utilizaremos a arma do petróleo por agora porque não queremos enfrentar outros países. Porém, se a situação mudar, ver-nos-emos obrigados a modificar a nossa atitude e a nossa política”

— declarou Javad Vaidi, vice-presidente do Conselho Superior de Segurança Iraniano, à AFP.

3. A chamada crise nuclear iraniana (há muito inscrita na agenda geo-estratégica dos EU) entrou num compasso de espera, dados os múltiplos factores adversos às intenções agressivas da Administração Bush: falta óbvia de uma ameaça credível por parte do Irão (este país não dispõe de nenhuma bomba atómica, nem sequer da tecnologia para a desenvolver, ao contrário de Israel, que detem em seu poder 200 cabeças nucleares prontas a disparar...); a China e a Rússia já disseram que não querem aventuras militares perigosas no Irão; os inquéritos de opinião mostram que os povos Europeus estão absolutamente contra tal perspectiva; parece ainda que sectores importantes do Pentágono têm vindo a minar paulatinamente o desencadeamento, para já, de um novo e imprevisível teatro de guerra.

4. No dia 14 de Março as bolsas do Qatar e Emiratos Árabes Unidos perderam 15% em apenas 24 horas. A bolsa da Arábia Saudita perdeu 1/3 do seu valor ao longo no mês passado e continuava a cair a pique este Sábado, 26 de Março. Dada a invisibilidade mediática desta ocorrência, vale a pena acompanhar os números na Gulf Base e no site da Bahrain Tribune

5. O governo dos EU encontra-se em situação de falha técnica (technical default) desde meados de Fevereiro do corrente ano, por ter ultrapassado o tecto do endividamento público fixado pelo Congresso, sem que o mesmo Congresso, avisado pelo Secretário de Estado do Tesouro, John Snow, mas receoso dos resultados eleitorais de Novembro, tenha decidido subir o referido tecto em 10% da actual dívida pública, i.e. 800 mil milhões de dólares (a dívida publica dos EU dólares, em 22 de Março, era de $8.347.486.113.319,40).

6. O Vice-Presidente do Fed, Roger Ferguson, abandonou em Fevereiro passado as suas funções, 8 anos antes de terminar a sua comissão de serviço e algumas semanas depois de o novo governador indicado por Bush, Ben Bernanke, assumir a presidência.

7. A subida das taxas de juros por parte do Banco Central Europeu e o Banco Central do Japão pôs fim à sua política de facilidades no acesso ao dinheiro.

8. O Fed comprou 1/3 dos Títulos de Tesouro por si lançados no último trimestre de 2005. Os restantes títulos foram comprados por bancos centrais estrangeiros.

9. Dúvidas crescentes sobre a credibilidade dos números anunciados pelo governo americano (em linha com o hábito de mentir instalado na Casa Branca desde a crise iraniana), temem que se venha a reconhecer, depois das eleições de Novembro, que o país entrou efectivamente em recessão em 2005, e que só sairá dela, na melhor das hipóteses, em 2007! Para mais detalhe: John Williams' Shadow Government Statistics

10. O Fed pediu discretamente aos negociantes de Wall Street para desenvolverem um banco de recurso (stand-by bank) que entraria em acção se algum dos dois principais bancos responsáveis pelo clearing das operações do Fed com títulos de tesouro (JP Morgan Chase e Bank of New York) vierem a ter problemas. in Finantial Times - 28/02/2006

11. O euro parece ser a única divisa capaz de resistir a um eventual colapso do EU dólar. Não se prevê qualquer abandono da moeda europeia por parte dos actuais aderentes, não sendo de descartar a hipótese de países como o Reino Unido, a Dinamarca e a Suécia acabarem por antecipar a sua entrada no clube monetário Europeu.


A conjunção destes factores agravantes da presente crise mundial não deu até agora origem à anunciada catástrofe financeira global. Mas que a rolha da garrafa de champanhe está prestes a saltar, ninguém duvida. Chineses, Britânicos, Japoneses e Árabes, entre outros detentores de trilionárias quantidades de notas verdes, suplicam para que não seja já, pois não estão nada interessados em perder dinheiro precioso para o lançamento de grandes investimentos (como o futuro pipeline que levará petróleo da Sibéria directamente à sequiosa China). A pandilha de Bush, gorada ao que parece a hipótese de uma nova aventura militar imediata no Irão, tenta evitar a todo o custo estatísticas adversas aos resultados eleitorais de Novembro próximo. O Irão, por sua vez, procura estancar os planos dos ultra-liberais americanos, ameaçando com o uso da arma petrolífera, mas sabendo abrandar habilmente esta ameaça quando obtem os resultados pretendidos — neste caso, uma unanimidade mundial contra os planos belicistas de Bush.

Se os mercados não entrarem em pânico com os trambolhões das bolsas do Médio Oriente (silenciados prudentemente pela generalidade dos média de todo o mundo); se se mantiver a pressão da opinião pública europeia contra qualquer tipo de envolvimento ou apoio a uma acção militar contra o Irão; e se a popularidade de Bush e Blair continuarem a pique em consequência das suas aventuras iraquianas e faltas de carácter, talvez possamos esperar por um adiamento do deflagrar da crise mundial. Teremos, nesta hipótese, a emergência de sucessivos epifenómenos, que a activa contra-informação com sede nas principais agências e informações mundiais (controladas, como se sabe, por grandes conglomerados económicos nada interessados em tornar público o que é bom manter como informação privilegiada) procurará ocultar. O Big Brother chegou!

Agradecimento: GlobalEurope Anticipation Bulletin Nr3 — March 16, 2006

Para uma circunstanciada selecção de links, que foi sendo actualizada ao longo da semana passada, ver a primeira parte deste artigo.

OAM #114 27 MAR 2006

terça-feira, março 21, 2006

Strategic Foresight Group 4

As Grandes Questões do Nosso Tempo

- por Sundeep Waslekar

Parte 4: 88 Milhões de Verdades Escondidas sobre as Caricaturas


Num almoço recente com um distinto grupo de líderes intelectuais do Qatar, alguém me colocou a questão óbvia. Que podemos fazer à polémica das caricaturas? Respondi-lhe que me fazia lembrar a história da briga entre marido e mulher sobre o café. Um casal dividido sobre o tipo de café a tomar à tarde inicia uma acalorada disputa verbal, a qual acabará lamentavelmente à chapada. É claro que o aroma do café não poderia provocar semelhante tempestade. O café foi apenas um pretexto. A causa real da tensão entre os dois era mais profunda. As caricaturas são como o café. Para perceber porque geraram tamanha revolta, é necessário olhar para o fundo da questão.

Durante os últimos vinte e cinco anos, os países Nórdicos foram os paladinos das causas a favor dos pobres e dos países em desenvolvimento. Estiveram no topo da liga de doadores. Acolheram imigrantes de braços abertos. Praticaram o contrato social em casa e advogaram-no no exterior. Em especial, o seu apoio às minorias, sobretudo as mais forçadas a deslocações, é bem conhecido, quer sejam os Palestinianos no Médio Oriente, os Curdos no Iraque e Turquia, os Tamiles no Sri Lanka ou os democratas na Burma.

O modelo de bem-estar social dos Nórdicos e de outros países europeus funcionou bem na economia industrial. Mas à medida que a economia do conhecimento foi substituindo largos sectores da economia industrial, milhares de pessoas perderam os empregos e muitas mais continuam a ir para o desemprego em cada dia que passa. Esta mudança económica reflecte-se igualmente numa subtil mas crucial mudança política: os partidos políticos estão cada vez mais ao serviço dos interesses do centro. Os Novos Trabalhistas e os Novos Conservadores Ingleses estão cada vez mais parecidos. Na Alemanha, Socialistas e Democrata-Cristãos uniram-se para criar um governo de coligação. O governo Holandês há muito que é uma coligação e as diferenças entre Socialistas e Conservadores nos países Escandinavos têm vindo a atenuar-se.

Num mundo assim, politicamente desenhado ao centro, quem se mantiver nas margens, Direita ou Esquerda, fica de fora. Perdem economicamente se as suas capacidades industriais se revelarem irrelevantes para a economia do conhecimento. E perdem a sua voz política à medida que os que estão no poder querem representar a crescente classe média, preocupando-se cada vez menos com os operários desempregados.

Ironicamente os perdedores na nova paisagem económica e política englobam tanto as populações locais como as populações imigrantes. De entre estas últimas, os perdedores tendem mais a lutar contra os que são como eles do que contra os que são diferentes. Desde que viajo para a Europa, assisto à hostilidade diária dos motoristas de táxi e empregados de hotel de origem imigrante. Eles não podem pura e simplesmente tolerar que alguém vivendo num país em vias de desenvolvimento possa alugar os seus serviços quando eles, que deixaram os seus lares para melhorar a sua condição de vida na Europa, acabaram a guiar táxis apesar dos seus estudos de engenharia ou medicina. Deparei-me com tais afrontas sempre que pretendia dar uma gorjeta que já não me atrevo a fazê-lo. É muito mais seguro fingir junto de um motorista de táxi imigrante que estou a apanhar o táxi por uma questão de absoluta necessidade e pedir-lhe um favor. O seu ego fica satisfeito e a minha segurança garantida.

Enquanto os imigrantes odeiam pessoas que aparentam ser visitantes bem sucedidos oriundos dos seus próprios países, atraem por sua vez o ódio daqueles a quem a vida não corre tão bem nos países de acolhimento. A sua incapacidade de integrar-se na sociedade de acolhimento é ainda causa de preocupação para aqueles que foram atirados para o desemprego por uma fábrica que se deslocalizou para um país de Leste ou para a China. É o ódio mútuo entre aqueles que falharam na adaptação às transformações económicas da Europa que se vê reflectido nos grafitos aqui e ali, em artigos de jornal e agora nas caricaturas.

Não são só os trabalhadores desempregados que usam a cultura como uma desculpa para odiar alguém. Mesmos os capitalistas que temem pelas suas perspectivas se comportam de forma parecida. No exacto momento em que a polémica das caricaturas ocupava o palco mediático mundial, a oferta pública de aquisição lançada pela Laxmi Naraim Mittal sobre a Arcelor, uma companhia ainda Francesa, suscitou a fúria dos nacionalistas Europeus. De facto, as empresas da Mittal são europeias e têm as suas sedes no Reino Unido e na Holanda. O seu crescimento deve-se sobretudo às políticas de livre concorrência do Reino Unido. Uma oferta de aquisição por parte de uma empresa Britânica sediada na Holanda, lançada sobre uma empresa Francesa sediada no Luxemburgo, deveria ser normal. No entanto, foi contrariada com base no argumento de que a Mittal é de origem indiana. A Cultura é a arma suave do jogo económico e político.

Mais cedo ou mais tarde, os Europeus terão que aprender a lidar com a aquisição das suas empresas pela Mittal e outras parecidas, como as equivalentes Chinesas. Se os países Árabes exportadores de petróleo aprenderem a utilizar os seus excedentes financeiros de uma forma mais inteligente do que o simples financiamento do consumo nos Estados Unidos, entrarão seguramente para o grupo dos bolsos sem fundos. Ao mesmo tempo, os Europeus terão que aprender a viver com o facto de actualmente 88 milhões de jovens habitarem este planeta, sendo que muitos deles se encaminharão legal ou ilegalmente para as suas costas. Por razões geográficas, os primeiros candidatos terão origem nos 10 milhões de jovens que vivem no Médio Oriente e nos 18 milhões que vivem em África. Se os Europeus decidirem continuar entretidos a desenhar caricaturas, os Asiáticos e os Árabes ocupar-se-ão de comprar as suas empresas e de ocupar os seus empregos.

Os Europeus deveriam aliás estar satisfeitos com as perspectivas migratórias dos jovens da África e do Médio Oriente. A mudança demográfica e o envelhecimento da Europa é uma história velha e conhecida. Em 2025 e mais ainda em 2050, a Europa precisará de trabalhadores jovens. Boas políticas de integração inter-cultural servirão a economia Europeia. Se, pelo contrário, a Europa não encontrar forma de coexistir com as culturas diferentes, atrairá sobre si mesma uma catástrofe económica.

Por outro lado, Árabes e Asiáticos devem a si mesmos a decisão de jogar com as regras europeias se quiserem operar no espaço económico Europeu. Uma coisa é preservar a sua cultura. Outra é viver em ilhas (ghettos) e não fazer qualquer esforço para aprender as melhores práticas do país hospedeiro. Se os Países Ocidentais conseguiram ultrapassar nos últimos 500 anos o Médio Oriente, que teve um bom começo 1000 anos atrás, isso deveu-se em parte à eficácia das instituições que souberam construir. Asiáticos e Árabes têm que aprender a usar estas instituições a seu favor, tal como a Mittal vem fazendo. No caso das caricaturas dinamarquesas, um processo judicial justificado na Secções 266B e 140 do Código Penal Dinamarquês poderia possivelmente ter mandado o cartunista para a cadeia durante 24 meses, com base apenas na actual lei Dinamarquesa, e proibir que outros o seguissem. É igualmente necessário saber distinguir um cidadão do Estado. No caso da Dinamarca, o ódio contra o Estado era compreensível na medida em que o Primeiro Ministro da Dinamarca recusou encontrar-se com os embaixadores Árabes em Copenhague. Apesar de reflectir o sentimento nacional dinamarquês, esta decisão não justifica a violência física contra os interesses e missões diplomáticas dinamarquesas. No caso da Noruega, o acto solitário de um jornal não pode ser usado como desculpa para atacar as missões diplomáticas Norueguesas quando sabemos que o Estado e a sociedade da Noruega se conduzem de modo muito diverso. Ao contrário do governo de direita da Dinamarca, que apoia a guerra no Iraque e o consumismo doméstico, a coligação Trabalhista e Socialista Norueguesa está empenhada em processos de paz por esse mundo fora, bem como no uso doméstico disciplinado das receitas petrolíferas. É necessário que Asiáticos e Árabes saibam desenvolver análises mais sofisticadas quando desencadeiam respostas a provocações resultantes de problemas mais profundos, causados tanto pelos comportamentos das suas populações, que se sentem abandonadas pelo progresso, quanto pelos comportamentos das populações locais, igualmente atingidas por um sentimento de marginalização, provocado pelo novo mundo consumista.

Felizmente existem dirigentes esclarecidos tanto no Ocidente como nos países Islâmicos, que têm uma visão construtiva do futuro e do mundo. Houve diálogos que cheguem para meras trocas de pontos de vista. Agora é mais do que urgente examinar os factos em profundidade e fazer esforços para aplainar um terreno comum. Há vontade política, mas não foi escutada. O Strategic Foresight Group encontra-se numa posição única para fazer a diferença, graças a uma visão desapaixonada que foi bem recebida por parte de altos dirigentes da Arábia, do Sudeste Asiático e da Europa. Siga este espaço nos próximos meses.



Sundeep Waslekar é o Presidente do Strategic Foresight Group, sediado em Mombaim. É um especialista em governação, conflitos, segurança global e regional, economia política — e filosofia política.
IMG - Jesus Christ The Musical, de Javier Prato (video still)

OAM #113 21 MAR 2006

segunda-feira, março 20, 2006

Strategic Foresight Group 3

As Grandes Questões do Nosso Tempo
- Por Sundeep Waslekar

Parte 3: O Futuro do Poder

Estive recentemente em Waterloo, uma pequena cidade universitária a uma hora de Toronto, Canadá, onde o meu amigo John English criou recentemente o Center for International Governance (CIGI), com o apoio de Jim Balsillie, fundador do sistema de comunicação Blackberry. O pretexto foi a conferência CIGI sobre poderes emergentes.

Os profes presentes na conferência assinalaram a chegada da India, Brasil, África do Sul e México à categoria de novos poderes emergentes, baseando-se nos respectivos PIB e despesas militares, deixando escapar a realidade que os rodeava. (Os profes mencionaram também a China, mas eu creio que a China deixou de ser uma força emergente. Ela já é, de facto, uma grande potência.) O Canadá, onde decorreu a conferência, está a emergir como um dos grandes centros de inovação do futuro. Arnold Toynbee e Paul Kennedy demonstraram nos seus aturados livros de história que os países que inovam ascendem, ao passo que aqueles que se excedem nas despesas militares, declinam. A queda do Império Romano 977 anos antes do império Bizantino, apesar da maior distância face a agressores externos, ficou a dever-se, precisamente, a um atraso na inovação tecnológica e à qualidade da governação.

Os canadianos parecem entender isto bem, sem reclamarem para si qualquer estatuto de futura grande potência. Waterloo, por exemplo, fornece anualmente o maior de número de recrutas à Microsoft. Os fundadores da Blackberry, por sua vez, montaram o CIGI, um Instituto de pesquisa dedicada à física teórica, esperando que o Canadá venha a conseguir no futuro grandes conquistas nesta área do conhecimento. O Governador de Ontário toma pessoalmente conta do departamento de investigação e inovação, dando um sinal inequívoco sobre a importância deste dossiê na política provincial. A região de Waterloo no seu todo vem sendo promovida como um centro de investigação e desenvolvimento, e o governo provincial vai onde for preciso para atrair investimentos de companhias de alta tecnologia.

Os canadianos lançaram-se numa revolução tranquila pelas energias limpas. Encontrei o meu amigo Nicholas Parker ao fim de vários anos e fiquei a saber que ele criara o fórum Cleantech Venture para atrair investidores de capital de risco e pequenos empreendedores para o campo das energias não poluentes. Assim, as empresas de energia da big Alberta estão hoje centradas na investigação e desenvolvimento das energias renováveis e limpas do futuro. Pouco depois da minha visita a Waterloo, o governo federal anunciou uma nova política de imigração destinada a atrair talentos de outras partes do mundo.

Além do Canadá, a ênfase na inovação vem dos países Escandinavos. Voei de Toronto para Estocolmo para jantar com o Dr. Michael Nobel, o presidente da Nobel Family Society. Esta família promove os prémios Nobel em memória de Alfred Nobel, tio bisavô do Dr. Michael Nobel. O Dr. Michael Nobel prepara-se agora para criar um prémio em memória de Ludwig Nobel, o seu bisavô e irmão de Alfred. Este novo prémio servirá para distinguir a inovação nos domínios da energia.
É claro que os prémios Nobel são apenas um símbolo do espírito inovador na Escandinávia, onde várias grandes e pequenas empresas confluem na investigação tecnológica e na inovação governativa. A Nokia e a Eriksson são famosas no sector das comunicações. Mas existem muitas outras experiências tecnológicas a decorrerem nos domínios da agricultura e da energia, ou da medicina e da metalurgia.

Curiosamente, o Canadá, a Suécia, a Noruega e a Finlândia, com menos de 1% da população mundial, desempenham um importante papel nas instituições de governação global. Os seus naturais detêm posições chave no Banco Mundial e em várias agências das Nações Unidas. O seus representantes dirigem muitas comissões multilaterais e comandam a agenda global de modo mais efectivo do que a maioria dos restantes países, excepto, claro está, os poderes P-5 do Conselho de Segurança. À medida que aqueles países ganharem a corrida tecnológica, a sua relevância no comércio transnacional e na economia global não deixará de crescer.

A China já percebeu a importância deste tipo de desenvolvimento. Há alguns meses atrás, o governo de Pequim seleccionou cinco universidades para serem elevadas ao patamar das melhores universidades do mundo — incluindo Harvard, Stanford e MIT —, com especial destaque para os campos científico e tecnológico. Os chineses sabem que os produtos baratos podem ajudar a atrair o investimento e a aumentar as receitas no curto prazo mas que não são a solução no longo prazo. É claro que os chineses têm um grande problema com a sua população agrícola. Se fracassarem na gestão do mesmo, as aspirações de momento poderão desaparecer num milhar de revoluções.

Para aqueles que querem escalar o pico da ciência e tecnologia, muito precisa ainda de ser explorado e inventado. Sir Martin Rees, um cientista britânico de topo, publicou um pequeno livro, Our Final Century, onde enumera aquilo que falta ainda à ciência conseguir. De acordo com este cientista, é ainda demasiado cedo para concluir que existem apenas três dimensões ou que a Terra é o único planeta com biosfera. Conhecemos a história do tempo a partir do segundo momento após o Big Bang, mas falta-nos descobrir o que aconteceu no primeiro momento e imediatamente antes dele. Sabemos como foi criada a vida, de uma célula para entidades multi-celulares e destas até à explosão Cambriana, mas desconhecemos como foi que a primeira célula apareceu. Mais incisivamente, Sir Martin alerta para o facto de ser ainda demasiado cedo para concluir que a nossa evolução biológica já chegou ao fim. Com o advento da biotecnologia e da nano-tecnologia a espécie humana poderá evoluir para uma espécie de semimáquinas capazes de proliferarem e autoreproduzirem-se no espaço (outer space), e talvez mesmo para lá do sistema solar.
Algumas destas ideias podem não passar de ciência-ficção, mas às vezes aquilo que parece impossível imaginar pode tornar-se realidade mais cedo do que esperávamos. Em 1937, um notável grupo de cientistas americanos foi incapaz de prever, o nascimento da energia nuclear, dos computadores e da Internet.

Com um historial destes na previsão do futuro, algumas das fantasias de Sir Martin poderão deixar de o ser mais cedo do que pensamos. Os países e companhias que rompem no campo das energias novas, baratas e limpas, ou na viabilização da vida no espaço (outer space), ou na medicina holística (all purpose mediciene) estão vocacionados para serem mais influentes do que os países que procuram ganhar um pedaço de território aqui e ali, ou se entretêm a derrubar um ou dois pequenos ditadores. Se andasse à procura dos protagonistas dos futuros jogos de poder, preocupar-me-ia menos com sistemas de armas dispendiosos, que se tornarão provavelmente obsoletos antes de serem usados, e manteria os meus olhos e ouvidos bem abertos, tentando descortinar o que andam a fazer os institutos de física teórica na invisível cidade de Waterloo.



Sundeep Waslekar é o Presidente do Strategic Foresight Group, sediado em Mombaim. É um especialista em governação, conflitos, segurança global e regional, economia política — e filosofia política.

OAM #112 20 MAR 2006

segunda-feira, março 13, 2006

Strategic Foresight Group 2

 

Minoo by Hejab Iran

As Grandes Questões do nosso Tempo


- Por Sundeep Waslekar

Parte 2: O Futuro de Deus

O Strategic Foresight Group utiliza o modelo dos 4-G para analisar o futuro dos países. Três dos 4 Gs — Crescimento (Growth), Governação (Governance) e Geopolítica (Geopolitics) — representam mecanismos tradicionais responsáveis pelo destino das nações. O quarto G — Deus (God)—, tem vindo a assumir uma importância crescente nos nossos cálculos.

A ressureição de Deus um século depois de Friedrich Nietzsche ter declarado a sua morte é notável. As expectativas divinas têm andado para cima e para baixo. Nos anos 60, a Time perguntou se Deus não teria mesmo morrido. No fim do milénio, parece que ressuscitou.

A crescente importância de Deus está associada nos dias que correm às mudanças que têm vindo a ter lugar no mundo islâmico. A Turquia elegeu um partido de inspiração religiosa 80 anos depois de ter abolido o Califado. Reparei, numa visita à Turquia no princípio deste ano, que muitas mais mulheres levavam lenço sobre a cabeça (hejab) do que quando fui pela primeira vez àquele país, na década de 80. Em particular, as mulheres associadas à estrutura do poder, tais como esposas de ministros importantes ou responsáveis do partido no poder, ou do governo, mostram-se mais determinadas nas suas preferências pela tradição. Isto não pretende sugerir que a Turquia de hoje é o Irão de ontem. O Primeiro Ministro Erdogan está particularmente empenhado na adesão do seu país à União Europeia, e convidou o Papa a visitar a Turquia em 2006.

O Irão continua a ser governado por um colégio de Ayatollahs e o poder destes foi reafirmado em recentes eleições legislativas e presidenciais. No Iraque pós-Saddam, a religião é uma força importante na política. Quando o Afeganistão escreveu a sua constituição, o aspecto mais significativo da mesma foi ter assegurado a natureza confessional do estado. No Sudeste Asiático, podemos observar uma adesão religiosa crescente na sociedade, apesar de os malaios terem derrotado um partido religioso nas eleições. No Sudeste e na Ásia Central, o Hizb-ut-Tahrir (ver NT) encontra-se em pleno crescimento. Paquistão e Bangladesh, claro, continuam a ser as cidadelas do extremismo religioso.

Enquanto as mudanças em curso no mundo islâmico, acentuando o papel de Deus na sociedade e na política, são destacados pela imprensa mundial, o grande crescimento da popularidade de Deus está a ter lugar nos Estados Unidos e nas zonas cristãs da América Latina, Ásia e África. Estima-se já que 70 a 80 milhões de americanos, de um total populacional de 300 milhões, são evangélicos. Um dos nossos investigadores está a estudar esta evolução e apresentará a seu tempo as conclusões sobre as prospectivas de Deus na sociedade e na política americanas.

As forças religiosas questionam o próprio espírito da constituição americana. Thomas Jefferson e os seus pares passaram um mau bocado para separar a religião da política. O confinamento da religião à esfera privada é aliás considerado um factor essencial da popularidade da Igreja nos Estados Unidos, quando comparada com o respectivo declínio na Europa. Agora, os novos fundamentalistas querem que a religião regresse à vida política e social pela porta grande.

A grande questão do nosso tempo é saber se a política americana será nos próximos 20-30 anos governada por Deus. À medida que a economia americana entrar em declínio e o papel dos EUA como líder da comunidade dos valores for sendo rejeitado pelos europeus ocidentais, canadianos e outros, será que os Estados Unidos virão a precisar de uma âncora para a sua sociedade na forma de uma religião?

Enquanto os Estados Unidos e muitos dos países islâmicos fornecem cenários credíveis para novos regimes de inspiração divina, muitas outras zonas do mundo viraram as costas a Deus, especialmente nos sectores políticos e societários. Na Europa, os partidos democrata-cristãos encontram-se em declínio. O sucesso de um deles na Alemanha tem que ver com a economia e não com a religião. Na India, o Partido Bhartiya Janata, referência do nacionalismo indu (Hindutva), debate-se com a opção de abandonar a política da religião como forma de ganhar a política do poder. Na China, Falun Gong é apenas um movimento espiritual e social. Não tem nada que ver com a introdução da religião na política, ainda que os chineses paranóicos gostem de pensar o contrário. No Japão, Nepal e em muitos outros estados asiáticos, os jovens estão a virar as costas à religião.

Porque estará Deus a ganhar terreno nos Estados Unidos, América Latina, partes de África e países islâmicos, quando as populações noutras zonas do mundo estão felizes com a manutenção da religião na esfera privada? Terá que ver com o facto de os países onde Deus está a invadir a esfera política serem precisamente aqueles onde as condições económicas das populações estão em declínio? Ou será que tem antes que ver com o facto de estes países estarem a sentir uma perda relativa do seu poder e precisarem por isso de algo em que acreditar? Será Deus apenas uma cobertura para dinâmicas políticas e sociais em curso?

No princípio deste ano, fui convidado a proferir uma comunicação em Davos sobre Deus e a democracia. Sobre se efectivamente Deus ama ou não a democracia, as tendências mais recentes indicam que, de George Bush a Ayatollah Khamenei e de Gerry Adams a Pervez Musharraf, todos os líderes que acreditam em aproximações autoritárias aos jogos de poder parecem estar a empurrar Deus para a praça pública. O Futuro de Deus fora do domínio íntimo da nossa espiritualidade dependerá assim do fracasso dos economistas e do sucesso dos autocratas e imperialistas. Nietzsche usou a figura de um homem louco para declarar a morte de Deus. Se estivesse hoje vivo, usaria provavelmente a figura de um ditador para declarar o seu renascimento.




Sundeep Waslekar é o Presidente do Strategic Foresight Group, sediado em Mombaim. É um especialista em governação, conflitos, segurança global e regional, economia política — e filosofia política.
NT - Grupo extremista que defende o regresso do Estado Islâmico.
IMG - Minoo by Hejab Iran. Sítio muito sugestivo dedicado à moda islâmica.


OAM #111 13 MAR 2006

domingo, março 12, 2006

Strategic Foresight Group 1

 

Crash by Paul Haggis

As Grandes Questões do nosso Tempo


- Por Sundeep Waslekar

Parte 1: Os Negócios e a Periferia

O Strategic Foresight Group é um resultado da globalização do século 21. Existimos por causa da Internet, das chamadas telefónicas baratas entre continentes, e das baixas tarifas aéreas (ainda que estas últimas possam vir a mudar se se verificarem as expectativas de o barril de petróleo chegar aos $100). Nós temos colaboradores espalhados pelo mundo preocupados com a mudança dos paradigmas globais, e não apenas com as suas próprias geografias. Um deles, o Dr. Frank-Jurgen Richter é um alemão, que vive em França, tem escritório na Suiça, e é especialista em assuntos chineses. O Sr. Sompal tem casa na India e trabalha no Rwanda, viajando constantemente de um país para o outro, para ajudar o Presidente Kagame a fazer reviver a agricultura naquele país. Eu conferencio regularmente com SAR o Príncipe Turki al Faiçal, Embaixador Saudita no Reino Unido, agora provavelmente a caminho dos Estados Unidos, nas reuniões do Forum Económico Mundial em Davos e no Mar Morto. O Sr. Graham Watson, um líder político britânico do Parlamento Europeu em Bruxelas, colabora connosco no envolvimento do Primeiro Ministro Erdogan e outros dirigentes a Turquia.

Nós não somos de forma alguma os únicos a beneficiar da globalização. Recentemente Semu Bhatt, minha asistente especial, que adora ir às compras, decidiu interromper uma conferência sobre terrorismo para espreitar o comércio local. Verificou então que as lojas de Colónia estavam cheias de produtos oriundos da India e dos países vizinhos desta.

Quando o furacão Katrina atingiu a costa do Golfo nos Estados Unidos, o Sri Lanka contribuíu para os esforços de auxílio, ao mesmo tempo que procurava a mediação norueguesa para resolver o seu conflito étnico interno.

Se a globalização gera um mundo de oportunidades, porque é que atrai ao mesmo tempo uma oposição tão virulenta? Há alguns meses, a BBC World Television organizou um debate em telefónico sobre a globalização. Durante os 60 minutos do programa, todas as chamadas sem excepção testemunharam sentimentos de repúdio pela globalização e pelas instituições que a simbolizam.

Para entender as contradições do mundo actual, precisamos de um novo quadro analítico. Cada país individualmente e o mundo no seu conjunto, estão divididos entre a classe dos negócios (business class) e a periferia (periphery). A classe dos negócios inclui as pessoas com acesso à Internet no trabalho e a electrodomésticos nas suas cozinhas, que viajam de avião com regularidade (embora não necessariamente na Classe Executiva) e que têm amigos ou contactos profissionais no estrangeiro. Os restantes formam a periferia. A periferia pode em alguns casos subdividir-se em múltiplas categorias. Mas apenas a classe dos negócios participa na globalização.

Na India e na China — dois países projectados como as novas estrelas da economia mundial — a classe dos negócios constitui uns meros 2.2% e 6% das respectivas populações. Nos Estados Unidos corresponde a 60% da população. Em países como o Bangladesh, Urzebequistão e Nepal, a classe dos negócios não vai além de 1%. Em Dhaka, no Bangladesh, surgiu um novo centro comercial — Vasundhara. À primeira vista ele projecta a imagem de uma economia vibrante, com um mercado dinâmico. Mas observando para lá da superfície apercebemo-nos de que os frequentadores de Vasundhara são senhores feudais oriundos do mundo das ONGs, exportadores, funcionários governamentais e políticos. Um habitante típico e feliz do Bangladesh trabalha numa fábrica de vestuário, rodeada de arame farpado, ganhando um dólar por dia. Um Bangladeshi tipicamente infeliz trabalha num arrozal sonhando com um emprego numa fábrica de vestuário rodeada de arame farpado.

A globalização está confinada à classe dos negócios de cada país. As pessoas incluídas na classe dos negócios de cada país conjugam-se entre si formando uma classe dos negócios global. Cuidam umas das outras para além das suas lealdades nacionalistas e religiosas. Por exemplo, as montras das lojas de Milão exibem alguns dos produtos mais luxuosos que se conhecem. Não muito longe, em colónias residenciais, os italianos vivem em casas degradadas. Claro está que estes italianos não têm dinheiro para comprar imagens de moda (fashion statements). Aquelas lojas existem para fornecer a classe dos negócios que voa de Seul e Dubai para Moscovo e Lagos.

Não é apenas em países como a India e a China ou a Russia e a Nigéria que a pequena e espevitada classe dos negócios causa ressentimento na periferia. Também na Europa e nos Estados Unidos a periferia está confrontada com uma negligência crescente. No entanto, a periferia nestes países é comparativamente menor. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 112 milhões de famílias, 30 milhões ganham menos de $2000 por mês. A maioria destas últimas não tem automóvel nem máquinas de lavar. Estamos a falar de um em cada quatro americanos. O furacão Katrina com a sua acção devastadora expôs a situação económica de alguma desta gente que vive na periferia. A verdade sobre a vida de um terço das pessoas que vivem na Louisiana, Mississipi, Kentucky e ainda na maioria das regiões interiores dos Estados Unidos é desconhecida. Mas não é preciso ir tão longe para entendê-la. Basta uma visita aos vários segmentos da classe trabalhadora no Cairo ou Rio de Janeiro.

Uma das grandes questões do nosso tempo é saber como se poderá tornar a globalização relevante para a população marginal do mundo. Não é uma questão de escassez ou de abundância de recursos. Nem sequer é uma questão de distribuição de recursos. A verdadeira questão é saber como criar uma real liberdade de oportunidades, a partir da qual as pessoas, e não apenas o capital, possam retirar benefícios efectivos da sua participação na economia.

Se a globalização das oportunidades continuar divorciada dos mais de 80% das pessoas que vivem na periferia global, a globalização do risco expandir-se-á. Nos últimos dez anos, durante os quais a globalização assistiu a uma expansão sem precedentes, os terroristas infligiram mais de 20 mil ataques. Hoje, existem mais de 190 grupos terroristas, autónomos e fortemente organizados, espalhados pelo mundo, quase tantos quantos os países pousados no assador das Nações Unidas. Esses grupos atraem recursos humanos e financeiros de uma manta de criminosos e extremistas e simpatia de um espectro muito mais amplo de desesperados. Claro está que muitos grupos terroristas são apenas braços executivos de homens poderosos que instrumentalizam as ideologias e o desemprego para protestar contra o poder da classe dos negócios, embora o que realmente desejam seja poder para eles mesmos. A periferia é espremida por todos os lados — pela classe dos negócios global que a negligencia e pela classe criminosa global que lhe presta atenção para depois a explorar severamente.

Nós, no Strategic Foresight Group estamos conscientes da responsabilidade de pertencer à classe dos negócios global. Dedicamo-nos a projectar os pormenores da desgraça, causada pelas distorções dos padrões do crescimento e da governação, para assim alertar os decisores políticos, desejando ardentemente que eles façam tudo para provarem que estamos errados. Mas sabemos também projectar a esperança quando os decisores políticos optam por trajectórias correctivas. É uma estranha tarefa a nossa. Mas vale a pena se for um contributo para reduzir o abismo entre a classe dos negócios global e a periferia.



Sundeep Waslekar é o Presidente do Strategic Foresight Group, sediado em Bombaim. É um especialista em governação, conflitos, segurança global e regional, economia política — e filosofia política.

OAM #110 12 MAR 2006

sábado, março 11, 2006

Cavaco Silva 7

Cavaco eleito presidente

Novo Presidente espevita Sócrates



Convenhamos que o destino estava escrito nas estrelas. Cavaco foi sempre, como escrevi, a melhor expectativa de Sócrates. E irá fazer os impossíveis para que o actual Governo acelere sem hesitações o ciclo político de reformas estruturais iniciado (o seu a seu dono) por Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite.

O país progrediu muito desde 1974, sobretudo depois participar na fundação da União Europeia e ter beneficiado, a partir desta decisão histórica, de um caudal de financiamentos estratégicos único e provavelmente irrepetível. Cometeu, porém, alguns erros de palmatória: deixar crescer desmedidamente um Estado burocrático, preguiçoso, inculto, incompetente e irresponsável; alimentar de forma escandalosa o clientelismo político-partidário; fechar os olhos à corrupção; denegar os métodos e os meios à consolidação de um Estado de direito; permitir, em suma, e à laia de compensação pelos pecados anteriores, a persistência de um social-porreirismo nacional, segundo o qual todos nos habituámos a não ter regras de conduta nem respeito pelas leis. A confrangedora ineficácia da Justiça e os carros em cima dos passeios são dois elucidativos exemplos do nosso indisfarçável terceiro-mundismo.

Como se não bastasse tudo isto, e ao contrário, por exemplo, do que sucedeu em Espanha (durante a decisiva década de Filipe González), faltou a Portugal uma verdadeira estratégia pós-revolucionária. As diferenças no interior da classe política, e sobretudo a sua extrema imaturidade, foram realmente um obstáculo intransponível a uma definição oportuna das nossas prioridades pós-ditatoriais e pós-colonais. Mário Soares esteve empenhado na transferência de poderes para a sociedade civil democrática (partidos políticos, imprensa, sindicatos, etc.) Cavaco apostou sobretudo na recuperação dos atrasos económicos estruturais e no aligeiramento do excessivo peso do Estado na comunicação social e nalguns sectores económicos. Guterres, contrariando todas as expectativas, deixou o País à deriva. E Durão, goste-se ou não da sua ida para Bruxelas, começou o novo ciclo pedagógico da nossa ainda atribulada democracia (quando a comparamos com os modelos europeus mais avançados, claro). A partir do seu breve governo foi-se impondo a ideia de que o nosso destino colectivo tem que basear-se num regime de verdade, de transparência informativa e de pragmatismo, na co-responsabilização institucional e cívica dos diversos actores do nosso dia-a-dia, e numa rigorosa separação dos poderes (de que o escândalo em redor das práticas de pedofilia com menores da Casa Pia viria a ser o caso simultaneamente mais traumático e revelador). A José Sócrates cabe agora prosseguir (e não deixar regredir) o novo ciclo estratégico da democracia portuguesa. A situação económica e sobretudo financeira do País, mais a falência anunciada do nosso sistema de segurança social, empurram-no na direcção certa. Mas porque os remédios a administrar são amargos e inesperados, ele precisa de um bom apoio na Presidência da República. Quer dizer, de um apoio exigente, do género, quando o Primeiro Ministro diz - mata!, o Presidente diz - esfola!

Mas haverá também, na filosofia social-democrata da actual Presidência da República, algumas diferenças críticas importantes relativamente à filosofia liberal da Presidência do Conselho de Ministros. Por exemplo, a necessidade de respeitar os parceiros sociais na definição de uma estratégia económico-social activamente participada, ou a assunção de que o futuro do País não depende mais de trabalhadores analfabetos auferindo salários de miséria, nem de regimes laborais sem lei nem roque. Por outro lado, na política externa, haverá que afinar o discurso de Freitas do Amaral na direcção certa, isto é, na direcção do nosso original atlantismo (pois não devemos confundir a América com um imbecil chamado George W. Bush). Em matéria de Defesa, por sua vez, teremos que enveredar rapidamente por uma especialização militar que faça sentido (i.e. que passe necessariamente pelo reforço dos meios militares navais e aero-navais). Por fim, no que respeita à dignidade do regime democrático, precisamos de regras claras e de transparência processual na angariação e afectação dos recursos humanos e materiais da Administração Pública.

Eu creio que Cavaco Silva não vai deixar de lutar por estes desideratos. E creio também que o fará usando métodos bem mais eficazes do que as litanias em que acabaram por transformar-ser boa parte dos discursos presidenciais.

Sintomas:

1 - Parlamento electrónico? A miserável página web do nosso parlamento nem sequer publica o discurso de posse de Cavaco Silva, resolvendo antes destacar apenas o discurso do Presidente da Assembleia da República e uma exposição patética chamada "O Poder da Arte". Bem vistas as coisas, um parlamento com menos 10% dos actuais deputados libertaria os recursos (e as necessidades....) suficientes para a criação de um mais do que necessário e eficiente parlamento electrónico. Não haverá uma verbazinha no Plano Tecnológico para isto?
2 - Falta de chá: houve uns deputados mal educados que resolveram ficar sentados e não aplaudir o discurso da tomada de posse do novo Presidente da República. Mas nem por isso faltaram aos pasteis de bacalhau pagos pelos nossos impostos (e bem!) durante a recepção oferecida pelo novo presidente no Palácio da Ajuda.
3 - Já viram o novo sítio Web da Presidência da República? Vale a pena compará-lo com pastelão do Plano Tecnológico

O-A-M #109 11 MAR 2006