Trocar a Opel por turbinas eólicas?
As acções da General Motors e da sua subsidiária financeira GMAC - General Motors Acceptance Corporation, têm vindo a cair aos trambolhões desde 2004. Hoje fazem parte daquele lixo financeiro a que os americanos de Wall Street chamam junk bonds. Assim sendo, só muito dificilmente o histórico fabricante de automóveis poderá sobreviver sem a sua subsidiária financeira, de onde obteve grande amparo económico, sobretudo durante a década dourada da especulação imobiliária. Como a GMAC atravessa momentos de extrema dificuldade, devido nomeadamente ao abrandamento e previsível fim da bolha especulativa do sector imobiliário, bem como à subida consistente das taxas de juro nos EUA e na Europa, o binómio não parece nada prometedor! Como escreve Gail MarksJarvis no Chicago Tribune de 24 de Março 2006, Actualmente, as obrigações (da GMAC) com vencimento em 2014 estão a ser vendidas or 89 cêntimos de dólares. Numa situação típica de declaração de falência, os detentores de títulos receberão à volta de 40 cêntimos de dólar.
O fecho iminente da fábrica da Opel na vila portuguesa da Azambuja e a sua anunciada transferência para a cidade espanhola da Saragoza, apesar dos incentivos governamentais (43 milhões de euros para se instalar em Portugal, além de benefícios fiscais e apoio à formação que ultrapassaram os 80 milhões de euros), traduz, da parte da GM, uma necessidade urgente e inadiável de reportar às autoridades financeiras e agências de rating estado-unidenses e internacionais cortes significativos nas suas responsabilidades com o capital humano (salários, férias, seguros, segurança social e pensões de reforma). Tal como está a situação no grupo General Motors, talvez não adiante. Mas uma coisa é certa: com ou sem a falência anunciada deste gigante do século 20 (ainda haverá muita engenharia financeira pela frente..), dezenas de unidades fabris e milhares de trabalhadores em todo o mundo irão ser atingidos pela dramática crise da GM. A fábrica da Opel na Azambuja tem os dias contados.
Que fazer?
Este artigo ocorreu-me quando lia o célebre livro de Lester Brown, Plan B, cuja versão portuguesa será apresentada no próximo mês de Outubro em Trancoso, durante a realização do Tribunal Europeu do Ambiente, sob os auspícios da respectiva Câmara Municipal e da Fundação Arte Ciência e Tecnologia - Observatório. A passagem do livro que aguçou a minha curiosidade foi esta:
Segundo consultor de energia Harry Braun, uma vez que as turbinas eólicas são semelhantes aos automóveis, na medida em que cada unidade dispõe de um gerador eléctrico, de uma caixa de velocidades, de um sistema de controlo electrónico e de um travão, será possível produzi-las em série numa cadeia de montagem. (...) O baixo custo associado à produção em massa poderia baixar o custo da electricidade gerada pelo vento para valores abaixo dos 2 cêntimos de dólar por Kw/h Lester R. Brown, Plano B 2.0
Se a Opel sair da Azambuja antes do prazo celebrado em contrato com o Governo português, a GM deverá cumprir as cláusulas penalizadoras previstas, e no mínimo devolver a parte correspondente dos benefícios fiscais e de apoio à formação profissional recebidos. Com o patrocínio do Governo de José Sócrates, seria então possível a formação de um novo consórcio com o objectivo de retomar o complexo da Opel para outro fim. Não seria difícil obter um bom preço pelas instalações (e mesmo algumas máquinas), sobretudo se a perspectiva da falência mundial da General Motors se vier a confirmar ao longo de 2007. Talvez agora, quem sabe, Patrick Monteiro de Barros pudesse finalmente servir o seu país, desenhando um ambicioso projecto industrial associado à produção em série de turbinas eólicas de alto rendimento! Haveria certamente empresas interessadas no consórcio (EDP, SHELL, General Electric, Siemens Windpower, Vestas Wind Systems, ABB, etc.) Em vez de um cluster automóvel antiquado, teríamos um cluster revolucionário, associado a uma indústria no seu início, com um largo futuro pela frente, capaz de reformar radicalmente toda a zona industrial da Margem Sul. O Grande Estuário, uma tempestade mental que eu e outros sonhadores vimos alimentando desde 2005, prevê que a grande metamorfose de Portugal, na sua adaptação ao século 21, passa por aumentar radicalmente as competências das autarquias municipais (e dos governos regionais) e por criar uma grande região macropolitana Lisboa e Vale do Tejo, estendendo o centro da cidade para a margem Sul do Tejo e criando uma grande capital europeia nas duas margens do rio... , com a missão histórica de se tornar uma das primeiras grandes regiões de desenvolvimento pós-carbónico do mundo. Mais ambicioso ainda: deveríamos candidadar Lisboa aos Jogos Olímpicos de 2020, fazendo confluir nessa grande realização o novo ciclo de desenvolvimento do país. Uma das estratégias fundamentais para a Margem Sul passa, precisamente, por requalificar o seu caótico e mal tratado tecido urbano e arquitectónico, e por redireccionar a sua vocação industrial para a economia da sustentabilidade, das energias renováveis e do conhecimento!
Um exemplo... a Dinamarca.
A Dinamarca (sem a Gronelândia) tem menos de metade da superfície de Portugal, tem sensivelmente metade da nossa população, tem um PIB ligeiramente inferior ao de Portugal $187.721.000.000 USD contra $203.947.000.000 USD , mas detem um PIB per capita que é quase o dobro do português: $34.600 contra $19.300 (a Europa a 25 detem um PIB/capita de $28.100). Pois bem, este pequeno e rico país europeu é actualmente o maior produtor mundial de turbinas eólicas! Detêm 40% do mercado mundial e emprega, só na Dinamarca, 20 mil pessoas neste sector. O cluster de Investigação e Desenvolvimento (I&D) associado a esta notável performance tem já 25 anos de rodagem e conta, no sector envolvente à produção de turbinas eólicas, com mais de 150 investigadores dedicados às áreas da meteorologia, fadiga de materiais, aerodinâmica e dinâmica estrutural, interacção de grelhas, etc. Em 2002, para dar impulso, estratégia e sustentação a este objectivo, foi criado o Consórcio Dinamarquês para a Energia Eólica, que conta aliás com um notável sítio na web.
Mais de 100 mil dinamaqueses investiram nesta nova economia, que é bem mais do que uma simples indústria, e muito mais do que uma agência de importação de materiais e know how subsidiário. Há 5500 turbinas instaladas, que geram 3.100 MW de energia eléctrica. 75% destas turbinas são propriedade privada. Em 1983 a Dimarca não produzia nenhuma energia eólica. Em 2004, 20% da sua energia eléctrica tinha origem no vento, contra uma média europeia de apenas 2,4% (em Portugal, no mesmo ano: 1,8%; e em 2005: 3,6%). Para o ano de 2008 a Dinamarca prevê que 25% da sua energia eléctrica terá origem eólica, subindo para 35% em 2015.
Nos últimos 25 anos o custo de produção da energia eólica caíu 80%. O bonito da coisa é que continuará a decrescer nas próximas décadas. Associada ao desenvolvimento desta tecnologia virá uma aceleração sem precedentes da tecnologia de acumulação energética em baterias de hidrogéneo. O vento, como o Sol, as ondas do mar e os vulcões que fervilham nos Açores não se esgotam como se estão a esgotar o carvão, o petróleo e o gás natural. Não produzem gases que agravem o efeito de estufa e as doenças respiratórias. Não causam, ou não deverão causar, guerras, pois, ao contrário do petróleo e do gás natural, existem por toda a parte. E além do mais, Portugal é um país especialmente favorecido por todas estas novas fontes energéticas. Falta-nos apenas a ambição... e uma reciclagem urgente da nossa classe política.
Deal for GMAC stake doesn't protect bonds
by Gail MarksJarvis, in Chicago Tribune, March 24, 2006
GMAC is not struggling financially like GM. But GM, which lost $10.6 billion last year and is trying to restructure, owns GMAC, so their financial futures are intertwined.
Bankruptcy experts say that as long as GMAC remains with GM, the lending business can be held responsible for GM's financial obligations, such as pension liabilities. So both have junk bond ratings. GM's rating is worse than GMAC's.
Analysts have speculated that if a majority interest in GMAC is sold, it might be able to avoid GM's problems if the automaker ends up filing for Chapter 11 bankruptcy. But analysts have grown concerned as General Motors continues to seek a partner.
Moody's analyst Mark Wasden said he is no longer confident that a highly rated entity like a large bank will buy the controlling stake of GMAC. And if that doesn't happen, GMAC's credit rating will likely stay below junk status.
Wasden said he is concerned about the lack of progress in concluding the sale as well as by GM's deteriorating condition.
"With the passage of time, the transaction has become more complicated than anticipated," he said.
This week, Moody's announced that it was placing GMAC on "watch" for a downgrade.
If the GMAC deal doesn't happen, he said, the bonds investors now have could sink to a lower level of junk, likely eroding their holdings.
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COMENTÁRIO
Muito bom o teu artigo sobre a GM e o aproveitamento das linhas de montagem das fábricas de automóveis que fiquem paradas. O caráter positivo do artigo, apontando uma alternativa clara de estratégia de desenvolvimento para Portugal, com exemplos concretos, é particularmente feliz, na linha, aliás, do livro do Lester Brown. Pena que, entre tantos países citados no Plan B 2.0, a propósito das práticas e apostas sustentáveis na área dos recursos energéticos, nem uma só vez apareça o nosso. Um pinzinho, uma bandeirinha pequena que fosse a assinalar alguma iniciativa que servisse como sinal de que estamos vivos para além do futebol, despertos para a nossa própria riqueza em vento e mar (pelo menos) - como isso me faria orgulhoso!
Este é um "cluster" que abre muitas e boas perspectivas, em termos da discução de estratégias e políticas públicas que atirem o nosso desenvolvimento para a vanguarda da nova economia sustentável que irá surgir inevitavelmente dos escombros do fim que parece ser já o anunciar desta nova e provavelmente derradeira crise do petróleo.
Entretanto, não esquecer que em Portugal parece estar em desenvolvimento o primeiro projecto de exploração comercial de energia das ondas em todo o mundo. O potencial desta energia renovável parece ser tão grande ou maior que o da energia eólica - façamos pois figas para que o projecto em curso seja o início de algo importante nesta área também, não só com a instalação do Pelamis, como com a produção comercial futura no nosso país destas engenhosas boias aquáticas gigantes que mais parecem uma sequência de três salsichas metálicas flutuantes interligadas e que aproveitam a energia das ondas do mar para produzir energia eléctrica.
Querem algo mais fácil? Parques eólicos com torres aerogeradoras de última geração produzindo o equivalente de energia à produção de um poço de petróleo e parques de energia das ondas ao longo da nossa costa - será que não há por aí um Escolari qualquer com poder suficiente para mobilizar a massa cinzenta dormente desta malta da política e dos nossos queridos empresários para este novo e verdadeiramente emplogante campeonato? Aliem-se aos dinamarqueses, aos ingleses - façam qualquer coisa, caramba! Os golos estão aí, como não estavam há muito, para serem marcados! Que comece o campeonato! É gooooolo de Portugal!!!!!
Emanuel Cerveira Pinto
18 JUN 2006
COMENTÁRIO
Dos 192 países registados, Portugal encontrava-se em 2005 na posição 39 no que se refere ao seu Produto Interno Bruto per capita por Paridade do Poder de Compra (PPC). No entanto, no que se refere à sua performance futebolística, encontra-se (para já...) na posição 16... Ora bem, aqui está um desígnio nacional que todos os portugueses entenderiam: colocar o nosso PIB/capita (PPC) na mesma posição do futebol, i.e., subir no prazo de uma década, 23 lugares na escala mundial do rendimento médio individual.
Embora tenha piorado no seu protagonismo futebolístico, a Dinamarca, no que ao PIB/capita (PPC) se refere, estava em 2005 na oitava posição do ranking planetário. O futebol e os países não se medem aos palmos!
Antonio Cerveira Pinto
18 JUN 2006
OAM #127 17 JUN 2006