quinta-feira, agosto 10, 2006

Israel-Libano 4

Guterres. C Refugiados
Antonio Guterres no lançamento do futuro Centro de Acolhimento de Refugiados

Como estamos a receber os refugiados libaneses?


Chama-se Rania Safar, libanesa, da comunidade cristã-muçulmana da zona Oeste de Beirute. Tem 32 anos, estudou nas universidades de Beirute e Paris, formou-se em Jornalismo, possui um diploma de estudos avançados em Ciências Políticas e um mestrado em História e Geografia. Deixou o Líbano no dia 11 de Julho de 2006 para assistir a uma conferência em Marrocos, onde deveria ter permanecido três dias. Chegou a Lisboa no dia 27 de Julho, Quinta-feira.

Recomecemos: a 12 de Julho o Hezbollah ataca uma patrulha israelita que circulava em território palestino ocupado. Do recontro resultam 3 militares israelitas mortos e dois prisioneiros. Israel recusa uma proposta de troca destes prisioneiros por prisioneiros do Hezbollah e exige a libertação incondicional dos militares israelitas. O Hezbollah rejeita a exigência do governo de Israel. No dia seguinte, 13 de Julho, pelas 06h00, a aviação israelita bombardeia com mísseis o aeroporto internacional de Beirute. Às 07h30 o aeroporto é encerrado sine die. Na impossibilidade de voar para Beirute, Rania decide seguir para Lisboa, onde a espera uma amiga libanesa, refugiada da anterior guerra israelo-libanesa (1982).

A 2 de Agosto de 2006 Rania entrega um pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados
do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). Compareceu no SEF no dia 8 de Agosto. Foi convidada a comparecer de novo naquele serviço no próximo dia 25 de Agosto...

Rania dirigiu-se aos serviços portugueses responsáveis por este tipo de situações. Mas alguns outros refugiados não o fizeram, nomeadamente por temerem um repatriamento forçado, causado eventualmente pela improbabilidade de poderem satisfazer todos os requisitos da Lei de Asilo. Fiquei por conseguinte a saber que chegaram a Portugal, no mínimo, uma dezena de refugiados da guerra actualmente em curso no Líbano.

Curiosamente, os média convencionais ainda não se fizeram eco desta situação, embora destaquem diariamente a crise libanesa e o drama humanitário que se vive naquele país mediterrânico. Ouvimos falar da AMI e dos seus peditórios, do vanguardismo do actual ministro da Defesa (que resolveu anunciar extemporaneamente a sua vontade de enviar militares portugueses para uma eventual força de interposição no Sul do Líbano!), da quebra de neutralidade portuguesa no conflito (autorizando a aterragem na base militar das Lages de um avião militar israelita), mas, curiosamente, ainda não ouvimos o governo anunciar a sua disponibilidade para bem receber eventuais refugiados da guerra em curso no Líbano que eventualmente se dirijam para o nosso país.

A crise energética actual tenderá a agravar-se ao longo de todo este século. Muitos são os que duvidam da possibilidade de reconverter o actual paradigma energético e o actual modelo económico global (baseado no crescimento e consumo permanentes) nos próximos 20 ou 30 anos. Assim sendo, a actual instabilidade mundial tenderá a ter como sua principal zona nevrálgica todo o Médio Oriente. Nesta circunstância, o Mediterrâneo e a Europa serão inevitavelmente palcos de tensões, conflitos bélicos e crises humanitárias. Portugal e a Europa devem pois preparar-se quanto antes para a longa emergência que nos espera a todos.

Em matéria de política, diria que Portugal deverá promover uma posição europeia de consenso sobre as questões essenciais. E em matéria de energia, a questão essencial é o direito de toda a humanidade ao uso racional, ponderado e justo dos recursos disponíveis, sem divisões pela força, nem chantagens de qualquer tipo.
Em matéria de solidariedade global, diria que Portugal tem que olhar para as suas prioridades (que são, na realidade, as mesmas de toda a Europa) e tornar pública, transparente, estável, expedita e humana a sua acção, dentro e fora das suas fronteiras. A aplicação das leis, nomeadamente as que se referem ao asilo e acolhimento de refugiados, será a primeira pedra de toque do nosso real comprometimento com as responsabilidades que nos esperam.

Observemos pois como vai lidar o actual governo socialista com a crise humanitária e política gerada pela invasão do Líbano.


Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Conselho Português para os Refugiados
Refugiados.net



OAM #134 10 AGO 2006

terça-feira, agosto 08, 2006

Cuba 1

Fidel Castro e Joao Paulo II, Cuba, 1998
Papa João Paulo II, de visita a Cuba, em 1998, condena o Embargo dos EUA

A manobra cubana de Condolezza Rice


Filho ilegítimo de um imigrante galego, instruído por jesuitas, advogado e doutorado em Direito, Fidel Castro não poderia ter combinado melhor o gene paternalista e autoritário do Noroeste ibérico com o peso da bastardia — arrastada até aos 17 anos de idade —, a sabedoria perversa da congregação de Jesus e a manha político-diplomática aprendida no estudo das leis. Como se isto não bastasse para formar um político de gema, Fidel Castro aprendeu tudo o que havia a aprender no manejo de armas de fogo e nas tácticas de guerrilha — e leu ainda as funestas teorias leninistas e trotskystas sobre a ‘violência revolucionária’ e o ‘humanismo burguês’. Das 20 mil vítimas da sua longa revolução (1959-2006), 16 a 18 mil foram executadas na sequência da ofensiva de 1958, sendo as restantes alvos de assassínios extra-judiciais, desaparecimentos e mortes em cativeiro — a cargo de guardas prisionais ou da falta de cuidados médicos apropriados.

Esta contabilidade sinistra fica, todavia, muito aquém da monumentalidade das carnificinas e do inominável sadismo que caracterizou a selvajaria civilizacional do século 20: revolução mexicana, revolução russa, guerra sino-japonesa, duas guerras mundiais, nazismo, estalinismo, revolução chinesa, guerra civil espanhola, guerra da Coreia, guerra do Vietnam, regime de terror de Pol Pot, ditadura de Suharto, guerras israelo-árabes, guerra Irão-Iraque, fragmentação da Jugoslávia, as duas guerras contra o Afeganistão, Chechnya, Ruanda, Congo, Angola, Libéria, Etiópia-Eritreia, Sudão, Tailândia, guerras do Iraque 1 e 2,...

Comparado com o que ocidentais e orientais, árabes, judeus, cristãos e indus, democratas, comunistas e fascistas foram capazes de fazer, em número e barbaridade, ao longo de todo o século 20, é preciso dizer que o regime de Fidel Castro, apesar do mal que fez, merece indubitavelmente a consideração de algumas atenuantes.

Ninguém sabe ao certo se a rigidez do regime teria acabado mais cedo, não fora a proverbial falta de jeito e mão dura da América de John Foster Dulles, Henry Kissinger, Robert McNamara, Caspar Weinberger, George Shultz, Dick Cheney e Donald Rumsfeld.

Se o Embargo imposto pela super-potência a Cuba, a partir de 1958, não tivesse ocorrido, talvez não se tivesse seguido a célebre crise dos mísseis de 1962, e o posterior agravamento do embargo, que dura, é bom lembrar, até aos dias de hoje. Os americanos deixaram de comprar açucar, charutos e serviços aos cubanos. Mas não só. Também tentaram impedir o resto do ‘mundo livre’ de negociar com este pequeno país de 11 milhões habitantes! A brutalidade da medida é tão humilhante quanto ridícula vinda de quem vem: uma super-potência com mais de 250 milhões de habitantes, conhecida por alimentar ditaduras de conveniência em todo o planeta, assassinar líderes nacionais inconvenientes — Enrico Mattei em Itália, Allende no Chile, Jaime Roldós em El Salvador, Omar Torrijos no Panamá, etc. —, desenhar golpes de Estado e movimentos insurreccionais, provocar e fazer guerras um pouco por todo o planeta.

A condenação do embargo estado-unidense pelo Papa João Paulo II, na sequência de uma viagem estatégica a Cuba, mostrou ao mundo que aquele regime marxista foi, com grande probabilidade, um dos mais suaves da Guerra Fria, e que há algo bem mais profundo do que aquele verniz ideológico conjuntural: o catolicismo do povo cubano. O mundo deveria saber que Cuba foi e é desde sempre um país católico tradicional, que Roma não gostaria de ver subjugado pelo fundamentalismo evangélico, protestante e milenarista, que inspira a deriva imperial dos Estados Unidos, sob a batuta alucinada do falanstério que tomou de assalto a Casa Branca.

A pequena ilha fez frente ao grande vizinho e este, com um inqualificável mau perder, montou uma ‘Cuba livre!’ em Miami e prepara-se, no momento em que o velho timoneiro cede à doença e ao tempo, para desencadear uma ampla e desestabilizadora manobra diplomático-militar pelo controlo do petróleo e demais matérias primas de todo o continente americano (sim, do Canadá ao Chile!) A hipócrita, gananciosa e desumana América quer abrir uma nova e decisiva frente de batalha pelo domínio da América. Espero sinceramente que o tiro lhe saia pela culatra.

Aos neo-atlantistas falidos do meu país pergunto: e quando esta manobra ocorrer, de que lado estarão, e pretenderão que esteja Portugal?



NOTAS
Cuba sustentável. Com o fim a União Soviética, Cuba perdeu em apenas um ano 50% das suas disponibilidades petrolíferas! A sua adaptação a esta emergência energética está a ser um dos mais interessantes case studies sobre o destino das sociedades pós-petrolíferas. Vale a pena ler o Power Point Cuba — a Peak Oil Country (6.1Mb), elaborado por The Community Solution: The Solution to Peak Oil
Neoturismo em Cuba. Tomei uma decisão: a próxima viagem fora da Europa será a Cuba: Havana, Pinar del Rio, etc., tendo o cuidado de eleger o pacote mais favorável à economia local. Os agentes turísticos internacionais há muito que anteciparam este cenário (com especial destaque para espanhois e ingleses). No imediato, pode ser um importante canal de entrada de divisas num país que delas precisa desesperadamente. O turismo convencional é pura imbecilidade consumista, mas podemos escapar a este tipo de fatalidade e fazer das nossas explorações urbanas e campestres (locais, nacionais e internacionais) verdadeiras aventuras psicogeográficas, com um sentido preciso das nossas responsabilidades éticas e exigências estéticas. Eu quero conhecer as vegas onde se cultivam o tabaco e produzem os inesquecíveis puros cubanos, percorrer as ruas de La Habana, conduzir um daqueles milagrosamente conservados Buicks dos anos 50, pisar uma praia de areia branca e mar cálido e dançar por uma noite tropical adentro.

OAM #133 08 AGO 2006

sábado, agosto 05, 2006

Portugal 1

Os sete pecados mortais de um país

Segundo os valores estimados para 2005, dos 214 países considerados, mais de metade (110) crescia a valores do PIB entre 4% e 26,4%. Cresciam a 8% ao ano, ou mais, 24 destes países. A generalidade dos chamados países desenvolvidos crescia abaixo dos 4%. A União Europeia, por sua vez, crescia a uma média de 1,7% ao ano. Portugal, ocupando a posição 202 entre 214 países, crescia tão só a 0,30% ao ano...
Dizer que este país cresce abaixo da média da União Europeia é, como se vê, uma verdade piedosa sobre a crise que efectivamente atravessa. Piores que os lusitanos apenas há 12 países: Itália, Tanzânia, Niue, Dominica, Monserrate, Saint Kitts and Nevis, Guiana, Iraque, Malawi, Seychelles, Maldivas, Zimbabwe.

Não fora pertencer à União Europeia, Portugal estaria hoje à beira de convulsões sociais muito sérias. A prosperidade aparente de que goza deve-se, basicamente, a cinco causas principais: as remessas dos emigrantes portugueses residentes na União Europeia (que deixaram de ser contabilizadas como receitas de emigração...), os fundos comunitários, a economia informal e clandestina, o turismo e o endividamento imparável do Estado. A balança comercial tenderá, porém, a deteriorar-se no médio e longo prazo, por causas mais ou menos óbvias: valorização do Euro contra praticamente todas as outras moedas, deslocalização crescente dos investimentos dentro e fora da zona Euro, destruição interna das actividades alimentadas por trabalho intensivo, barato e de baixa produtividade e falta de competitividade dos custos de contexto: carga fiscal, preço da energia, excentricidade geográfica, falta de transparência estratégica do país e falta de qualidade do sistema judicial.

Deixando de lado o optimismo inconsciente de alguns governantes, conviria, antes de mais, identificar quais são efectivamente as causas principais do declínio relativo do país. O diagnóstico é mais ou menos conhecido:

  1. Um Estado obeso, tentacular, autoritário, ineficaz e com profundos veios de corrupção instalada

  2. Um bi-partidarismo efectivo, que foi sendo paulatinamente transformado num regime político de base endogâmica e clientelar, protegido por um tecto parlamentar aburguesado e retórico (de cujo atrofiamento político nem os pequenos partidos escapam)

  3. Um país dependente e ineficiente do ponto de vista energético, fruto de uma desorganização territorial escandalosa, a qual preside a um modelo de desenvolvimento local e regional basicamente assente na especulação imobiliária e na privatização da propriedade pública (baldios, espaço público urbano, etc.)

  4. Fragilidade extrema dos sectores primários da economia, sobretudo nas áreas da agricultura, aquacultura, silvicultura e pescas

  5. Manutenção de um sistema de ensino estatista, retórico, elitista, improdutivo, burocrático e sem objectivos

  6. Um sistema de Justiça incapaz, socialmente injusto e espartilhado entre corporações formadas no anterior regime

  7. Um sistema de saúde e segurança social todavia longe da eficiência esperada num Estado europeu competitivo


Embora não possa ser considerado um pecado capital, deve ainda assinalar-se como factor de entropia a falta de qualidade informativa e cognitiva dos meios de comunicação de massas. Esta fragilidade deriva em grande parte do modelos económicos das respectivas empresas e conglomerados, actualmente incapazes de manter-se sem recorrer a sucessivas engenharias financeiras que, na maioria dos casos, têm vindo a tecer uma crescente dependência dos principais média nacionais dos interesses económicos e políticos instalados. Em vez de um efectivo quarto poder, os média lusitanos transformaram-se, ao longo da década de 90, em meras agências de contra-informação dos lobbies dominantes. A omnipresença do futebol no imaginário quotidiano dos média portugueses, os frequentes assassínios de carácter promovidos pelas televisões e jornais, os chamados sound bites, as campanhas promocionais de projectos inviáveis ou injustificados pelas verdadeiras frentes de projecto público-privados (F3P), de que o caso da Ota é, de momento, o mais preocupante e revelador, ou ainda a difusão acéfala de produtos mediáticos destinados à pura anestesia social, revelam até que ponto o quarto poder deixou de contar como um desejável factor de desenvolvimento, cidadania e civilização.

Tudo isto é triste e vai tornar-se trágico à medida que a União Europeia for perdendo a sua unidade programática, seja pela manifesta incapacidade de redigir uma carta constitucional consensual, ou de alinhar uma estratégia defensiva comum.

Ou Sócrates percebe isto a tempo, ou Cavaco Silva acabará por ter a sua oportunidade presidencial.

Listagem de países por PIB (in CIA - The World Factbook)

OAM #132 05 AGO 2006

terça-feira, agosto 01, 2006

Israel-Libano 3

Caixoes Libano
O seguidismo europeu face ao trio Bush-Olmert-Blair só pode conduzir a Europa ao desastre.

Europa sem vergonha


Se todos sabíamos que Israel é há muito o cavalo de Tróia dos EUA no Médio Oriente (1), na realidade uma verdadeira extensão armada até aos dentes da América, ficámos agora a saber que o Reino Unido é o cavalo de Tróia dos EUA na União Europeia. A inacção desoladora da ONU, que nenhum dos grandes países e respectivos afilhados respeita, foi escandalosamente secundada pela mais humilhante derrota sofrida pela União Europeia naquela que teria sido a sua grande oportunidade para: 1) afirmar uma política externa comum — pelo menos no que se refere à assunção das leis humanitárias da guerra —, e 2) dar um passo de gigante na contenção do egoísmo expansionista dos EUA nas próprias fronteiras geo-estratégicas da Europa. Um Solana patético balbuciando coisas sem nexo foi tudo o que os Europeus obtiveram de uma cimeira uma vez mais obstaculizada pelo veto britânico do Sr Blair — a verdadeira besta actual da política externa europeia.

Como no Afeganistão e no Iraque, os burros do Atlântico (que se vêm pedantemente como estrategos atlantistas), temerosos de perder os despojos da vitória criminosa de Israel (que só terminará, nos planos estado-unidense e sionista, depois de um confronto militar com a Síria e com o Irão), e por outro lado em pânico com as possíveis interrupções dos fornecimenos do petróeo iraniano e do gás russo, já decidiram juntar-se todos na anunciada zona tampão entre o Norte de Israel e o Sul do Líbano. Vai ser um desastre para a Europa e um passo certo na direcção de uma prolongada guerra terrorista mundial entre o Eixo da Corrupção e o chamado Eixo do Mal.

Ou muito me engano, ou os democratas de todo o mundo passarão, mais cedo ou mais tarde, à clandestinidade, como única possibilidade de organizar um levantamento mundial contra o rapto das democracias — não pelo dito Eixo do Mal, mas pela Máfia Global que tomou conta dos governos ocidentais e dos principais canais de comunicação de massas.
Não será em meu nome que a barbárie montada pelo triunvirato da corrupção formado pelos EUA, Israel e Reino Unido continuará a assassinar centenas, milhares, milhões de mulheres e crianças por esse mundo fora!



NOTAS

1 — Esta hipótese, a que Noam Chomsky poderia facilmente aderir, foi recentemente contrariada num polémico, para não dizer incendiário, paper universitário de dois importantes académicos norte-americanos, John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt, e cujo argumento principal é a perda de autonomia estratégica da política externa dos Estados Unidos por efeito da influência que sobre ela exerce o lobby judeu liderado pelo American Israel Public Affairs Committee (AIPAC). A ser demonstrada esta tese, a América estaria confrontada com uma incerteza preocupante sobre o que tem determinado nas últimas décadas a prossecução dos seus interesses: se a sua democracia, ou se os interesses insinuados de outro país: Israel. Apesar das críticas sofridas a propósito de algumas inconsistências factuais, The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy é um documento de leitura obrigatória para quem quiser perceber o poder da direita judia americana na política dos Estados Unidos no Médio Oriente. A publicação da versão inicial deste estudo (10 Mar 2006) foi rejeitada pela revista que inicialmente o encomendou. Uma versão sem notas seria posteriormente publicada (23 Mar 2006) pelo London Review of Books, com o título The Israel Lobby

REFERÊNCIAS

14 AGO 2006 — Huge Buffer Zone Protects Us From Islamohordes, by Ted Rall.

NEW YORK--Whether by military occupation or political cooption, powerful nations create buffer zones to protect their core homelands. In 1823 the Monroe Doctrine declared the Western Hemisphere, including all of Latin America, off limits to interference by other nations--a policy enforced, for example, during the 1962 Cuban missile crisis. Pointing to the carnage they suffered during World War II, leaders of the Soviet Union said they required a "sphere of influence" in Eastern Europe in order to protect themselves from another German attack.
Currently Israel, a regional mini-superpower with nukes, is fighting to reoccupy its 15-mile-wide "security zone" in southern Lebanon to shield its population from Hezbollah rocket attacks. "We have no other option," said Israeli Defense Minister Amir Peretz.
Can invading or exerting political influence over another country ever be morally justifiable? If it can, how big a buffer zone is reasonable? The Bush Administration answered the latter question during an August 3rd hearing of the Senate Armed Services Committee. His answer was: 3,000 miles.


13 AGO 2006 — Triple Alliance: The US, Turkey, Israel and the War on Lebanon, by Michel Chossudovsky.

Those Western heads of State and heads of government who overtly support Israel's air raids and illegal occupation of Lebanon, are complicit in "war crimes" and "crimes against humanity." This pertains specifically to those Western political leaders who, at the outset of the war, turned down the "cease fire" proposal, which would have led to a halt to the Israeli aerial bombardments, largely directed against the civilian population.

06 AGO 2006 — Sempre é o petróleo! Embora inaugurado no passado dia 13 de Julho, o oleoduto que liga Baku (no Azerbeijão) a Ceyhan (na Turquia), passando por Tblisi (na Geórgia), só estará pronto, quer dizer, a debitar 1 milhão de barris de petróleo por dia, em 2009. Este oleoduto, conhecido por BTC, é uma operação liderada pela BP (British Petroleum), a qual detém 30,1% do negócio, contra 25% da AzBTC Co. (empresa petrolífera privada do Azerbeijão, na qual o Estado detem uma participação de 80%). Os restantes 45% repartem-se por algumas empresas bem conhecidas: Chevron (EUA, 2ª do respectivo ranking petrolífero), a cujo conselho de administração pertenceu Condolezza Rice, STATOIL (Noruega), TP (Turkiye Petrolleri), Eni (Itália), Total (França), ITOCHU e INPEX (Japão), ConocoPhillips (EUA, 3ª do respectivo ranking petrolífero) e Amerada Hess (EUA, 7ª do respectivo ranking petrolífero), dominada pela importante Hess Corporation, cujas relações com a Arábia Saudita e a própria família Bin Laden, nomeadamente na formação do consórcio Delta-Hess, foi objecto de conjecturas várias depois do 11 de Setembro. Percebe-se, agora, o afã do Sr. Blair em toda a conjuntura bélica do Médio Oriente. É a BP burro! E percebemos também a aliança guerreira entre os EUA e Israel, sobretudo se tivermos em conta que o novo pipeline (e o futuro gasoduto que corrererá paralelamente ao oleoduto) servirá sobretudo os mercados petrolíferos ocidentais: a Europa, os Estados Unidos e Israel! O Azerbeijão e a Geórgia, repúblicas ex-soviéticas do Mar Cáspio, autoritárias e corruptas, estão hoje sob protectorado dos EUA, e é pelos respectivos territórios que o oleoduto passa, antes de entrar na Turquia, país onde igualmente não existem quaisquer garantias democráticas, sendo conhecidas as perseguições desencadeadas contra os opositores turcos à iniciativa da BP.
Sobre esta vertente, até agora passada em claro, da guerra contra o Hezbollah e da destruição parcial do Líbano, vale a pena estudar esta passagem do oportuno artigo de Michel Chossudovsky, The War on Lebanon and the Battle for Oil:
“The bombing of Lebanon is part of a carefully planned and coordinated military road map. The extension of the war into Syria and Iran has already been contemplated by US and Israeli military planners. This broader military agenda is intimately related to strategic oil and oil pipelines. It is supported by the Western oil giants which control the pipeline corridors. In the context of the war on Lebanon, it seeks Israeli territorial control over the East Mediterranean coastline. In this context, the BTC pipeline dominated by British Petroleum, has dramatically changed the geopolitics of the Eastern Mediterranean, which is now linked , through an energy corridor, to the Caspian sea basin:

"[The BTC pipeline] considerably changes the status of the region's countries and cements a new pro-West alliance. Having taken the pipeline to the Mediterranean, Washington has practically set up a new bloc with Azerbaijan, Georgia, Turkey and Israel, " (Komerzant, Moscow, 14 July 2006)

Israel is now part of the Anglo-American military axis, which serves the interests of the Western oil giants in the Middle East and Central Asia
.”

Ver também o mapa do oleoduto, para perceber a verdadeira origem da actual guerra e do comportamento lamentavelmente hipócrita e oportunista da maioria dos países europeus.

03 AGO 2006 — Líbano: A Batalha da Percepção. Enquanto Israel (com o apoio activo de Bush e de Blair) prossegue a sua campanha terrorista no Líbano, um antigo negociador israelita e actual director do Reut Institute — Gidi Grinstein — fala do ’paradoxo 90-10’, segundo o qual, mesmo que Israel destrua 90% da capacidade militar do Hezbollah, os 10% restantes surgirão aos olhos da opinião pública mundial, e em particular dos mil milhões de muçulmanos que a formam, como uma vitória da resistência palestiniana ao sub-imperialismo israelita. Sem caças bombardeiros, nem helicópteros, nem navios, nem tanques, o Hezbollah surgirá aos olhos dos seguidores de Alá e de Maomé, sobretudo depois desta guerra, como o David que anuncia o fim de um intolerável Golias. O mundo cristão e o mundo ateu, tal como qualquer democrata civilizado onde exista, estão chocados com a destruição ilegal de um país por parte de uma potência nuclear impune, estão chocados com a extrema fragilidade da ONU, estão indignados com a arrogância dos EUA e do boneco inglês, estão horrorizados com as bombas de fragmentação e as bombas químicas lançadas por Israel contra os civis (sobretudo velhos, mulheres e crianças) do Líbano. Mais do que um conflito de civilizações (onde os corruptos de todo o mundo gostariam de meter cristãos e judeus de um lado, e muçulmanos do outro) o que realmente alastra nas consciências humanistas deste planeta é a rejeição da insustentável e criminosa geo-estratégia dos EUA e dos seus cavalos de Tróia: Israel e Reino Unido. Israel tem direito ao seu Estado, na condição de respeitar o território e o direito do anunciado, mas sempre boicotado, Estado da Palestina. Para acompanhar com independência de espírito a tragédia libanesa vale a pena seguir o artigo, em permanente actualização, que o Wikipedia vem publicando em vários idiomas sobre este tema. Ref.: NYT 03AGO2006

02 AGO 2006 — Quem atira a primeira pedra? Num comentário amigo a este post, cujo autor pretendeu manter o anonimato, pergunta-se: “Será que vamos arrastar esta guerra cruel das bombas e do entulho a todo o mundo antes de haver uma clarificação das alternativas? E quais são? Quem atira a primeira pedra?
Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que a primeira condição para actuar justamente é ver claro. Para ver claro, temos que procurar a informação e deixar de lado a guerra psicológica que actualmente controla a maioria dos grandes meios de comunicação de massas, entre os quais, a maioria dos miseráveis jornais e canais de televisão portugueses (que papagueiam toda a contra-informação que as ‘agências de comunicação’ e as chamadas fontes bem informadas lhes metem pelas goelas falidas abaixo). A outra condição é abandonarmos o complexo de culpa relativamente ao Holocausto, que fomos absorvendo acriticamente, ao ponto de temermos criticar o Sionismo criminoso que domina os destinos do Estado de Israel. Os holocaustos existiram e continuam a existir. Os judeus, mas também os arménios, os sérvios, os ciganos, os homossexuais, os mendigos e os declarados doentes mentais, entre outros, foram vítimas dos programas eugénicos de apuramento da raça humana praticados na Alemanha, mas também nos Estados Unidos, onde mais de 60 mil pessoas foram involuntariamente esterilizadas ao abrigo de uma cientologia racista e economicista, entre 1907 e meados da década de 70! A história da barbárie humana é um conto de terror sem fim. Os judeus não foram as únicas vítimas. E mesmo que tivessem sido, nada justificaria que alguns deles, hoje, autoproclamassem o direito de exterminar todos os vizinhos muçulmanos e árabes que atrapalhem a sede de espaço vital de um estado chamado Israel. Basta ler Noam Chomsky para perceber que denunciar o terrorismo de estado praticado fria e arrogantemente por Israel não pode ser confundido com anti-semitismo. Faz parte da propaganda Sionista de Israel confundir qualquer crítica ao seu comportamento criminoso com anti-semitismo. Mas a nossa obrigação é, como disse, ver claro...

“A primeira pedra” — 1) impôr o fim imediato das hostilidades no Líbano; 2) julgar e condenar o Estado de Israel pela sua conduta ilegal, reincidente, desproporcionada e terrorista durante a invasão e destruição do estado do Líbano; 3) julgar e condenar os Estados Unidos pela sua colaboração efectiva nesta operação brutal; 4) censurar o Reino Unido pela sua conivência com a política unilateralista e belicista dos Estados Unidos e de Israel; 5) restabelecer as fronteiras da Palestina e de Israel desenhadas pela ONU em 1948; 6) permitir a imediata constituição do Estado da Palestina no âmbito das definições essenciais de 1948; 7) envolver uma força militar e humanitária internacional independente na consolidação do novo Estado da Palestina. Qualquer solução passiva de compromisso, ou pior do que isso, diplomaticamente cobarde, não levará nenhuma solução estável e duradoura à Palestina israelo-árabe. Mas poderá fazer explodir o que resta dos barris de petróleo do Médio Oriente.

PS: A Espanha regressou a uma posição geo-estratégica inteligente, ao adoptar um distanciamento crítico perante a aliança corrupta entre Bush, Blair e Olmert. Esperemos que o recauchutado atlantismo lusitano não se venha a revelar como um imprudente baixar dos calções e como um oportunismo injustificável face à influência anglo-saxónica e texana sobre as nossas elites mais ignorantes. Olhem para o Brasil!


OAM #131 01 AGO 2006

domingo, julho 30, 2006

Israel-Libano 2

Lebanon destruction

Líbano: a oportunidade europeia


Much of the United States policy in the Middle East and Central Asia is guided by acquiring strategic depths before Russia, China and Iran acquire strength. Iran wants to build nuclear weapons before the US and Russia are able to dominate the region. China is quietly making inroads in much of Asia and Africa before the US firmly establishes its global dominance. It's not just the United States that is following a doctrine of pre-emption. China and Iran are playing the same game. Can some calculations go wrong when investors are most confident of global economic growth and political stability as they were in the years leading to the First World War?” In Strategic Foresight Group; The Big Questions of Our Time, Part 8: Ferguson's Fears


O território da Palestina, também conhecido ao longo da história como Filastïn ou Falastïn (da desaparecida etnia Filistina), ou ainda como Eretz Israel (Terra de Israel), foi secretamente negociado em 1916 como um Condomínio Aliado decorrente dos arranjos geo-estratégicos posteriores à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em 1917, Lorde Balfour enviou a célebre carta a Lorde Rothschild (líder da Comunidade Judia Inglesa e membro influente da Federação Sionista), na qual declarava a intenção da Inglaterra apoiar o desejo sionista de estabelecer uma pátria Judia (‘national home’) na Palestina. Em 1920 o Supremo Comando Aliado (Reino Unido, EUA, França, Itália e Japão) conferiu ao Reino Unido um mandato sobre toda a Palestina, embora sem definir os limites deste terriório. O Reino Unido, confrontado com a pressão da sua opinião pública (farta de pagar os elevados encargos do mandato), a desconfiança dos seus próprios aliados, que temiam pelas ambições coloniais inglesas na zona, o coro de protestos internacionais pela obstrução levantada pelos britânicos à deslocação dos refugiados judeus da Segunda Guerra Mundial para os territórios da Palestina, e o desgaste e humilhação impostos às suas tropas pelas acções terroristas dos grupos sionistas armados Irgun e Lehi, acabaria por anunciar o seu desejo de terminar o mandato na Palestina. Em 29 de Novembro de 1947 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a resolução 181, com base na qual o território da Palestina é dividido em dois estados (israelita e árabe), mantendo-se a zona de Jerusalém (incluindo a cidade de Belém) sob administração das Nações Unidas. Os sionistas agarram obviamente a oportunidade, enquanto os países árabes rejeitam o inacreditável mapa traçado em Nova Iorque (basta olhar para o que sucedeu entretanto a este mapa para perceber quais os desígnios últimos de Israel). O novo Estado de Israel é proclamado a 14 de Maio de 1948, um dia antes de o Reino Unidos terminar o seu mandato na Palestina. A guerra israelo-árabe seguir-se-ia de imediato, continuando até aos dias de hoje, sem solução à vista. Israel foi alargando agressivamente as suas fronteiras, tendo obviamente como objectivo estratégico expandir a jurisdição do Estado de Israel a todo o (difuso...) território da Palestina, incluindo as cidades santas de Jerusalém e Belém. É por isto mesmo, que o Hamas, o Hezbollah, a Síria e o Irão não vêem outra solução para zona que não passe pelo fim de um Estado artificial, só possível graças ao grande jogo das principais potências militares do Ocidente: a França, o Reino Unido e os Estados Unidos. O prémio deste grande jogo de estratégia é, para além de todas as outras considerações imagináveis (passagem do Suez, direitos humanos, democracia) a imensa riqueza petrolífera de toda a região do Médio Oriente, a qual se estende pela Arábia Saudita e Emiratos Árabes, Irão, Iraque, Afeganistão e zona do Mar Cáspio. Todo o século 20 esteve dominado pelo controlo desta matéria prima e fonte energética de primeira grandeza.

mapa


A agenda de Israel é clara: destruir a possibilidade de existência de um Estado Palestino e expandir o seu território por forma a ocupar não apenas todo o mapa da Palestina desenhado pela ONU, mas também, logo que houver oportunidade, estender o seu Lebensraum à Jordânia.
Perante estes desígnios, a agenda dos árabes da Palestina não pode deixar de contemplar a destruição do Estado de Israel como uma opção racional.
Este cenário de irredutibilidade recíproca é muito perigoso para o futuro da humanidade. Na realidade, a situação actual é muito diferente daquela que existia nos finais do século 19, no primeiro quartel do século 20, e mesmo durante todo o período compreendido entre a derrota nazi e a queda do muro de Berlim.

Por um lado, o fim da União Soviética lançou o Capitalismo na sua derradeira fase expansiva (globalização), libertando a lógica do valor usurário dos constrangimentos estratégicos e políticos que os estados nacionais lhe impuseram ao longo dos tempos. Por outro, deixou os Estados Unidos numa posição estratégica cada vez mais insustentável à escala planetária, na medida em que o fim da bipolarização Democracia vs Totalitarismo abriu uma verdadeira caixa de Pandora no tabuleiro planetário dos jogos de estratégia. De repente, dezenas de países do Terceiro Mundo começaram a sair das suas prisões de sub-desenvolvimento, caminhando para incrementos nos respectivos PIB muitíssimo superiores aos dos países do 1º Mundo (estamos a falar de taxas de 9, 13, 21 e 26 por cento, por comparação com as variações de 0,1 a 3,5 por cento dos chamados países desenvolvidos!) Finalmente, tudo isto ocorre à medida que a principal fonte energética do milagre económico do século 20 entra na sua fase declinante. As grandes reservas petrolíferas mundiais têm vindo a aproximar-se do topo da sua capacidade produtiva desde 1970! O peak of oil production que atingiu as reservas dos EUA, desencadeando a primeira grande crise petrolífera, em 1973, foi um aviso a que muitos não deram a importância devida. O problema agora é que o pico da produção mundial foi atingido no ano 2000!

Se tivermos presente, por exemplo, que em 2020 a produção petrolífera mundial andará pelos níveis da produção de 1980, que o petróleo barato acabou para sempre (sendo muito improvável que volte a descer abaixo dos 70 dólares...), e que, ao mesmo tempo, teremos que colocar nesta equação o crescimento da população mundial e os crescimentos económicos acelerados de países como a China e a India, mas também os dos 84 países que actualmente vêm os seus PIB crescerem a mais de 5% ao ano (ver CIA-The World Fact Book), poderemos facilmente perceber o nervosismo estratégico que percorre os centros de decisão da maioria dos países do planeta. O controlo das reservas mundiais de petróleo, gás natural, ouro, cobre, urânio, etc., já para não falar das florestas, solos agrícolas disponíveis, bancos de pesca e reservas de água potável, deixou de ser apenas um problema de acesso e gestão das garantias do crescimento (ou pelo menos de manutenção de um determinado status quo económico e cultural), mas também, e muito mais dramaticamente, um problema de sobrevivência dos próprios países. Se para crescermos, fizemos o que fizemos ao longo do século 20, imagine-se o que os países não poderão fazer para assegurar a sua própria sobrevivência.
Uma das soluções seria parar abruptamente, mas de forma assimétrica, o crescimento mundial! Quantos países poderão estar agora mesmo a pensar numa solução deste tipo? Eu diria que são muitos: o sr. Bush (e os chamados endtimers, que pelos vistos abundam na Casa Branca), o sr. Putin, o sr. Blair, o sr. Chirac, o sr. Hu Jintao, o sr. Ahmadinejade, o sr. Mujaraf e o sr. Ehud Olmert, entre outros possuidores de armamento nuclear e bioquímico de ponta.

É neste contexto que a guerra desencadeada por Israel contra o Líbano tem que ser estudada. Os EUA e o Reino Unido já demonstraram à saciedade a sua incapacidade para avaliar e gerir o presente curso da História. Multiplicaram estupidamente os teatros de operações anti-islâmicos, sem conseguirem ganhar nenhuma das guerras em que se meteram. Decepcionaram os seus aliados ocidentais. Afastaram da sua óbitra de simpatia a esmagadora maioria dos países do mundo. À medida que o caudal de erros estratégicos e tácticos aumenta, cresce, em resposta, a solidariedade muçulmana mundial, e mais países de outras órbitras estratégicas se aproximam do influente Crescente Islâmico. Quer dizer, para quem gostar de falar no choque de civilizações, é bom perceber que o poder de atracção do Islão tem vindo a aumentar rapidamente, ao passo que o bloco Cristão parece incapaz de demarcar-se do vanguardismo terrorista de Israel, deixando que o seu modo de estar no mundo e os seus objectivos estratégicos pareçam igualmente irreconciliáveis com a nova importância do Islão. Ora isto pode ser um erro trágico para a Europa!

Qana. Carolyn Cole / LAT
Qana: mulher e criança mortas por mísseis israelitas. 30 Jul 2006


A invasão da Faixa de Gaza, e depois do Líbano, sob pretextos absolutamente ridículos (o rapto do soldado israelita pelo Hamas sucedeu-se ao rapto de um civil palestiniano pelas tropas israelitas; e a acção do Hezbollah deu-se em território libanês ocupado por Israel) obedece a um plano de guerra preemptiva já conhecido e bem teorizado pelos think tanks que servem a perigosa administração Bush. Não sabemos, e só a história o dirá mais tarde, se foram os israelitas que adivinharam a vontade do Pentágono, ou se foi mesmo Condolezza Rice que instigou o plano de acção israelita. O resultado está, porém, à vista de todos: uma guerra ilegal, desproporcionada e terrorista, dirigida contra um Estado soberano, com o objectivo claro de desestabilizar toda a região do Médio Oriente, forçando a própria Europa a cair naquela que poderá ser uma das mais bem preparadas ciladas de sempre dos serviços secretos israelitas e norte-americanos. É bom que a Europa dos 25 se reuna, sim senhor. Mas atenção aos resultados da cimeira! A Europa não deverá aceitar, em caso algum, envolver-se em forças de interposição no Sul do Líbano, e muito menos aceitar como termo negocial a derrota do Hezbollah. O que a Europa deverá fazer é exigir o fim da agressão israelita e o regresso de Israel às fronteiras fixadas pela resolução 181 da ONU, em 1948, permitindo deste modo a efectiva criação de dois estados na Palestina: o Estado de Israel e o Estado da Palestina. Jerusalém, neste contexto, deveria transformar-se numa cidade-Estado independente, à semelhança de outros pequenos estados existentes no planeta. Aqui a Europa poderia comprometer a sua vontade e a sua honra, suportando inclusivamente parte dos importantes custos que uma tal decisão acarretaria. A missão da Europa, neste delicado caso, não será nunca a de fazer o trabalho sujo dos EUA e do seu sobrinho inglês. Mas antes a de garantir uma solução equilibrada na região, afirmando-se ao mesmo tempo como um vizinho cooperante do mundo árabe e muçulmano.

LINK 1 — Una historia de dos guerras, Loretta Napoleon, El País, 27 Jul 2006
LINK 2 — A história de Qana repete-se...
LINK 3 — Qana The Village of the Israeli Massacre
LINK 4 — Israel-Lebanon conflict - Wikipedia
LINK 5 — End-Timers & Neo-Cons; The End of Conservatives, Paul Craig Roberts, ZNet, 19 Jan 2005.

OAM #130 30 JUL 2006

quarta-feira, julho 19, 2006

Israel-Libano 1

Aeroporto de Beirute sob fogo israelita

Estado e Terrorismo


[21 Jul 2006] “Would you not agree that Muslim clerics in the Middle East (Sunnis and Shi`ites alike) expressed more outrage over Danish cartoons than over the destruction of Lebanon?” — As'ad AbuKhalil in The Angry Arab News Service

[25 Jul 2006] “[A] soldier is abducted from the army of a state that frequently abducts civilians from their homes and locks them up for years with or without a trial—but only we're allowed to do that. And only we're allowed to bomb civilian population centers . . . The concept that we have totally forgotten is proportionality. While we're in no hurry to get to the negotiating table, we're eager to get to the battlefield and the killing without delay.” — in Operation Peace for IDF, by Gideon Levy, HAARETZ.com


Apesar da antiguidade milenar do povo judeu, o moderno Estado de Israel é uma estranha novidade histórica. Na verdade, pode dizer-se que foi um invento recente da Federação Sionista, estrategicamente estimulada pelos súbditos bem avisados de sua magestade britânica (que não queriam judeus russos em Londres, mas queriam assegurar o controlo de uma zona rica em petróleo), com um primeiro grande impulso em 1917 e outro decisivo em 1948. A sua proto-história tem por conseguinte menos de um século, e a sua história uns escassos 54 anos de vida agitada e violenta. Percebe-se, pois, o remoque do senhor de Teerão quando diz aos ingleses e americanos, principais responsáveis do problema chamado Israel, que o resolvam.

Israel mostrou-se uma realidade difícil de digerir desde o primeiro minuto que pôs o pé nas areias áridas e pouco produtivas da Palestina. Os árabes começaram por lhe fazer a guerra assim que o novo Estado foi declarado. Diga-se, em abono da verdade, que Israel não contou nem com o apoio norte-americano, nem com os ingleses (que apoiaram tacitamente a frente árabe) para ganhar esta primeira guerra. As que se lhe sucederam, que também ganhou, fortalecendo sucessivamente a sua capacidade militar ofensiva e defensiva, foram contando progressivamente com o apoio cada vez mais explícito e prático do lobby judeu estado-unidense. Hoje é uma respeitável potência nuclear (com mais de 200 ogivas prontas a disparar!) O resultado destas vitórias foi, porém, um calvário para os povos árabes da Palestina. Divididos, desapoiados e humilhados, acabariam por enveredar pelas acções terroristas como principal táctica de oposição bélica ao novo país legalmente constituído. Israel decidiu responder com a táctica "olho por olho, dente por dente"... até que, mais recentemente, resolveu considerar que um judeu vale mais do que um árabe... e que dois soldados israelitas valem dez ministros do Hamas, a invasão e destruição de um país estrangeiro, centenas de vítimas civis e o terror de milhões de pessoas!

Israel deixou arrogantemente de respeitar a ONU, tal como o fazem todas as grandes potências quando lhes convém. Humilha sistematicamente as populações árabes da Palestina e os seus desgraçados e corruptos dirigentes. Invade os territórios e Estados vizinhos como se fossem casa sua. Por fim, perante a ameaça iraniana (estabelecer uma paridade nuclear naquela zona geo-estratégica), decidiu que chegara a hora de esclarecer militarmente um abcesso que ameaça, supostamente, a sua sobrevivência. A verdade é que a supremacia militar convencional, termo-nuclear, biológica e química de Israel e do seu principal patrocinador (os EUA) conduziu à expoliação e humilhação permanentes dos povos da Palestina, Irão e Iraque, não só ao longo de todo o século 20, mas sobretudo agora, quando a luta pelo controlo do petróleo e gás natural ameaça lançar o planeta numa tragédia inimaginável.

Esta é a primeira grande guerra entre judeus e muçulmanos no século 21. Devemos contudo olhar para ela como um episódio sangrento da guerra sem quartel que aí vem.

Não sabemos ainda se foram os Estados Unidos que envolveram Israel numa manobra de provocação contra o Irão. Se foi Israel quem programou subtilmente o envolvimento dos Estados Unidos numa confrontação próxima com o Irão. Ou se foi este último, como afirma o actual governo israelita, que preparou toda esta diversão e carnificina, com o objectivo de prosseguir a sua equiparação nuclear ao Estado de Israel, promovendo pelo caminho um afastamento mais decidido da China e da Rússia, dos Estados Unidos e da Europa.

Uma coisa é certa: a escassez anunciada do petróleo comandará os jogos de guerra mais próximos, tendo por teatro de operações privilegiado toda a zona compreendia entre o Irão, o Mar Cáspio e o Golfo Pérsico. Uma zona irresistível para os grandes especuladores, aventureiros, traficantes e assassinos.




Actualizações
[25 Ago 2006] Amnistia Internacional acusa Israel de cometer crimes de guerra e de terrorismo de Estado. In BBC online e Global Research.
[25 Jul 2006] É agora evidente para todos, depois das recentes declarações de Shimon Peres sobre o aniquilamento da Palestina (‘ou eles ou nós!’), da destruição sistemática das principais infra-estruturas do Líbano, dos bombardeamentos sucessivos contra alvos civis e do assassínio premeditado de quatro observadores das Nações Unidas (da China, Áustria, Canadá e Finlândia) estacionados no Sul do Líbano, que Israel se tornou, de facto, num Estado fora-da-lei. A situação é muitíssimo perigosa! A reacção da China perante a provocação assassina de Israel e dos Estados Unidos (que financia, arma e apoia descaradamente a fúria desesperada do estado Sionista) pode muito bem acelerar toda a actual conjuntura de pré-guerra global para o seu desencadear a curto prazo. Será que é mesmo isto que os Estados Unidos querem: antecipar uma guerra global, antes de a China poder chegar à paridade económica com a militarizada mas falida potência yankee? Vale a pena ler, entre outras referências, a entrevista a Noam Chomsky por Amy Goodman & Juan Gonzalez, no Democracy Now, bem como o artigo de Ken Silverstein no Harper's Magazine, We Fight Why? Israel's raid on common sense.

LINK 1 — A III GUERRA MUNDIAL JÁ COMEÇOU? — [13 Jul 2006] “Did World War III start yesterday morning? The great thing about predicting human events is that you are so often wrong. In this case, nothing would make me happier than to be in error. But, G-d help us all, I think the odds aren't that bad that I' m right. It is possible that yesterday morning, we started World War III.” In Sharon Astyk, Casaubon's Book.

LINK 2 — “The bombings of Lebanon are part of a carefully planned military agenda. They are not spontaneous acts of reprisal by Israel. They are acts of provocation.” In Global Research, Israeli Bombings could lead to Escalation of Middle East War, by Michel Chossudovsky.

LINK 3 — “Much of the United States policy in the Middle East and Central Asia is guided by acquiring strategic depths before Russia, China and Iran acquire strength. Iran wants to build nuclear weapons before the US and Russia are able to dominate the region. China is quietly making inroads in much of Asia and Africa before the US firmly establishes its global dominance. It's not just the United States that is following a doctrine of pre-emption. China and Iran are playing the same game. Can some calculations go wrong when investors are most confident of global economic growth and political stability as they were in the years leading to the First World War?” In Strategic Foresight Group; The Big Questions of Our Time, Part 8: Ferguson's Fears

LINK 4 — “NOAM CHOMSKY: Well, of course, I have no inside information, other than what's available to you and listeners. What's happening in Gaza, to start with that -- well, basically the current stage of what's going on -- there's a lot more -- begins with the Hamas election, back the end of January. Israel and the United States at once announced that they were going to punish the people of Palestine for voting the wrong way in a free election. And the punishment has been severe.

At the same time, it's partly in Gaza, and sort of hidden in a way, but even more extreme in the West Bank, where Olmert announced his annexation program, what's euphemistically called ‘convergence’ and described here often as a ‘withdrawal,’ but in fact it's a formalization of the program of annexing the valuable lands, most of the resources, including water, of the West Bank and cantonizing the rest and imprisoning it, since he also announced that Israel would take over the Jordan Valley. Well, that proceeds without extreme violence or nothing much said about it.

Gaza, itself, the latest phase, began on June 24. It was when Israel abducted two Gaza civilians, a doctor and his brother. We don't know their names. You don't know the names of victims. They were taken to Israel, presumably, and nobody knows their fate. The next day, something happened, which we do know about, a lot. Militants in Gaza, probably Islamic Jihad, abducted an Israeli soldier across the border. That's Corporal Gilad Shalit. And that's well known; first abduction is not. Then followed the escalation of Israeli attacks on Gaza, which I don't have to repeat. It's reported on adequately.
” In Noam Chomsky Website [U.S.- Backed Israeli Policies Pursuing ‘End of Palestine’; Noam Chomsky interviewed by Amy Goodman & Juan Gonzalez, in Democracy Now, July 14, 2006]

LINK 5 — “We can never allow an (alien) nation to live in the land (of Israel) as he will always make a claim to the land. The concept of transfer is the only future for the State of Israel. Transfer provides the solution for survival.” In Israel's Demographic and Security Challenge, Is Transfer the Only Rational Answer? By Bernard J. Shapiro

LINK 6 — “All of those people — millions in Ecuador, billions around the planet — are potential terrorists. Not because they believe in communism or anarchism or are intrisincally evil, but simply because they are desperate. Looking at this dam [Pastaza River, Ecuador], I wondered — as I have so often in so many places around the world — when these people would take action, like the Americans against England in the 1770s or Latin Americans against Spain in the early 1800s.” In John Perkins, ‘Confessions of an Economic Hit Man’

LINK 7 — “The wargame started with a crisis involving Iran which quickly escalated when the Tehran regime attacked shipping in the Persian Gulf; this in turn provoked a massive US naval response. As this conflict was developing, China attacked Taiwan, leading the US to split its forces in order to be able to respond to this additional challenge”. In Paul Rogers, The United States vs China: the war for oil, Open Democracy, 15 Jun 2006.

LINK 8 — “Is there a relationship between the bombing of Lebanon and the inauguration of the World's largest strategic pipeline, which will channel more than a million barrels of oil a day to Western markets?
Virtually unnoticed, the inauguration of the Ceyhan-Tblisi-Baku (BTC) oil pipeline, which links the Caspian sea to the Eastern Mediterranean, took place on the 13th of July, at the very outset of the Israeli sponsored bombings of Lebanon.
” In Michel Chossudovsky, The War on Lebanon and the Battle for Oil, Global Research, 26 Jul 2006.

LINK 9 — “The failure of the Rome summit on 26 July 2006 and the unwillingness of the United States to press for anything more than a minor pause in Israel's air offensive after the Qana tragedy on 30 July has not stilled the view in many western circles that the George W Bush administration will soon ensure a ceasefire in the Lebanon war. This ignores a key fact: Washington sees the war as a central part of the evolving global war on terror, with Israel as an absolutely vital part of that wider conflict.” In Paul Rogers, Lebanon: war takes root — The combination of United States global strategy, Israeli determination and Hizbollah resilience mean only one thing: a long war., Open Democracy, 03 Ago 2006.

Imagem: AP

Comentários não publicados: não darei seguimento a comentários acompanhados de links associados à guerra psicológica que acompanha a actual invasão do Líbano pelas tropas de Israel. Temos que impedir os falcões humanos de voar, mas sem cair na tentação de usar a pornografia do horror como arma de arremesso. AC-P

APELO DA AMNISTIA INTERNACIONAL

OAM #129 19 JUL 2006

segunda-feira, julho 10, 2006

Pamplona

Catia Coias - Pamplona

Largada Humana


Recebi uma nota da minha amiga e artista Cátia Coias sobre uma corrida de nus humanos contra a célebre largada de touros de Pamplona, que todos os anos leva milhares de turistas sedentos de uma prova de adrenalina proporcionada pela proximidade dos míticos animais —os touros— à capital Navarra. Há sempre feridos graves nesta loucura, que também se pratica em Portugal, nomeadamente na região do Ribatejo (Montijo, Alcochete, etc.), embora com menos profissionalismo comercial. A Espanha há muito que vende bem os seus produtos taurinos. Confesso que nunca me entusiasmaram, nem lá nem cá, sobretudo quando a faena é de morte!
Não vou entrar na antropologia dos sacrifícios e desafios ancestrais de que as touradas são ainda uma sobrevivência. Basta-me a certeza de serem provas de primitivismo cultural, ainda que bem menos malignas do que o desporto da guerra real com que continuamos a conviver macabramente. Provocar sem necessidade os touros, animais nobres e respeitáveis, não já em nome de um ritual atávico genuíno, mas para proveito puro das indústrias turísticas de Verão e gáudio de populações urbanas desejosas de novidade, parece-me prova evidente de falta de imaginação. Não se poderia re-desenhar o ritual agora degenerado de maneira a obter um sucedâneo interessante, criativo, e onde sobretudo o desporto radical não implicasse uma violência gratuita sobre o belo touro? O Mariscal seria capaz de ter uma boa ideia!

A Corrida dos Nus ou Largada Humana, que começou como uma reacção cultural adversa aos hábitos tauromáquicos dos espanhóis, parece coisa de somenos, quase oportunista, que não teria nenhuma possibilidade de existir se as largadas originais não fossem um facto. No entanto, já vamos na quarta edição desta contraposição cultural festiva, inteligente e erótica, ao pseudo ritual pamplonês. Com o tempo — quem sabe — esta largada humana poderá mesmo vir a ocupar a cabeça do cartaz turístico de Pamplona. Não se esqueçam que ninguém apostaria, há dois ou três anos atrás, que os nossos ambiciosos irmãos ibéricos iriam deixar de fumar. E deixaram!

Ao contrário das imbecis fotografias de manadas de indígenas em pelota promovidas pelo puritano norte-americano Spencer Tunick, estas largadas humanas revelam uma frescura antropológica bem mais estimulante. O seu intrínseco erotismo é inteligente, alternativo e propositivo. Há nesta manifestação de criatividade partilhada uma espécie de actualização muito oportuna das fantasias solares célticas e das provocações dionisíacas mediterrânicas. Havendo imaginação, haverá esperança :-)


Fotografia de Cátia Coias: "Largada Humana", Pamplona, 2006.

OAM #128 10 JUL 2006