Largada Humana
Recebi uma nota da minha amiga e artista Cátia Coias sobre uma corrida de nus humanos contra a célebre largada de touros de Pamplona, que todos os anos leva milhares de turistas sedentos de uma prova de adrenalina proporcionada pela proximidade dos míticos animais os touros à capital Navarra. Há sempre feridos graves nesta loucura, que também se pratica em Portugal, nomeadamente na região do Ribatejo (Montijo, Alcochete, etc.), embora com menos profissionalismo comercial. A Espanha há muito que vende bem os seus produtos taurinos. Confesso que nunca me entusiasmaram, nem lá nem cá, sobretudo quando a faena é de morte!
Não vou entrar na antropologia dos sacrifícios e desafios ancestrais de que as touradas são ainda uma sobrevivência. Basta-me a certeza de serem provas de primitivismo cultural, ainda que bem menos malignas do que o desporto da guerra real com que continuamos a conviver macabramente. Provocar sem necessidade os touros, animais nobres e respeitáveis, não já em nome de um ritual atávico genuíno, mas para proveito puro das indústrias turísticas de Verão e gáudio de populações urbanas desejosas de novidade, parece-me prova evidente de falta de imaginação. Não se poderia re-desenhar o ritual agora degenerado de maneira a obter um sucedâneo interessante, criativo, e onde sobretudo o desporto radical não implicasse uma violência gratuita sobre o belo touro? O Mariscal seria capaz de ter uma boa ideia!
A Corrida dos Nus ou Largada Humana, que começou como uma reacção cultural adversa aos hábitos tauromáquicos dos espanhóis, parece coisa de somenos, quase oportunista, que não teria nenhuma possibilidade de existir se as largadas originais não fossem um facto. No entanto, já vamos na quarta edição desta contraposição cultural festiva, inteligente e erótica, ao pseudo ritual pamplonês. Com o tempo quem sabe esta largada humana poderá mesmo vir a ocupar a cabeça do cartaz turístico de Pamplona. Não se esqueçam que ninguém apostaria, há dois ou três anos atrás, que os nossos ambiciosos irmãos ibéricos iriam deixar de fumar. E deixaram!
Ao contrário das imbecis fotografias de manadas de indígenas em pelota promovidas pelo puritano norte-americano Spencer Tunick, estas largadas humanas revelam uma frescura antropológica bem mais estimulante. O seu intrínseco erotismo é inteligente, alternativo e propositivo. Há nesta manifestação de criatividade partilhada uma espécie de actualização muito oportuna das fantasias solares célticas e das provocações dionisíacas mediterrânicas. Havendo imaginação, haverá esperança :-)
Fotografia de Cátia Coias: "Largada Humana", Pamplona, 2006.
OAM #128 10 JUL 2006
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