segunda-feira, janeiro 26, 2004

Subsidiar a Cultura 2

A. M. Seabra denuncia endogamia cultural.



Se descontarmos a benevolência relativamente ao Pedro Cabrita Reis e às suas poses cabotino-liricoides, o Seabra tem toda a razão em quase tudo o que vem escrevendo sobre a pandilha portuga da "arte contemporânea". No essencial, anda muito certo ao afirmar que a dita pandilha é uma nomenclatura (da mediocridade pomposa, acrescento); e que as respectivas membranas funcionam - há décadas - em regime de vasos comunicantes, sob os auspícios inocentes de inúmeros orçamentos de interesse público. A coisa, porém, já deixou de ser um problema de ética, para ser um caso de telenovela. Tem, de facto, todos os ingredientes: sexo, cabotinismo, tráfico de influências, prepotência, manipulação de inocentes, censura, falsificações históricas sistemáticas, cobardia, um bocado do cadáver do Bloco Central ainda aos pinotes e a mais completa ausência de estratégia cultural que imaginar possamos (escancarada, aliás, no pseudo Museu de Serralves). Como se tal herança não fosse já de si pesada, caiu ainda na actual sopa de pobres (diabos) um presidente IA meu bué de irreverente e um daqueles ministros que o Eça levava meses a burilar! Mas atenção: o caruncho corroeu também a totalidade dos pasquins do burgo. Não padecemos apenas de uma epidemia de pedófilos. Padecemos duma pandemia de estupidez! -- ACP

PS1 - antes comprar, olhem bem para as cotações, por exemplo no Artprice
PS2 - leitura obrigatória: Seabra #1  Seabra #2

O-A-M
blog #23
26 (?) Janeiro 2004

domingo, janeiro 04, 2004

Subsidiar a Cultura 1

Quem, o Augusto M Seabra? Tem toda a razão!



Apesar de não perder os tiques Adornianos (escusados em caso tão falho de substância), o gajo tem toda a razão. A burocracia artística do final do século 20, instalada na rede falida da museologia europeia, comporta-se cada vez mais como um lobby descarado e sem regras do comércio internacional das artes. Vejam-se, por exemplo, os sucessivos escândalos que atingiram as leiloeiras Sotheby's e Christi'es.

Por cá, as coisas atingiram as proporções de iniquidade e incompetência esperadas. Creio que escrevi há muitos anos uma catilinária contra o então todo-poderoso, e não menos ridículo, curador da colecção FLAD, um tal Castro Caldas, sobre os perigos, a inutilidade e sobretudo o desperdício económico envolvidos na substituição de regras racionais de investimento e gestão em arte, por meras regras de conveniência mais ou menos nepotistas, sem controlo nem responsabilização.

Ainda há poucos meses denunciei a aldrabice pegada que rodeia a permanente campanha de agit-prop em volta da biografia e da obra do Sr Cabrita Reis (o mesmo jantarista que conseguiu a proeza de inaugurar no mesmo mês uma estátua a um Presidente de Câmara na Maia e umas luminosas elucubrações plásticas em Veneza, com a cumplicidade inacreditável de quase toda a crítica e curadoria nacionais).
Tudo isto para sublinhar a evidência de o nosso sistema artístico se ter transformado há muito numa procissão de interesses paroquiais e retóricas imbecis. Apesar de ter havido um pintor de meninas que se comparou ao Figo (como se algum campónio de Xangai o conhecesse, como de facto conhece - e por vezes adora - Figo), a verdade é que tudo isto não passa de um jogo a feijões. Mas ainda assim, quando estão em causa dinheiros públicos, ou instituições pseudo-privadas cuja sobrevivência depende estritamente do Orçamento Geral do Estado, o abuso de informação privilegiada e a canalização forçada de recursos públicos para interesses privados (e familiares) é intolerável eticamente e deve ser penalizada. Por outro lado, temos que exigir uma regra qualquer para as comissões de serviço dos administradores de espaços vazios. Se, ao fim de quatro anos, continuarem sem público (excepto nos coquetails inaugurativos), devem, pura e simplesmente, ser substituídos por incumprimento de objectivos. As rotações do pessoal directivo, por sua vez, têm de deixar de ser, de uma vez por todas, uma pescadinha de rabo na boca e um assunto de família!

Neste contexto, a defesa de Pedro Lapa perante o ataque de Augusto M Seabra no passa de uma piedosa confissão de culpa. Os outros (Sardo, Pinharanda, Melo, etc.), pelos vistos, nem se atrevem a piar!

Tal como noutros dominios, a procissão ainda vai no adro. O essencial, porém, é que nenhum dos visados percebe patavina do que realmente está a acontecer na cultura contemporânea. Limitam-se a voar em bando e a escrever, muito de vez em quando, coisas ilegíveis. E por aqui morrerão. Cada vez menos contribuintes se dispõem, entretanto, a alimentar semelhantes pantomimas...

A arte pós-contemporânea já começou a ser outra coisa. Está bem e recomenda-se. Mas caminha para outra galáxia cultural, menos materialista, mais partilhada, mais democrática. Se me pagarem, eu digo-vos porquê. -- ACP


Arte e Sistema (a Culturocracia, Prosseguindo)
Por AUGUSTO M. SEABRA
Domingo, 28 de Dezembro de 2003

O-A-M
blog #22
4 (?) Janeiro 2004

quinta-feira, dezembro 04, 2003

Jorge Sampaio 2

Presidente critica presença militar Portuguesa no Iraque, em Argel!


içar de bandeira no IraqueO-A-M
blog #21
4 Dezembro 2003

Jorge Sampaio pode estar em alta nas sondagens, mas revelou há dias grande falta de sentido de Estado. Já escrevi que, embora considere desastrosa a intervenção dos EUA no Iraque, na sequência da sua actual estratégia militar (assimétrica) contra o Terrorismo, Portugal deve demonstrar fidelidade às suas alianças estratégicas, sobretudo agora que os espanhóis se tornaram, finalmente, atlantistas! A marcha europeia, a meu ver, tem que ser feita mantendo um equilíbrio dinâmico entre a necessidade de incrementar a nossa autonomia estratégica (i.e. político-militar) e o reforço criativo da Aliança Atlântica. A solidez do eixo atlântico é o verdadeiro segredo da paz mundial. Quem não perceber isto, que é simples, e que também diz respeito ao progresso do Norte de África, deveria voltar aos bancos da escola.

Mas o mais grave de tudo, no episódio argelino, foi ouvir o nosso Presidente criticar a presença militar invasora no Iraque, sabendo ele que tal referência atingiria os soldados da GNR destacados naquelas paragens. Fazer um reparo destes no nosso País já seria grave, pois não lhe compete a ele, mas ao Governo e à Assembleia da República decidir sobre estas questões. Mas fazê-lo num país estrangeiro, perante os respectivos líderes políticos, brada aos céus. E se amanhã houver um ataque fulminante contra os destacamento português? Que dirá o Senhor Presidente ao País? A primeira figura do Estado não pode desertar das suas responsabilidades em ocasiões tão sérias da vida colectiva!

Que o PR manifeste os seus argumentos críticos no lugar reservado das conversas institucionais que mantem com o Primeiro-Ministro, exercendo aí a sua legítima influência política, todos entendemos como coisa natural. Que vá agitar complexos colonialistas durante uma viagem presidencial a um País que pouco sabe da nossa vida, parece-me um acto de impensável irresponsabilidade.

Mas como um mal nunca vem só, a moribunda direcção do PS continua a asneirar alegremente sobre o Iraque. -- ACP

domingo, novembro 02, 2003

Outro PS por favor 4

MES: Movimento de Eleitores Socialistas.


simbolo do MES, 1974O-A-M
blog #20
02 Novembro 2003


A actual situação do Partido Socialista é de tal modo preocupante que justifica o nascimento de um movimento de eleitores formado por cidadãos que não tendo nenhumas pretensões a cargos partidários ou governamentais, pelo simples facto de se reconhecerem como eleitores socialistas consistentes, podem e devem intervir na vida do PS sempre que considerarem estar em causa a integridade ideológica deste Partido ou presintam ameaças intoleráveis à dignidade institucional do mesmo.

É o caso do actual vazio de liderança no PS. A sua Direcção, com particular relevo para o seu Secretário-Geral, lançou um dos principais pilares da Democracia Portuguesa na maior crise de credibilidade da sua história. E o pior, como vimos, é que nem Ferro Rodrigues se demite (como o faria qualquer pessoa minimamente sensata) nem a Comissão Política tem a coragem de exigir a demissão do Secretário-Geral, assumindo a direcção colegial do Partido até que um Congresso, regular ou extraordinário, eleja novo Secretário-Geral.

O PS não é apenas do seu Secretariado, não é apenas da sua Comissão Política, não é apenas dos seus militantes. É de todos eles, mas também do seu eleitorado, o qual, em última instância, decide da sua aptidão para governar, ou para ser oposição. Como partido de eleitores que é, o Partido Socialista não pode ser confundido com uma qualquer seita maçónica, nem muito menos com um grupúsculo de interesses inconfessáveis. A transparência funcional é uma condição inalienável da sua maioridade política num universo assente na lei, na liberdade e na democracia. E numa democracia contemporânea, atravessada por uma lógica comunicacional cada vez mais transparente e dialéctica, nenhum partido político disposto a assumir encargos governativos pode pôr em causa o princípio da separação de poderes e os graus de autonomia a que cada um destes constitucionalmente compete. Nem, por outro lado, subestimar a opinião pública democrática, quer esta se dê a conhecer sob a forma de sondagens, comunicação mediática ou manifestações de rua.

Creio, pois, que chegou o momento de disseminar electronicamente a ideia de que é possível e necessário criar um Movimento de Eleitores Socialistas, capaz de influenciar de forma sensível e positiva a vida do PS.

Como dar corpo a este Movimento (MES), qual a sua missão, que limites aceitar ao âmbito da sua actividade, eis algumas perguntas de momento sem resposta. A disseminação desta mensagem e as reacções por ela geradas poderão, assim o espero, propiciar-nos algumas indicações preciosas sobre o grau e preparação da Democracia Portuguesa para a renovação e revitalização da sua "praxis" pública.

Precisamos de uma Democracia Comunicacional, entendida necessariamente como uma expansão criativa do cerne ideológico dos regimes inspirados pela longínqua Revolução Francesa. Liberdade, Igualdade, Fraternidade, continua a ser a única direcção civilizacional por que vale a pena lutar. De novo, temos a ecologia mediática onde estamos todos imersos, e onde teremos que aprender a restabelecer os necessários equilibrios da cooperação. De novo, temos a aceleração tecnológica, cuja progressão é imparável, mas relativamente à qual teremos que impedir novas fracturas sociais irrecuperáveis. De novo, temos o inadiável desafio da sustentabilidade da espécie humana e do planeta por ela colonizado.

Os desafios deste século são filosófica e politicamente gigantescos. Confundi-los com a mesquinhez dum pseudo-líder seria um erro trágico, quanto mais não seja, pela paralizia e atavismos que tais experiências traumáticas costumam induzir nas imediações práticas e subjectivas.

Gostaria de imaginar o Movimento de Eleitores Socialistas como uma expressão inovadora da República Electrónica por vir. Como uma rede de reflexão e crítica totalmente descomprometida com o exercício partidário quotidianao e com eventuais tarefas governamentais. Entre as suas missões estariam, por exemplo, as que dizem respeito à actualização do ideário socialista e ainda as que tocam temas candentes da política nacional e internacional.

Aproveitando a economia própria das novas redes de inteligência, informação e comunicação, será aliás perfeitamente possível arquitectarmos uma web semanticamente sintonizada com as múltiplas e urgentes agendas políticas e culturais do agitadíssimo século em que acabamos de entrar, deixando definitivamente para trás um armário cheio de esqueletos calcinados e cadávares adiados.

O primeiro passo experimental deste MES é difundir a presente mensagem pelos nossos amigos. Eu encarreguei-me, por razões óbvias, de difundi-la junto da imprensa e do aparelho do Partido Socialista. -- ACP

quarta-feira, outubro 22, 2003

Jorge Sampaio 1

Presidente muito preocupado com violação de segredo de justiça...


palacio de belemO-A-M
blog #19
21 Outubro 2003

Da substância do discurso do Presidente da República devem reter-se, para além da sua reiterada preocupação com o sobressalto dos Portugueses a respeito do escândalo de pedofilia e com os "apressados julgamentos de opinião pública [que] são a pior maneira de procurar a Justiça", dois momentos esclarecedores, mas igualmente críticos e discutíveis: o primeiro, é o do reconhecimento que teve acesso a informação em segredo de justiça, mas que não fez uso dela para influenciar o curso do respectivo Processo; o segundo, é que os responsáveis pelas violações do Segredo de Justiça não devem ficar impunes. Vale a pena transcrever estas passagens:

"[...] No exercício das suas funções, o Presidente da República está na posição singular de ter direito a toda a informação necessária e legítima, e de nessa posição se relacionar com todos os órgãos do Estado e seus titulares.

Mas porque assim é, está fora de questão - e os Portugueses que me elegeram duas vezes bem o sabem - que o Presidente da República pudesse usar tal informação ou aproveitar tais relações para fins menos legítimos, designadamente - que fique bem claro- para obstruir ou influenciar a marcha da Justiça. [...]"

Apesar dos louvores beatos dos dirigentes do PS que se pronunciaram sobre o discurso, apesar da benção inusitada de Francisco Louçã, não deixa de se poder perguntar uma coisa muito simples: de quem obteve o Senhor Presidente da República informação em Segredo de Justiça sobre as investigações então em curso sobre o deputado Paulo Pedroso, na véspera da sua detenção? Do Procurador-Geral da República ou de membros da direcção do Partido Socialista? E se por acaso foi destes últimos, que segundo Marcelo Rebelo de Sousa, há mais de dois meses que sabiam das investigações sobre Paulo Pedroso, pergunto: quem deu início à escalada da violação do Segredo de Justiça? Pergunto: perante o que naquele preciso momento se configurou como óbvia tentativa de perturbação de um Processo judicial, que fez o Senhor Presidente da República? Não essa entidade facilmente responsabilizada pelo alarido "Casa Pia" (chamada "público") mas eu, simples cidadão de um País democrático, exijo sobre esta matéria um esclarecimento à principal figura do Estado!

Mas vamos à segunda citação:

"[...] Perante tudo isto - que é muito, e que é o essencial dos desafios que nos estão colocados - não faz qualquer sentido que as prioridades e preocupações dos portugueses continuem a ser, diariamente, secundarizadas, por uma qualquer novela judiciária, tantas vezes com criminosa e despudorada violação do segredo de Justiça, que não pode, naturalmente, ficar impune. [...]"

A palavra "novela", para bom entendedor, significa de facto "telenovela", com tudo o que tal interpretação pode significar de rebaixamento do assunto da Casa Pia a um mero entretenimento. Ora o escândalo de pedofilia que atinge gente famosa e altas personalidades da vida política Portuguesa não é "uma qualquer novela"! E tem --sim Senhor!-- prioridade sobre muitos e pesados assuntos da vida dos Portugueses. Por uma razão muito simples: é que nenhum Português pode confiar nas suas instituições democráticas --precisamente para a resolução de todos os grandes problemas nacionais-- enquanto não houver sinais claríssimos de que este Processo vai correr bem e sem perturbações políticas, até ao fim. Ora poucas horas depois do discurso presidencial aquilo que vimos foi o Senhor Bastonário dos Advogados pedir a cabeça do Senhor Procurador-Geral da República! Aliás, o próprio Presidente da República, na sua alocução justificativa, depois de apelar ao País para que pense noutros assuntos, também acaba por pedir, não na forma, mas na substância, a cabeça do mesmo Procurador! Ora isto é de facto inaceitável.

Espero bem que Durão Barroso, depois de resistir à provocação de Ana Gomes, resista a mais esta tentativa de chegar a um consenso sobre a condução do Processo Casa Pia, fora da competente esfera de autonomia institucional. É preciso respeitar o Segredo de Justiça, regressando à Casa de Partida, sem retaliações unilaterais. Ou então, quem não pecou, no caso vertente, que atire a primeira pedra!. Mas para além do Segredo de Justiça, há também que respeitar (e pelos vistos defender!), sem vacilação, o regime democrático da separação de poderes, descaradamente espezinhado nos últimos meses pelas mais variadas personalidades políticas e corporativas. Durante a ditadura salazarista é que estas fronteiras eram mero disfarce dum poder autocrático. -- ACP

segunda-feira, outubro 20, 2003

Outro PS por favor 3

O Partido Socialista é um partido de eleitores, e não um grémio jacobino.


O-A-M
blog #18
Segunda-feira, Outubro 20, 2003

Senhor Secretário-Geral do Partido Socialista Português
Dr. Ferro Rodrigues,

A gravidade do seu envolvimento na perturbação do Processo Judicial que envolve o cidadão Paulo Pedroso é manifestamente incompatível com a sua permanência à frente dos destinos do PS.

O Partido Socialista não é mais seu do que do conjunto dos seus militantes. Nem pertence mais aos seus militantes do que aos milhões de eleitores que o transformaram numa força partidária imprescindível à Democracia Portuguesa. A dignidade com que o PS cumpriu até há pouco a sua missão civilizadora e pedagógica não pode ser desbaratada pela sua insensatez, nem pela apatia cobarde de alguns militantes irresponsáveis.

O Partido Socialista é um Partido de eleitores. E como tal tem que ser sensível à opinião pública, tanto na formação diária das suas opções políticas, como sobretudo em ocasiões de crise. Ora o País vive, largamente por sua causa, uma crise política e cultural gravíssima.

Assim sendo, e porque o mal feito não volta atrás, demita-se!
Se o não fizer voluntariamente, poupando ao PS e ao País pesadas humilhações, a Opinião Pública Portuguesa, e em particular os eleitores fieis do Partido Socialista, se encarregarão de chutá-lo de uma vez por todas para o caixote do lixo da História.

António Cerveira Pinto
artista pástico e escritor
eleitor do PS

¶ 11:44 PM

sábado, outubro 18, 2003

Outro PS por favor 2

Porta aviões do PS adorna perigosamente.


Ferro RodriguesO-A-M
blog #17
Sábado, Outubro 18, 2003
"Tou-me cagando p'ró Segredo de Justiça!"

— afirmação de Ferro Rodrigues em conversa telefónica escutada por ordem do Ministério Público.

Recomendei no primeiro escrito que dediquei a este caso (transformado por força das circunstâncias numa radiografia dramática da crise institucional da democracia portuguesa e do estado de degradação a que chegou a respectiva classe política) a leitura atenta de um livro excepcional sobre as dinâmicas agonísticas da mentira e da cooperação: "The Evolution of Cooperation", de Robert Axelrod. A propósito do conhecido "dilema do prisioneiro", onde vence quase sempre a estratégia conhecida por "TIT FOR TAT", pode ler-se uma conclusão interessante: "[...] um organismo não precisa de cérebro para jogar. As bactérias, por exemplo, são altamente responsáveis pela selecção de aspectos vitais do seu ambiente. São pois capazes de responder diferenciadamente às acções de outros organismos, podendo tais estratégias condicionais e comportamentos entrar na cadeia hereditária.[...]"

Não tendo sido possível até agora estabelecer a necessária ponte de confiança entre essa espécie de cartel que reune os vários poderes de facto do País e o Poder Judicial, de modo a cooperar na resolução equilibrada do escândalo da Casa Pia, no sentido de a Justiça cumprir a sua missão, de forma exemplar (como tem que ser num caso mediático destas proporções), mas exercendo também os poderes de ponderação e clemência ao seu alcance no tratamento de todo o Processo, desencadeou-se em seu lugar uma escalada deceptiva, incontrolável. Salvo se os directamente implicados na agonia deste jogo chegarem à conclusão de que a busca de alguma plataforma de cooperação é a única estratégia capaz de minorar os danos causados e futuros, o olho por olho, dente por dente para que os contendores se deixaram arrastar ameaça transformar os danos inicialmente circunscritos ao caso judicial (i.e. à agonística protagonizada pela instrução do processo e pelos respectivos suspeitos e arguidos) num incontrolável Processo ao estado de fragilidade e corrupção dos sistemas de poder democraticamente legitimados. Para que uma estratégia consensual de limitação dos danos possa ter pernas para andar, há porém uma condição sine qua non: o Partido Socialista, enquanto tal, deve retirar-se imediatamente desta querela, afastando dos seus órgãos de direcção todos os militantes directa ou indirectamente envolvidos nesta trapalhada: Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e António Costa. E há ainda outra condição: o silêncio religioso do Presidente da República sobre o futuro desenvolvimento deste caso --já que o cidadão Jorge Sampaio, padrinho de casamento de Paulo Pedroso, não poderá auto suspender a sua condição institucional, para tomar partido numa causa que o atinge psicologicamente.

A opinião pública tem, na sua larga maioria, a convicção de que os arguidos são muito provavelmente culpados dos crimes de que foram indiciados. E tem-na por conhecer o modo brando como sempre foram tratados os poderosos deste País. A dedução que baila na cabeça de cada português é esta: para um jovem Juíz se atrever a entrar pelo Parlamento dentro e prender um deputado e porta-voz do maior Partido eleitoral do País, é porque acumulou tal quantidade de indícios (de testemunhos, e de denúncias) que não lhe restava outra alternativa. Depois há ainda outro motivo para que esta suspeita pública se vá consolidando: a notória falta de convicção nos protestos de inocência dos visados, associada à desastrosa estratégia defensiva da generalidade dos advogados contratados pelos arguidos --cuja arrogância e permanente presença ostensiva nos meios de comunicação social, apenas vem piorando as probabilidades de salvação dos respectivos clientes (o Bibi mudou de advogado; não sei do que é que os outros estão à espera...). A imagem de culpabilidade estampada na face de Paulo Pedroso durante a inusitada e desastrosa conferência de imprensa dada antes de entrar para os calabouços policiais é um clip exaustivamente difundido pelo big brother dos média, causando uma poderosa impressão na opinião pública, a qual, pela sua autenticidade performativa, ameaça tornar-se indelével na memória colectiva. Um inocente, penso instintivamente, teria protestado a sua inocência doutro modo... Nada, depois daquele pico dramático --vivido mediaticamente na forma vicariante de uma "segunda realidade"--, conseguiu apagar a convicção de culpabilidade inoculada na massa cerebral de milhões de portugueses. E contudo, o homem, aquela gente toda, presa por suspeitas de pedofilia e abuso sexual de menores, até são de jure presumidos inocentes... Quem está, de facto, a prejudicar a sua defesa?

O simpático António Costa, nervoso e agressivo como nunca o viramos, teceu uma suposta teoria do Partido Socialista sobre as diferenças entre responsabilidade partidária e responsabilidade parlamentar, a propósito da justificação do regresso de Paulo Pedroso ao Parlamento ao mesmo tempo que mantinha suspensos todos os seus cargos partidários. Coisa mais ridícula seria difícil imaginar. Então o deputado não deve a sua eleição parlamentar ao facto de ser militante do PS? Será a tijoleira do Largo do Rato mais imaculada que o mármore de São Bento? E que tem o povo eleitor português que ver com as cogitações filosófico-metodológicas absurdas e casuísticas do aflito Directório partidário, sobre o que este entende por deveres éticos? Acaso a sua desorientação se poderia alguma vez sobrepor ao juízo ético instantâneo da opinião pública, manifestado através desse lugar novo da democracia que é mais do que uma simples opinião pública mediatizada, por ser já o vórtice explosivo da República Electrónica em formação?

O Partido Socialista (e até certo ponto também o Presidente Jorge Sampaio) deixaram-se escorregar para dentro do processo público que corre e correrá inevitavelmente ao lado do Processo judicial em curso. Ora isto é gravíssimo para a estabilidade democrática. Não tanto por causa do que individualmente possa suceder aos arguidos, não tanto por causa da sorte trágica da actual direcção do PS, mas sobretudo pelo irresponsável vazio cultural rasgado na expectativa democrática deste País. Não podemos deixar que a corrupção cívica e o cinismo machista instalados nalguns segmentos apodrecidos da classe política alastre como uma nódoa indelével de suspeição e descrédito profundo sobre a democracia. As partes interessadas do Processo da Casa Pia que se remetam de uma vez por todas para o lugar reservado do exercício das respectivas competências e direitos. Se para isso, a consciência impuser o afastamento dos cargos que ocupam, pois que o façam sem demora. Para bem da Verdade e para bem da Democracia. -- ACP

Post scriptum (19.10.03/23h10): Depois de ouvir as últimas revelações sobre as escutas telefónicas aos dirigentes do PS, depois de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa revelar que o irmão de Paulo Pedroso (João Pedroso) teria sido enviado para o Conselho Superior de Magistratura um mês depois de a Direcção do PS estar a par das investigações sobre Paulo Pedroso, depois de julgar ter ouvido também que o Presidente da República esteve ao corrente de tudo isto antes da prisão do deputado socialista, creio que o panorama é bem mais grave do que supunha. A ser tudo verdade, só poderemos esperar de Jorge Sampaio que renuncie ao cargo para que foi eleito, em nome de uma clarificação radical e definitiva da democracia portuguesa. Finalmente, ao Primeiro Ministro, caberá tirar as devidas conclusões da complicadíssima tempestade política que se abateu sobre Portugal. A democracia pode prosseguir sem problemas, mas primeiro há que limpar a casa. -- ACP

¶ 1:51 PM