segunda-feira, junho 13, 2005

Luto comunista

Alvaro Cunhal regressa a Portugal, 1974

Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves despedem-se desta vida descontentes


Dois dos mais emblemáticos representantes de um certo ideal comunista de sociedade, de vida e de cultura morrem no espaço de 24 horas. Lutaram contra o Salazarismo. Lutaram depois por um Portugal fortemente influenciado pelo Partido Comunista — o que conseguiram, pelo menos parcialmente (1).

Nunca estive de acordo com os seus ideários (2), e sobretudo com os seus métodos anti-humanistas (aquilo a que chamavam os “factores objectivos” da Revolução e da Luta de Classes...) Fui trotskista para não ser estalinista. E estalinistas eram os do PCP e toda a ganga maoísta, parte da qual cavalga há algum tempo já a nossa democracia analfabeta, nova-rica e alarve. Os estalinistas (3), pró-russos e pró-maoistas, não trouxeram nada de bom ao mundo. É bom estudar as atrocidades que cometeram, como é imprescindível conhecer a barbárie fascista e nazi. Para que se não repitam... Para que não se repitam!

Notas
1 — Durante a crise complexa que conduziu ao 25 de Novembro eu era membro do Comité Executivo da Liga Comunista Internacionalista (LCI). Nessa qualidade, defendi com outros camaradas uma aliança de emergência com o bloco de organizações partidárias que se opunham à deriva direitista da revolução. Essa aliança pontual (que viria a dar origem à cisão da LCI e ao meu afastamento progressivo da militância política) foi baptizada em 25 de Agosto de 1975 com o nome de FUR (Frente de Unidade Revolucionária). Tratou-se de uma mescla muito heterogénea de projectos de acção política, incluindo as seguintes organizações: PRP-BR, FSP, LUAR, PCP, MDP-CDE, MES e LCI. Algumas destas organizações defenderam e tentaram efectivamente levar a cabo um golpe de Estado, cujo desenlace, criam, seria uma “revolução popular”. Não foi esse o caso da LCI (apesar da posição pró-golpista de Francisco Sardo — já falecido — e da pequena fracção de militantes que liderava no interior da LCI, e sobretudo no interior dos chamados SUV). Não foi também esse o caso do MDP-CDE (visto como agente encapotado do PCP), nem do MES. E não foi certamente esse o caso do PCP (entretanto afastado da FUR), cuja principal preocupação nesta crise foi evitar a sua derrapagem insurreccional. Lembro-me vagamente de umas conversações difíceis na sede do PCP, creio que para convencer Cunhal a romper com o VI Governo Provisório. Lembro-me ainda, já em plena crise insurrecional, i.e. nas vésperas do 25 de Novembro (quando se contavam de facto efectivos e espingardas!) do desabafo de um militante do PCP infiltrado na MDP-CDE, o qual, a propósito da vertigem voluntarista em curso, disse algo parecido com isto: pois é, vocês partem a loiça e depois nós é que temos que colar os cacos!
Serve esta nota para precisar que, na minha opinião, o PCP não esteve em nenhum momento do PREC interessado em tomar o poder pela força e instaurar uma democracia popular. Álvaro Cunhal sabia que as ex-colónias ficariam muito provavelmente sob a influência da União Soviética. Mas sabia também que Portugal não teria essa sorte. O seu objectivo para Portugal, reconhecendo que nunca ganharia o poder em eleições democráticas, foi assim limitado e preciso: garantir o triunfo de uma transição para a democracia burguesa sobre os escombros do anterior regime e ganhar durante esse processo o máximo de influência nos aparelhos institucionais do poder: Estado, sindicatos, cooperativas e associações culturais. Conseguiu-o por um largo período de tempo, nem sempre com as melhores consequências para a emancipação efectiva da sociedade portuguesa.

2 — Pode perguntar-se se Cunhal venceu ou perdeu a sua guerra. No muito curto prazo, ganhou-a, dados os objectivos efectivos que pretendeu alcançar (nunca lhe passou pela cabeça instaurar a ditadura do proletariado no nosso País.) No médio prazo, perdeu-a, pois o ideário estalinista e o socialismo real morreram (felizmente). Do longo prazo, não podemos falar, pois ninguém sabe quais vão ser as consequências para a humanidade da actual anarquia capitalista.

3 — De onde vem o fascínio mediático em volta da morte de Álvaro Cunhal? Em primeiro lugar, da avidez mórbida dos próprios média, na sua assumida qualidade de principais produtores e vendedores de ilusões hiperrealistas. Em segundo lugar, como bem referiu Pacheco Pereira, do processo de beatificação do herói comunista, promovida pacientemente pelo próprio (que a si próprio se referia na terceira pessoa...), e que Jerónimo de Sousa prosseguirá enquanto puder. Em terceiro lugar, da desilusão real que paira sobre largas franjas empobrecidas e confusas da população portuguesa, nas vésperas de uma nova metamorfose das super-estruturas sociais. E em quinto e último lugar, do facto de estarmos na presença de uma personagem inegavelmente sexy. [16.06.2005]

O-A-M #80 13 Junho 2005

1 comentário:

Laranjina PSD disse...

É curioso conhecer a sua posição esclarecida sobre o papel de Álvaro Cunhal na implantação da democracia em Portugal. Gostaria de o convidar a visitar o blog de humor e sátira que espero que gosto.

http://cresceiemultiplicaivos.blogspot.com/