terça-feira, agosto 15, 2006

SOS Infante Santo

Infante Santo, Lisboa
Condomínio Residencial Lapa-Infante Santo, Av. Infante Santo 58 e 58a, Lisboa

Imobiliário, Corrupção e Autarquias


O problema da corrupção associado à especulação imobiliária e à destruição das cidades e das paisagen é, por assim dizer, universal. De Pequim a Nova Iorque, de Marbella a Bragança, de Bagdad a Beirute, e claro está, em Lisboa, a construção, pelo seu elevado efeito multiplicador na economia, exerce uma atracção fatal sobre muitos dos que se vêm envolvidos neste gigantesco sector económico. Quando não serve para construir, serve para especular na compra e venda de activos, ou para lavar dinheiro negro das mais diversas proveniências, quase sempre com a cumplicidade do sector financeiro (bancos, sociedades financeiras e off-shores.)

A propósito: nunca mais se ouviu falar dum tal Artur Albarrán, nem da empresa fantasma de que foi cabeça de turco (EUROAMER HOLDING, SGPS, SA), nem do verdadeiro papel de Frank Carlucci (então Presidente Emérito do Carlyle Group) neste negócio virtual, com sede no paraíso fiscal da Madeira, e que viria a descarrilar depois do 11 de Setembro... até se estatelar nas malhas cada vez mais partidarizadas da investigação criminal em 2003. É difícil encontrar melhor exemplo recente, entre nós, da resistente ecologia onde proliferam semelhantes formas de criminalidade organizada.

O caso do Condomínio Residencial Lapa-Infante Santo é, pelo que aparenta, um caso típico do estado de promiscuidade existente entre a política e o dinheiro, de que o negócio municipal é um dos principais veículos. Se neste caso não houve corrupção, tráfico de influências, financiamento ilícito de partidos, houve algo de muito errado, e há na resposta de Carmona Rodrigues ao relatório da Provedoria da Justiça, que acusa a autarquia de ilegalidades várias, um exemplo acabado do formalismo cínico e lata argumentativa. O Senhor Presidente da Câmara não percebe que ler diante dos jornalistas (sem direito a perguntas) a prosa gongórico-legal que lhe puseram na frente só pode aumentar as nossas suspeitas sobre a ilicitude do empreendimento e a obscuridade do comportamento dos sucessivos intervenientes nesta trapalhada, assim como a desconfiança citadina sobre a sua capacidade de liderar a resolução deste caso de uma forma exemplar, quer dizer, mandando demolir o que está mal construído, processando os intervenientes na teia de irregularidades e ilegalidades e reiniciando o processo com transparência. Por esta via, a democracia seria servida e ficaria claro o aviso aos actuais e futuros actores económicos, politicos e institucionais da cidade.

As duas empresas actualmente envolvidas neste processo são a FDO-Investimentos (de Braga) e a SALEMA QUINTELA (com interesses sobretudo a Sul do Tejo). Pergunta: que relação existe entre a FDO-Investimentos e a Braga Parque? Porque será que do sítio web da FDO desapareceu o portfólio de obras e clientes? Basta uma simples pesquisa na Net — "Braga Parque-Estacionamentos"+"FDO-Investimentos"; "Feira Popular"+"Parque Mayer"; "Braga Parque"+"Parque Mayer" e " Jose Sa Fernandes"+"Parque Mayer" — para chegarmos a algumas conclusões. Os casos de Bragança, do Parque Mayer e da Infante Santo revelam aquilo a que se chama um padrão comportamental. À medida que o caso avance, este padrão virá à tona dos principais média, e aí todas as hesitações e figuras tristes que o actual presidente da câmara da capital fizer apenas poderão contribuir para a possível formação de um movimento cívico com a finalidade expressa de exigir a sua demissão do cargo — em nome da lei, da democracia e da cidade.

Parece que 45% do empreendimento foi já vendido, ou prometido a compradores que sinalizaram a sua intenção de comprar. Se a construção vier a ser demolida, estes promitentes compradores terão que ser ressarcidos. Mas se a construção vier a ser demolida, em que situação ficarão as empresas que actualmente levam o negócio? Quantos anos estarão os promitentes compradores dispostos a esperar, se houver, como vai haver, um longo e duro processo judicial? Chegarão as referidas empresas ao fim da batalha jurídica? E quanto valerá no futuro este condomínio, tendo em conta tudo o que já se sabe sobre a sua origem, e ainda a crise do mercado imobiliário que chegará dos Estados Unidos à Europa, com toda a probabilidade, em 2008-2009?

Para saber os contornos exactos deste escândalo, vale a pena consultar o sítio web do grupo de residentes da Avenida Infante Santo, que desocultaram de forma brilhante e persistente mais um caso de má conduta autárquica e flagrante desrespeito pelos munícipes. Chama-se SOS-Infante Santo.

Os alfacinhas devem interessar-se pela sua cidade e exigir aos seus representantes eleitos que actuem como tal, i.e. como seus delegados na administração imaginativa, mas responsável, de uma urbe maravilhosa, que a ganância de alguns não tem o direito de desfigurar. A melhor forma de esclarecer e responsabilizar quem tiver que ser responsabilizado no escândalo da Infante Santo é interessarmo-nos pelo caso, pesquisar e comparar informações e argumentos, e finalmente divulgar as nossas próprias opiniões junto da comunidade. Só assim seremos capazes de enxotar os bárbaros que, mais vezes do que seria de esperar, ameaçam a beleza de Lisboa.


OAM #137 15 AGO 2006

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