05-03-2008. (...) Manuel Alegre, o candidato a secretário-geral que disputou a liderança com José Sócrates e que ficou em segundo lugar nas eleições para Presidente da República, declarou ao PÚBLICO que não irá a nenhuma manifestação. "A nenhuma. Não vou a nenhuma, nem a uma nem a outra", afirmou, peremptório.Tal como no caso que levou à queda de Correia de Campos, Maria de Lurdes Rodrigues corre sérios riscos de ser apeada por José Sócrates, que, como qualquer chefe de governo, sacrificará sem pejo um ou todos os seus ministros se vir numa tal decisão a forma inevitável e expedita de aliviar a pressão sobre o seu próprio futuro politico.
A outra a que Alegre se refere é ao comício de apoio ao PS marcado para o sábado seguinte ao da manifestação de professores, no Porto. "Ao comício do PS não vou. Nem sequer às Novas Fronteiras tenho ido, não faz sentido ir ao comício", afirmou Ana Benavente, lançando um desafio à actual direcção socialista "eu iria era a um debate no interior do PS sobre a escola pública e as actuais políticas educativas." -- Público.
No caso vertente, não é a sobrevivência da maioria absoluta que está em causa, pois essa foi já irremediavelmente à vida, mas a própria continuação de José Sócrates à frente do PS. As apostas não poderiam ser mais altas! Ora, como as coisas estão no escaldante dossiê educativo, não vislumbro maneira de descalçar a bota com esta ministra, por mais razões que tenha a seu favor -- e tem certamente algumas de peso. As motivações das reformas que ambos ministros, da saúde e da educação, tentaram pôr em prática, fazem sentido.
Primeiro, porque o país caminha aceleradamente para a falência. E segundo, porque é da maior justeza moral corrigir a degradação profissional e social a que chegaram os sectores que mais recursos sugam ao orçamento geral do Estado, financiado, como se sabe, pelos impostos e inflação crescentes. Só que a responsabilidade desta crise não é, ou não é em primeiro lugar, dos professores. Fazer passar a imagem de que são eles os principais fautores dos péssimos índices escolares que temos foi um erro fatal da actual equipa ministerial. Os principais responsáveis do descalabro foram e continuam a ser, como toda a gente sabe por intuição, a nomenclatura partidária que transformou paulatinamente o Estado numa coutada eleitoral e na alavanca despesista duma democracia abandalhada, irresponsável, promiscua e progressivamente corroída pela corrupção. Cada ministro que chega arroga-se a prerrogativa de mudar tudo sem mudar nada, causando invariavelmente os maiores incómodos ao pachorrento funcionário público. No caso dos professores, a inépcia ministerial foi tal que a tampa da paciência destes servidores públicos (efectivos ou contratados, à resma sem jeito, nem garantias) acabou por se esgotar. Nenhum governo pode ser insensível ao engrossar imparável de um protesto que acabará por contaminar o resto do país.
O primeiro e principal sinal da inépcia deste governo na condução das inevitáveis reformas tem sido a sua manifesta incapacidade de explicar de uma forma simples e directa as causas e os objectivos das mesmas. Sendo como são alterações profundas e que mexem com inercias e interesses instalados (alguns deles poderosos), teria sido da mais elementar esperteza produzir previamente os necessários livros brancos sobre a saúde e sobre o ensino, onde as conclusões fossem claramente sintetizadas e os objectivos definidos de forma honesta e compreensível. Depois, se um tal trabalho de preparação da obra reformista tivesse sido realizado, haveria que concitar um debate público sério sobre os problemas, para o que não faltaria a colaboração dos meios de comunicação social. Finalmente, por-se-iam em marcha as reformas. Claro que um ponto fundamental das mesmas é que teriam que ser participadas, descentralizadas, responsabilizadoras, cogeridas, em suma, abrindo um vasto espaço de interacção entre a esfera pública e a esfera privada da democracia. Ora não foi nada disto que aconteceu! O que tivemos foi obscuridade processual, inépcia burocrática, arrogância política e agendas ocultas. O fracasso estava escrito nos astros.
Outro ponto não menos importante do impasse a que chegámos deriva do primeiro ministro que temos, que já ninguém leva a sério, salvo talvez a tríade de interesses que o pôs onde está. Como é possível ouvir e seguir um chefe de governo cujo passado recente está envolto em tantas quão ridículas trapalhadas? Como é possível, por outro lado, aceitar a palavra de um governo quando o dito e quase tudo o que o rodeia cheira, apesar de algumas boas intenções, a mentira e ligeireza? O protesto dos professores e a avalanche que derrubou o anterior ministro da saúde são muito mais do que aparentam. Este é o problema sério da actual crise de regime, que a democracia terá necessariamente que enfrentar, sob pena de, se o não fizer, naufragar num perigoso magma siciliano e perder a sua independência económica, política e moral para quem decidir tomar conta de nós.
Eu sei que há resistências corporativas e sindicais intoleráveis a toda e qualquer tentativa de mudar qualquer status quo, sobretudo se é ilegítimo e abusivo. Sei que os sindicatos não passam, na maioria dos casos, de apêndices oportunistas do sistema e que vivem para si mesmos. Sei que a nossa função pública é um novelo interminável de ineficiência, cumplicidades podres, abusos de posições privilegiadas, legislação contraditória, obsoleta e frequentemente impraticável, e ainda o covil por excelência da nomenclatura que se apoderou da democracia. Mas de quem é a culpa? Dos professores?! Ora tenham juízo!!
Vamos, enfim, por partes: o imbróglio de que a manifestação de dia 8 de Março será certamente uma poderosa demonstração, precisa de ser desembrulhado rapidamente, independentemente de a ministra ir para a rua ou não. Como alguns já alvitraram urge constituir uma instância de mediação entre o governo, os estudantes, os pais e os professores (representados pelos sindicatos, mas não só). Esta mediação terá forçosamente que ser uma típica mediação de conflitos, negociada por especialistas sem quaisquer interesses na matéria dos diferendos. O pior que poderia acontecer seria deixar cair a grave crise instalada num impasse. O primeiro passo nesta direcção deve provir da ministra.
Entretanto, seria bom que todos os portugueses pudessem perceber o que está realmente em causa em toda a crispação gerada pela reforma do estatuto da carreira docente.
Enquanto recolhia elementos para este post deparei-me, no Forum para a Liberdade de Educação, com dois textos oportunos sobre a reforma inglesa da educação, promovida por Tony Blair. Porque foi nela que o modelo da actual ministra se inspirou, aqui ficam duas citações esclarecedoras.
Enfrentar o desafio da reforma da educação no Reino Unido e... em Portugal
No mês passado, o primeiro-ministro inglês conseguiu impor ao seu partido a aprovação da reforma educativa proposta no livro branco intitulado Melhor Qualidade, melhores Escolas para Todos -- Mais Escolhas para os Pais e para as Escolas, que, em conjunto com a ministra da Educação, Ruth Kelly, vinha promovendo desde Outubro.
Digo "conseguiu impor", porque o debate final em sede parlamentar, não obstante a justeza das propostas, não evitou a tradicional querela partidária do posicionamento ideológico entre esquerda e direita, com uma parte significativa do Partido Trabalhista a votar contra.
A ideia-força da reforma de Blair é a de que a forma mais eficaz de assegurar níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos é garantir a escolha da escola pelos pais. De facto, no essencial, as medidas preconizadas têm como objectivo possibilitar a todas as famílias a escolha da escola a frequentar pelos seus filhos. Entre estas destacam-se o financiamento público às escolas privadas que prestem o serviço público de educação, o incremento da autonomia das escolas estatais, o transporte gratuito dos alunos que têm menores recursos económicos para a escola da sua escolha, desde que situada a menos de dez quilómetros da residência, a introdução de um serviço local de promoção e apoio à escolha dos pais menos informados e o posicionamento das autoridades centrais e locais como garante da qualidade e da equidade do sistema e não como prestadores propriamente ditos do serviço de educação. -- Francisco Vieira e Sousa.
Higher Standards, Better Schools For All, More choice for parents and pupils
...so we are developing a radical new school system... In this new system, improvements will become embedded and selfsustaining within schools, because the changes will be owned and driven by schools and parents: every schoo will be able to acquire a self-governing Trust similar to those supporting Academies, which will give them the freedom to work with new partners to help develop their ethos and raise standards; Academies will remain at the heart of the programme, with continued and new opportunities to develop them in schools and areas of real and historical underperformance and underachievement; independent schools will find it easier to enter the new system; and a national Schools Commissioner will drive change, matching schools and new partners, promoting the benefits of choice, access and diversity, and taking action where parental choices are being frustrated. This will create a system of independent non-fee paying state schools, where schools can decide whether they wish to acquire a self-governing Trust or become a self-governing Foundation school. They will do so without unnecessary bureaucratic interference, in a system of fair admissions, fair funding and clear accountability.
Última hora
Professores, não se queixem!
06-03-2008 22:35 -- Do que consegui apurar, a raiz do conflito que desembocará na manifestação do próximo dia 8 de Março, nasceu da implementação do processo legal de separação entre professores titulares e não titulares, através de um conjunto de procedimentos de avaliação. Fui ler a documentação legal sobre o assunto (Decreto-Lei n.o 15/2007, de 19 de Janeiro e Decreto-Lei n.o 200/2007, de 22 de maio) e não vejo motivos para alarme. Embora se compreenda a estupefacção dos professores apanhados nesta curva, a verdade é que o modelo de diferenciação inevitável entre profissionais do mesmo ofício, baseado essencialmente nas qualificações académicas, assiduidade, produtividade científico-pedagógica e envolvimento institucional, é uma orientação mais do que justa. Podem discutir-se os pormenores, mas duvido que algum português, sobretudo se estiver desempregado ou viver do salário mínimo nacional, ou mesmo fizer parte da minguante classe média que mal chegou a consolidar-se, aceite a demagogia sindical e partidária que actualmente acarinha uma classe mal habituada, pelo menos à luz dos padrões europeus e norte-americanos. O zombie do PSD apoia a manifestação, essencialmente porque não passa dum morto-vivo! O Trotskista atormentado do Bloco de Esquerda vai à manifestação, porque não consegue evitar reflexos pavlovianos. O PCP corre à frente da manifestação pois depende cada vez mais, tal como os governos e os partidos parlamentares, do voto dos funcionários públicos. Os sindicatos foram ultrapassados pelos SMS e agora tentam controlar a derrapagem do processo (eles vivem em simbiose com o poder!) Só os professores, alguns deles meus amigos e com os quais tenho tentado perceber o que os move, estão a ser levados num jogo que os ultrapassa. O país está desesperado, e qualquer incidente pode provocar o caos. É esta a verdadeira causa do impacto esperado da manifestação de Sábado.
A impressão geral que eu e muitos adultos temos da escola e da universidade portuguesas é em geral, quer dizer, salvo as honrosas excepções, muito má! E disto não sairemos enquanto se não reintroduzir no sistema educativo o princípio geral da liberdade (de escolha da escola), da responsabilidade, do mérito e da transparência. Nada disto existe ainda nas nossas escolas, nem nas nossas universidades. E em seu lugar temos, quase sempre, uma espécie de mediocridade endémica e sórdida, de que os que podem fogem na hora de eleger o futuro educativo dos seus filhos.
Ouvi hoje a ministra na RTP1 e fiquei mais convencido de que ela está certa na substância, mas terá mal-conduzido o processo em matéria de exposição pública da reforma (deixar passar a ideia -- aliás verdadeira em alguns casos -- de que os professores não trabalham, ou estão mal habituados comparativamente com o sector privado, ou mesmo com o sector educativo, por exemplo, de Chicago, ou de Berlim, foi um erro crasso que provavelmente levará à demissão forçada da ministra.
Quanto ao mais, a questão de fundo é esta: acabou-se o tempo das vacas gordas. A Europa exige resultados, monitorização e transparência. E os professores da escola pública não são mais que os demais funcionários públicos. Ou estaremos todos enganados? A crer nas palavras da ministra -- sobre as classificações necessárias à progressão da carreira, até são. Não se queixem!
OAM 329 05-03-2008, 16:03
3 comentários:
"qualificações académicas, assiduidade, produtividade científico-pedagógica e envolvimento institucional, é uma orientação mais do que justa".
Pois é. Só é pena que não seja exactamente assim, pois o factor antiguidade manteve-se, embora escondidinho. Só os professores mais velhos é que puderam concorrer a titulares: quem mais tempo passou sem ser avaliado (nos termos em que tanta gente gosta de colocar o problema) é que vai agora avaliar os outros. Em suma, um professor doutorado, com 14 anos de serviço, não podia concorrer a titular; um professor licenciado, com mais alguns anos de serviço, podia concorrer e vai agora ser "avaliador". É um novo conceito de "mérito", muito certamente.
Rui Lopes
Professor
Está-me a dizer que para concorrer a professor titular é preciso ter mais do q 15 anos de serviço? É isso? Esclareça-me p.f.
Tive conhecimento dum lamento que re-transmito, sem identificar o seu autor, pois não estou autorizado a fazê-lo.
"Sou professor e queixo-me.
Tenho 25 anos de ensino sou professor titular, avaliador, presidente do Conselho Pedagógico, Coordenador de Departamento, membro da Comissão de Coordenação da Avaliação, da Assembleia de Escola e da Comissão Pedagógica do Centro de Formação de Professores (estes dois últimos cargos inerentes ao de Presidente do CP). Do meu horário oficial de 35 horas semanais tenho atribuídas 16h de aulas (2 turmas do 12º e uma do 10º), 9 (!) para trabalho individual de preparação das aulas, avaliações etç.., 2 de apoio a alunos com mais dificuldade, 2 para substituição de professores que faltem e 4 para a coordenação do Departamento de Ciências Experimentais (40 professores!). Como avaliador tenho que assistir a duas aulas de cada colega de departamento até ao final do corrente ano lectivo. Mesmo que posso delegar festas funções noutros titulares (o que vai ser difícil pois não existe qualquer titular de Informática ou CFQ), no mínimo terei 12 colegas para avaliar. Ou seja nas 8 semanas de aulas que faltam tenho que assistir e 24 aulas que correspondem a 48 horas de trabalho. Claro que depois tenho que preencher os instrumentos de registo que foram elaborados e aprovados pelo Conselho Pedagógico a que presido em 6 semanas. E claro que tenho também de reunir já com cada um dos colegas para chegar a acordo sobre os objectivos individuais de cada um e o que se pretende que esteja incluído no “Portefolio” que terei de avaliar também até ao final do ano. Só as aulas a que tenho que ir obrigatoriamente são mais 6 horas por semana no meu horário que não sei como compatibilizar com o meu horário lectivo. E claro que não vão ser pagas horas extra. Nas últimas 6 semanas tive 6 reuniões de Conselho Pedagógico que duraram em média 5 horas cada. Tive ainda 3 reuniões de departamento (2,5 horas cada) e 4 reuniões com a Direcção Executiva. Não sei se ainda se recorda… também dou aulas a 3 turmas de Biologia, e o período está a chegar ao fim…
Claro que não me queixo!"
Comentário: NÃO SE QUEIXEM!
Esta lamúria não procede, e apenas revela como o indignado professor está mal habituado e mal informado sobre o que se passa no mundo real do trabalho... e da exploração!
Este professor talvez não saiba, mas a semana de 35 hrs é uma moda francesa passageira, que caíu rapidamente em desuso a partir do momento que os chineses e indianos passaram a fazer parte da OMC. Além disso, ninguém q trabalhe a sério, trabalha 35 hrs semanais, em nenhuma profissão decente que queira produzir resultados!
Lembro-me dum conhecido professor universitário e empresário de sucesso da nossa praça (cujo nome não revelo) que me confessou um dia que havia deixado o MIT, depois de lá ter estado a fazer um pós-doutoramento, recusando mesmo um convite que lhe fora dirigido para ficar, por uma e única razão: o carácter demasiado absorvente do trabalho nos níveis de topo da investigação científica e tecnológica nos Estados Unidos. "Aqueles gajos põem o trabalho à frente de tudo! Quando têm projectos e prazos, não há família, nem Sábados, nem Domingos e muito menos Feriados!"
Pois é... E mesmo assim foram ultrapassados a grande velocidade, primeiro pelos japoneses, e agora pelos indianos e pelos chineses!!
Mas vamos às contas semanais:
16 hrs aulas efectivas
9 hrs preparação
2 hrs apoio alunos c/ dificuldades
2 hrs substituição
4 hrs coordenação
6 hrs de avaliação profs
16+9+2+2+4+6 = 39 hrs/semana -- ou seja, o queixoso lamenta-se por ter que trabalhar 39 horas por semana (parte-se-me o coração!)
-- número de vencimentos anuais = 14
-- estabilidade de emprego: total
-- segurança remuneratória: total
-- período real e efectivo de férias: no mínimo, 30 dias
-- duração das reuniões: é preciso aprender a fazer reuniões produtivas; com reuniões de 5 horas nenhum general ganha guerras!
Seja como for, admito desde o principio q haverá muitos pormenores a corrigir na decisão ministerial. Mas pergunto sobre isto o seguinte: que fizeram os sindicatos para corrigir tais desacertos? Eu digo-vos: NADA. Preferiram deixar apodrecer a situação! Não é apenas o centralismo governamental q tem q ser denunciado e banido, é também o centralismo "democrático" das burocracias sindicais, que pouco ou nada fazem, para além de falarem sem qualquer réstea de imaginação em nome dos trabalhadores.
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