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sábado, março 06, 2010

Portugal 170


Educação: não deitem fora o bebé com a água do banho!



An illustration: I challenged one student about why he always wore headphones in class. He replied that it didn't matter, because he wasn't actually playing any music. In another lesson, he was playing music at very low volume through the headphones without wearing them. When I asked him to switch it off, he replied that even he couldn't hear it. Why wear the headphones without playing music or play music without wearing the headphones? Because the presence of the phones on the ears or the knowledge that the music is playing (even if he couldn't hear it) was a reassurance that the matrix was still there, within reach. — in Mark Fisher, Capitalist Realism.

Uma das consignas eleitorais de Paulo Rangel foi directamente importada de Medina Carreira: disciplina nas escolas! Todo o poder aos professores!! Aconselho, porém, o ansioso Calimero que quer ser primeiro-ministro de Portugal a rever o slogan.

Medina Carreira, que tem a cabeça no sítio, e resolveu dizer umas verdades que a maioria dos economistas conhecia, mas fingia ignorar, é curto na sua análise e na receita lapidar que dá para o problema da educação em Portugal: mais ensino profissional e disciplina. Não chega, ou melhor, não será por esta via de serviço, algo retrógrada, que iremos lá.

Em primeiro lugar, convém esclarecer que o problema da educação, tal como tem vindo a ser desvendado, não é português. Tal como noutros domínios, apenas importámos a epidemia. E o vírus da entropia educativa, tal como outros vírus, tem propensão para desenvolver pandemias, resiste aos contra-ataques, e é mutante!

If, then, something like attention deficit hyperactivity disorder is a pathology, it is a pathology of late capitalism — a consequence of being wired into the entertainment-control circuits of hypermediated consumer culture. Similarly, what is called dyslexia may in many cases amount to a post-lexia. Teenagers process capital's image-dense data very effectively without any need to read — slogan-recognition is sufficient to navigate the net-mobile-magazine informational plane. 'Writing has never been capitalism's thing. Capitalism is profoundly illiterate', Deleuze and Guattari argued in Anti-Oedipus. 'Electric language does not go by way of the voice or writing: data processing does without them both'. Hence the reason that many successful business people are dyslexic (but is their post-lexical efficiency a cause or efect of their success?)

Teachers are now put under intolerable presure to mediate between the post-literate subjectivity of the late capitalist consumer and the demands of the disciplinary regime (to pass examinations etc). This is one way in which education, far from being in some ivory tower safely inured from the 'real world', is the engine room of the reproduction of social reality, directly confronting the inconsistencies of the capitalist social field. Teachers are caught between being facilitator-entertainers and disciplinarian-authoritarians. Teachers want to help students to pass the exams; they want us to be authority figures who tell them what to do. Teachers being interpellated by students as authority figures exacerbates the 'boredom' problem, since isn't anything that comes from the place of authority a priori boring? Ironically, the role of disciplinarian is demanded of educators more than ever at precisely the time when disciplinary structures are breaking down in institutions. With families buckling under the pressure of a capitalism which requires both parents to work, teachers are now increasingly required to act as surrogate parents, instilling the mst basic behavioral protocols in students and providing pastoral and emotional support for teenagers who are in some cases only minimally socialized. — idem.

Tal como noutras matérias, a metodologia honesta aconselha a não confundir efeitos com causas. Não é a falta de disciplina que apodrece o ensino, mas o apodrecimento sistémico do ensino que se revela como indisciplina, permitindo de forma perversa justificar todas as guinadas da política, e em última análise servir (com aplauso público condicionado) a tendência manifesta, desde a década de 1980, para a desestruturação do ensino público. A educação gratuita, paga pelos impostos, tornou-se basicamente um processo de formatação cognitiva de massas, suportado por uma burocracia imensa, apto a melhor, ou pelo menos, mais pacificamente, administrar a força de trabalho globalmente disponível, ocultando por outro lado, e desta forma subtil, as verdadeiras taxas de desemprego (e sobretudo a destruição paulatina e aparentemente irreversível do trabalho produtivo), sob o manto simpático e diáfano da formação permanente, ou das "novas oportunidades".

O assunto merece mais e melhor reflexão. Não se precipite pois o candidato Paulo Rangel em promover receitas expeditas, que além de mal informadas, podem não passar de demagogia.

Voltarei ao tema.


OAM 695 —06 Mar 2010 20:40

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Portugal 58

O preço de uma paz podre

José Sócrates confessou ainda estar cansado de guerras, mas acabou por admitir que com uma maioria absoluta o Partido Socialista não precisa de comprar a paz, contrariamente ao que sucedeu no Governo de Guterres que optou por acabar com os exames no 8ºano de escolaridade. -- in José Sócrates cansado de "guerras", 9-12-2008 (TSF)

Já escrevi o que penso sobre este tema (1).

No essencial, a verdade continua a ser esta: os professores e os sindicatos querem tão só manter o status quo. E o governo, quer poupar dinheiro.
Do embate destes dois oportunismos resultou a monumental derrapagem social do sector educativo, cujas consequências podem ainda vir a ser fatais para este governo. Lembre-mo-nos do que aconteceu em Paris quando Sarkozy era ministro da segurança interna, ou do que se está a passar agora mesmo na Grécia. O material necessário para uma combustão social espontânea está aí. Basta lançar-lhe um cigarro distraidamente aceso para cima!

O senhor Sócrates deve demitir a actual ministra, pois já não serve para nada. Mas deve, ao mesmo tempo, dirigir-se directamente ao país sobre este assunto e desafiar a Oposição parlamentar para um consenso razoável e urgente sobre a questão da avaliação. Esta deveria obviamente conduzir o sector a um sistema selectivo de progressão na carreira, na minha opinião, totalmente descentralizado. O director da escola, os conselhos científico e pedagógico, a avaliação entre pares e as associações de pais deveriam ser os principais responsáveis pelas avaliações de competência e de carreira. O ministério deveria ficar fora desta cadeia de decisão!

Mas para que isto funcione, terá que haver liberdade de escolha do estabelecimento de ensino para onde queremos enviar os nossos filhos. E estes também deverão poder tomar parte nas decisões. Deve, por outro lado, manter-se um sistema de classificação dos estabelecimentos de ensino, com consequências práticas no destino das direcções escolares. Onde faltem condições sócio-económicas, o país deve acudir e investir para melhorar. Onde houver facilitismo e oportunismo docentes, a procura diminuirá naturalmente, e abaixo de determinado limiar, os conselhos directivos deveriam cair automaticamente.

Mas este desafio tem que ser feito agora! Para que não passe a oportunidade de uma reforma necessária. E para que o oportunismo sindical deixe de poder comprometer o funcionamento das instituições.

A Oposição deve ser confrontada já!

O PSD e o Bloco têm muito a perder se derem as respostas erradas ao inadiável repto. O PS, por outro lado, terá tudo a ganhar se reorientar a sua estratégia, tendo sobretudo em conta as imposições sociais da recessão em curso (e que não terminará antes de 2010-2011), na direcção de um novo, transparente, simples e equilibrado método de avaliação dos professores. Abandone o oportunismo orçamental! Aproveite a boleia do inevitável aumento temporário do deficit nas contas públicas, usando-a para levar por diante as reformas radicais de que o país precisa para não desaparecer.

O governo que se prepara para hipotecar 13,5% do PIB no salvamento do sistema financeiro, não pode deixar de fazer o essencial para preparar o país, não apenas para lidar com a crise grave que enfrentamos, mas sobretudo para aproveitar da melhor maneira as oportunidades que germinarão no novo ciclo de esperança que se seguir à longa e dura perda de privilégios que nos espera a todos.

A indignação entre os professores foi crescendo devido à complicação escusada dos planos governamentais. E mais ainda por causa da maneira traiçoeira como a actual ministra e secretários tentaram fazer passar uma reforma cujo único fito não declarado é diminuir a factura orçamental a todo o custo. O governo não agiu de boa fé. Em vez de dizer as verdades duras que urge discutir publicamente, andou a jogar ao gato e ao rato com mais de uma centena de milhar de professores!

O sindicato comunista, para não perder o comboio, acabou por encabeçar o movimento, na expectativa de uma oportunidade para "vender a paz" ao governo de José Sócrates. Parece que conseguiu. Mas a que preço?

Pois bem, ao preço de uma paz podre, traduzida no adiamento da necessária responsabilização dos professores deste país pelo esforço fiscal que lhes é dedicado em nome de uma expectativa educativa por cumprir. O corporativismo egoísta triunfou uma vez mais — até ao dia em que os contribuintes resolverem revoltar-se contra uma democracia de burocratas e políticos inimputáveis.

Os trinta e tal deputados que por sua alta recreação resolveram antecipar o fim-de-semana, demonstrando o mais completo desprezo por quem lhes paga os vencimentos, não são a excepção, mas a regra de uma casta de cidadãos que raramente cria riqueza, mas que adora apropriar-se dela.


Post scriptum — Uma leitora atenta, e colaboradora sombra assídua deste blog (MFB), fez-me entretanto chegar notícias de França. Por lá, o sector educativo caminha igualmente para uma sincronização das lutas dos vários actores do sistema, motivada pela mesma ordem de problemas que afecta o caso português. Por sua vez, as mobilizações na Catalunha deverão também estender-se a toda a Espanha à medida que a crise económica fizer sentir os seus efeitos mais dramáticos (falências de empresas e desemprego.) Ou seja, poderemos assistir a uma repetição em larga escala do Maio de 68, desta vez, com uma componente social sobretudo defensiva. A verdade é que o modelo educativo actual deixou de servir a dura realidade que vai ser o reajustamento doloroso das sociedades ocidentais a uma economia pós-consumista, menos liberal e onde a globalização libertina dos mercados financeiros dará inevitavelmente lugar a uma nova ordem do comércio mundial, assente na protecção justa dos mercados e sobretudo numa dispersão internacional mais equilibrada dos rendimentos, quer dizer, menos imperialista. Os Estados Unidos e a Europa vão ter mesmo que aprender a conviver num planeta pós-imperialista! E o senhor José Sócrates, como no início deste artigo sublinhei, que se deixe de triunfalismos apressados e ponha em marcha um plano de transparência democrática para lidar com este explosivo dossier. Não atire beatas ao chão! PERIGO DE INCÊNDIO!!
Appel aux manifestations dans l'Education nationale

NOUVELOBS.COM | 10.12.2008 | 10:16. Enseignants, lycéens et parents d'élèves prévoient des dizaines de rassemblements, d'actions et de défilés dans toute la France contre la réforme de Xavier Darcos.
...
A l'origine de cette mobilisation, sans appel à la grève: les principales fédérations de l'Education, des organisations lycéennes et étudiantes les parents de la FCPE, ou encore des mouvements pédagogiques, qui entendent notamment protester contre les suppressions de postes d'enseignants (13.500 prévus en 2009).
...

Les élèves s'opposent notamment à la réforme du lycée voulue pour la rentrée 2009 en seconde par le ministre de l'Education Xavier Darcos, qui prévoit, en moyenne, une baisse du nombre d'heures d'enseignements lors d'une année divisée en deux semestres.
Dans un communiqué, l'organisation lycéenne Fidl, qui avait mobilisé vendredi quelques milliers de lycéens à travers la France, annonce qu'elle "appellera à des dates de manifestations nationales en janvier".

NOTAS
  1. Da inépcia burocrática à manipulação sindical (11 MAR 2008); Professores: indignados ou manipulados? (11 MAR 2008); O fim antecipado de uma maioria absoluta (9 MAR 2008); Jogos de Polícia (8 MAR 2008).

OAM 489 10-12-2008 02:10 (última actualização: 10:40)

quarta-feira, junho 25, 2008

Escolarizar

A Matemática segundo Bolonha

"A Sociedade Portuguesa de Matemática advertiu este domingo que o facilitismo nos exames nacionais pode constituir um «desincentivo» para professores e alunos, lamentando nunca ter sido ouvida pelo Ministério da Educação quanto ao grau de dificuldade das provas, refere a agência Lusa."
As pessoas e sobretudo as corporações têm uma grande dificuldade em entender as causas das coisas. As pessoas normais, por ingenuidade. As corporações, por instinto de sobrevivência. Há muito tempo que o vento começou a soprar contra o estado pantanoso e insuportável dos sistemas de ensino que vigoram na maioria das democracias ocidentais. São caros, não ensinam nada que não se possa aprender em frente a uma televisão, com um laptop nas unhas, ou em grupos de interesses, mantêm sequestrados durante 12, 17 ou mesmo 20 anos, numa alarmante improdutividade social, milhões de jovens por esse mundo fora, inflacionam para além do razoável o preço do trabalho e no fim, quando o Capitalismo esperava, ao menos, ter domesticado os novos proletariados que paulatinamente substituiriam as anteriores gerações de conformados trabalhadores e hipnotizados consumidores, depara-se com verdadeiros exércitos tecnologicamente sofisticados de furiosos desempregados!

Daí que a primeira decisão há muito tomada nos conclaves reservados onde estas coisas se discutem a sério tenha sido, encurtar tanto quanto possível os períodos escolares obrigatórios e gratuitos, massificar a administração de conhecimentos e regras comportamentais, reduzindo os respectivos custos formativos individuais, substituir o princípio do funil (numerus clausus) pelo princípio da conformidade estatística (daí a necessária facilidade crescente das provas de aferição e a falta de utilidade das antigas disciplinas discriminatórias, como a Matemática, a Física ou a Geometria Descritiva), e finalmente, projectar os jovens, depois do período de domesticação obrigatória, para uma bifurcação dramática entre a especialização paga e por mérito (reservada a uma escassa minoria competitiva), e o fatal labirinto da formação para o emprego, onde cai a esmagadora maioria dos futuros empregados de baixo rendimento e onde permanecem sem quaisquer horizontes de dignidade as vítimas do chamado desemprego estrutural.

A realidade é esta, e onde não é, como por exemplo no Japão, ou na China, subsiste a norma da velha disciplina prussiana: a escolarização como estratégia de domesticação e formação das massas. Segundo esta regra os professores têm autoridade máxima e os alunos não passam de bonsais mais ou menos viçosos. Os dois países referidos têm os respectivos cofres a abarrotar, e por isso podem continuar com a tradição prussiana. Já a Europa e os Estados Unidos, onde faliram estrondosamente os sistemas de ensino público gratuito, as dívidas acumuladas ameaçam cada vez mais a sustentabilidade da própria educação obrigatória. Resta saber se é mau, ou se poderá revelar-se proximamente um novo ponto de partida para um novo paradigma pedagógico. Oxalá!

A domesticação académica imposta de cima para baixo pela via da escolarização obrigatória é um fenómeno relativamente recente e basicamente militar. Só em 1763 viria a ser consagrada pela vontade do rei Frederico II da Prússia. Custa até entender como foi possível a humanidade ter sobrevivido sem ter adoptado antes este sistema impositivo! De que raios divinos terão surgido as primeiras leis escritas Sumérias, há mais de 5 mil anos, a arquitectura Egípcia, a Astronomia Mesopotâmica, a Escultura e a Filosofia Gregas, a Matemática da Índia, a História Romana, a Poesia Medieval, o Renascimento, ou a invenção da Ciência no século 17? Será que a educação poderá recuperar um dia a sua tão longa e fundada tradição de liberdade e a sua essencial distracção?

Antes de alimentarmos o escândalo hipócrita em volta de Bolonha (1), talvez devêssemos ler com cuidado a verdadeira história dos actuais sistemas públicos de ensino, não apenas à luz das reflexões oportunas realizadas por Michel Foucault nas idas décadas de 60 e 70 do século passado, mas também do oportuno escrito de Thom Hartmann sobre a verdadeira origem histórica e peripécias do famoso ensino público obrigatório.
Plato gave up on his experiment after only a few years, and the theocrats who ruled Salem Massachusetts gave up their state-run school when it was determined that a majority of the teachers were witches. The King of Prussia was the first to put compulsory schools into place and to make it stick.

His theory, attributed to the German philosopher Fichte, was that by forcing children to attend school at a young age they would become more loyal to and afraid of the power of the state than they would be loyal to or afraid of their parents. If they didn't go to school, people with guns would come to take them; if they or their parents tried seriously to resist, the police of the state could imprison or even shoot and kill the rebellious parents. The kids were no dummies: they knew that their parents had no choice but to send them to school, and that therefore the state was more powerful than their own families. Therefore, Fichte and the King reasoned, these children would grow up to be good soldiers, respecting the power of the state.

Additionally, the King wanted soldiers who didn't question their orders but immediately did what they were told. So the Prussian school system instituted a system of "no interruptions allowed." Children could not even ask a question about the topic under discussion unless they first asked the question of, "May I ask a question?" by raising their hand and being called on. In this way they became "properly socialized" to respect and not question authority figures.

The system, in other words, was designed to beat out or weed out what we today would call ADD-like behaviors* and perspectives from the "commoner" citizenry. It was one of modern history's first full-scale assaults on those people who inherited the Hunter genes of our distant ancestors.

And, finally, all the children who were products of this school system would have the same opinions about "matters of importance to the state." This particularly pleased the King, since he would be able to choose what these matters were, and what opinions the children should have.

The King, however, didn't want his own children to be subject to such a treatment. They, after all, would one day become the rules of the country. They'd be the leaders, and instead of follower-skills would have to have the skills of leadership, creativity, and independence. The King also realized that the sons of the leading merchants and government officials would need similar skills, and would be less effective at running business and government if they'd been processed by the public school system he'd created.

So he ordered the creation of a second, parallel public school system. While the first system was called "the People's School" (Volkshochschule), the second was to be the place where true education would take place. Recognizing this, it was called simply "the Real School" (Realschule). Ninety three percent of students would attend the People's School, and the seven percent who represented the elite of the nation and would be its future business and governmental leaders would attend the Real School.

The Realschule was set up originally in a way which would probably be very friendly to kids with ADD. There was emphasis on interaction, on participation, on asserting one's opinions and ideas, on critical thinking skills and leadership training. It resembled in many ways some of the more progressive "experimental" schools we find today in the United States and elsewhere. -- in The Real School is Not Free, by Thom Hartmann. Copyright © 1999, 2000, 2001 by Thom Hartmann, all rights reserved.

* - ADD: Attention Deficit Disorder, describes the characteristics of inattention, impulsivity and hyperactivity that may be present in some children and adults. (NTr)



NOTAS
  1. Em vez de prestarmos demasiada atenção aos jogos florais dos opinocratas de serviço, espécie de marretas atacados pela síndrome Salazarista da cadeira (só removíveis por acidente), deveríamos colocar frontalmente em discussão as questões realmente estruturais do nosso sistema educativo, sem o que nada de substancial se reformará. Para mim, os obstáculos e pecados mortais da Educação Pública são estes:
    1. A caducidade instrumental do sistema, do ponto de vista da sua génese e missão histórica: formatar a cidadania democrática de acordo com os interesses verticais do Capitalismo e do Estado Nacional;
    2. A multiplicidade de instâncias de formação dinâmica actualmente disponíveis no mercado, fora dos quadros institucionais dos Estados e Uniões de Estados nacionais, cada vez mais ajustada ao desenvolvimento em rede das sociedades e dos modos de produção, e contra a qual apenas remam as sociedades onde predominam ainda, apesar das enganadoras aparências democráticas, regimes políticos corruptos e corporativos;
    3. O centralismo, a macrocefalia e a natureza intrusiva da burocracia educativa de Estado, cujos elevados graus de incesto público-privado e corrupção corroem irremediavelmente a credibilidade e capacidade de acção dos governos nesta área de domesticação social;
    4. A inutilidade e corrupção endémica das corporações profissionais, a começar pelas hierarquias universitárias, professorado em geral, sindicatos e associações de estudantes;
    5. A recuperação das praxes académicas enquanto instanciação neofascista dos procedimentos de aquartelamento e hierarquização social.
No imediato, o Estado deve retirar-se de boa parte do sistema educativo, seja abandonando a prestação de serviços onde não faz falta, seja deixando de regular e ter autoridade onde não tem que ter e só atrapalha, seja reduzindo drasticamente a burocracia existente. A pseudo-liberalização realizada em Portugal pelas corporações do ensino, em simbiose corrupta com a burocracia política, foi um embuste total e serviu apenas para iludir os eleitores sobre a necessidade artificialmente construída da persistência do actual imprestável, caríssimo e corrupto sistema de doutrinação e domesticação social. O sistema está falido. Não prosseguirá. E as confusões e atira culpas multiplicar-se-ão numa espiral demagógica cujo único resultado será prejudicar ainda mais o endividamento público do país, e sobretudo a sua competitividade cognitiva, tecnológica e cultural. Desfaçamos os mitos!

OAM 380 25-06-2008, 02:58 (última actualização: 10:21)

quarta-feira, março 05, 2008

Portugal 21

É preciso mediar este conflito!
05-03-2008. (...) Manuel Alegre, o candidato a secretário-geral que disputou a liderança com José Sócrates e que ficou em segundo lugar nas eleições para Presidente da República, declarou ao PÚBLICO que não irá a nenhuma manifestação. "A nenhuma. Não vou a nenhuma, nem a uma nem a outra", afirmou, peremptório.

A outra a que Alegre se refere é ao comício de apoio ao PS marcado para o sábado seguinte ao da manifestação de professores, no Porto. "Ao comício do PS não vou. Nem sequer às Novas Fronteiras tenho ido, não faz sentido ir ao comício", afirmou Ana Benavente, lançando um desafio à actual direcção socialista "eu iria era a um debate no interior do PS sobre a escola pública e as actuais políticas educativas." -- Público.
Tal como no caso que levou à queda de Correia de Campos, Maria de Lurdes Rodrigues corre sérios riscos de ser apeada por José Sócrates, que, como qualquer chefe de governo, sacrificará sem pejo um ou todos os seus ministros se vir numa tal decisão a forma inevitável e expedita de aliviar a pressão sobre o seu próprio futuro politico.

No caso vertente, não é a sobrevivência da maioria absoluta que está em causa, pois essa foi já irremediavelmente à vida, mas a própria continuação de José Sócrates à frente do PS. As apostas não poderiam ser mais altas! Ora, como as coisas estão no escaldante dossiê educativo, não vislumbro maneira de descalçar a bota com esta ministra, por mais razões que tenha a seu favor -- e tem certamente algumas de peso. As motivações das reformas que ambos ministros, da saúde e da educação, tentaram pôr em prática, fazem sentido.

Primeiro, porque o país caminha aceleradamente para a falência. E segundo, porque é da maior justeza moral corrigir a degradação profissional e social a que chegaram os sectores que mais recursos sugam ao orçamento geral do Estado, financiado, como se sabe, pelos impostos e inflação crescentes. Só que a responsabilidade desta crise não é, ou não é em primeiro lugar, dos professores. Fazer passar a imagem de que são eles os principais fautores dos péssimos índices escolares que temos foi um erro fatal da actual equipa ministerial. Os principais responsáveis do descalabro foram e continuam a ser, como toda a gente sabe por intuição, a nomenclatura partidária que transformou paulatinamente o Estado numa coutada eleitoral e na alavanca despesista duma democracia abandalhada, irresponsável, promiscua e progressivamente corroída pela corrupção. Cada ministro que chega arroga-se a prerrogativa de mudar tudo sem mudar nada, causando invariavelmente os maiores incómodos ao pachorrento funcionário público. No caso dos professores, a inépcia ministerial foi tal que a tampa da paciência destes servidores públicos (efectivos ou contratados, à resma sem jeito, nem garantias) acabou por se esgotar. Nenhum governo pode ser insensível ao engrossar imparável de um protesto que acabará por contaminar o resto do país.

O primeiro e principal sinal da inépcia deste governo na condução das inevitáveis reformas tem sido a sua manifesta incapacidade de explicar de uma forma simples e directa as causas e os objectivos das mesmas. Sendo como são alterações profundas e que mexem com inercias e interesses instalados (alguns deles poderosos), teria sido da mais elementar esperteza produzir previamente os necessários livros brancos sobre a saúde e sobre o ensino, onde as conclusões fossem claramente sintetizadas e os objectivos definidos de forma honesta e compreensível. Depois, se um tal trabalho de preparação da obra reformista tivesse sido realizado, haveria que concitar um debate público sério sobre os problemas, para o que não faltaria a colaboração dos meios de comunicação social. Finalmente, por-se-iam em marcha as reformas. Claro que um ponto fundamental das mesmas é que teriam que ser participadas, descentralizadas, responsabilizadoras, cogeridas, em suma, abrindo um vasto espaço de interacção entre a esfera pública e a esfera privada da democracia. Ora não foi nada disto que aconteceu! O que tivemos foi obscuridade processual, inépcia burocrática, arrogância política e agendas ocultas. O fracasso estava escrito nos astros.

Outro ponto não menos importante do impasse a que chegámos deriva do primeiro ministro que temos, que já ninguém leva a sério, salvo talvez a tríade de interesses que o pôs onde está. Como é possível ouvir e seguir um chefe de governo cujo passado recente está envolto em tantas quão ridículas trapalhadas? Como é possível, por outro lado, aceitar a palavra de um governo quando o dito e quase tudo o que o rodeia cheira, apesar de algumas boas intenções, a mentira e ligeireza? O protesto dos professores e a avalanche que derrubou o anterior ministro da saúde são muito mais do que aparentam. Este é o problema sério da actual crise de regime, que a democracia terá necessariamente que enfrentar, sob pena de, se o não fizer, naufragar num perigoso magma siciliano e perder a sua independência económica, política e moral para quem decidir tomar conta de nós.

Eu sei que há resistências corporativas e sindicais intoleráveis a toda e qualquer tentativa de mudar qualquer status quo, sobretudo se é ilegítimo e abusivo. Sei que os sindicatos não passam, na maioria dos casos, de apêndices oportunistas do sistema e que vivem para si mesmos. Sei que a nossa função pública é um novelo interminável de ineficiência, cumplicidades podres, abusos de posições privilegiadas, legislação contraditória, obsoleta e frequentemente impraticável, e ainda o covil por excelência da nomenclatura que se apoderou da democracia. Mas de quem é a culpa? Dos professores?! Ora tenham juízo!!

Vamos, enfim, por partes: o imbróglio de que a manifestação de dia 8 de Março será certamente uma poderosa demonstração, precisa de ser desembrulhado rapidamente, independentemente de a ministra ir para a rua ou não. Como alguns já alvitraram urge constituir uma instância de mediação entre o governo, os estudantes, os pais e os professores (representados pelos sindicatos, mas não só). Esta mediação terá forçosamente que ser uma típica mediação de conflitos, negociada por especialistas sem quaisquer interesses na matéria dos diferendos. O pior que poderia acontecer seria deixar cair a grave crise instalada num impasse. O primeiro passo nesta direcção deve provir da ministra.

Entretanto, seria bom que todos os portugueses pudessem perceber o que está realmente em causa em toda a crispação gerada pela reforma do estatuto da carreira docente.

Enquanto recolhia elementos para este post deparei-me, no Forum para a Liberdade de Educação, com dois textos oportunos sobre a reforma inglesa da educação, promovida por Tony Blair. Porque foi nela que o modelo da actual ministra se inspirou, aqui ficam duas citações esclarecedoras.
Enfrentar o desafio da reforma da educação no Reino Unido e... em Portugal

No mês passado, o primeiro-ministro inglês conseguiu impor ao seu partido a aprovação da reforma educativa proposta no livro branco intitulado Melhor Qualidade, melhores Escolas para Todos -- Mais Escolhas para os Pais e para as Escolas, que, em conjunto com a ministra da Educação, Ruth Kelly, vinha promovendo desde Outubro.

Digo "conseguiu impor", porque o debate final em sede parlamentar, não obstante a justeza das propostas, não evitou a tradicional querela partidária do posicionamento ideológico entre esquerda e direita, com uma parte significativa do Partido Trabalhista a votar contra.

A ideia-força da reforma de Blair é a de que a forma mais eficaz de assegurar níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos é garantir a escolha da escola pelos pais. De facto, no essencial, as medidas preconizadas têm como objectivo possibilitar a todas as famílias a escolha da escola a frequentar pelos seus filhos. Entre estas destacam-se o financiamento público às escolas privadas que prestem o serviço público de educação, o incremento da autonomia das escolas estatais, o transporte gratuito dos alunos que têm menores recursos económicos para a escola da sua escolha, desde que situada a menos de dez quilómetros da residência, a introdução de um serviço local de promoção e apoio à escolha dos pais menos informados e o posicionamento das autoridades centrais e locais como garante da qualidade e da equidade do sistema e não como prestadores propriamente ditos do serviço de educação. -- Francisco Vieira e Sousa.

Higher Standards, Better Schools For All, More choice for parents and pupils

...so we are developing a radical new school system... In this new system, improvements will become embedded and selfsustaining within schools, because the changes will be owned and driven by schools and parents: every schoo will be able to acquire a self-governing Trust similar to those supporting Academies, which will give them the freedom to work with new partners to help develop their ethos and raise standards; Academies will remain at the heart of the programme, with continued and new opportunities to develop them in schools and areas of real and historical underperformance and underachievement; independent schools will find it easier to enter the new system; and a national Schools Commissioner will drive change, matching schools and new partners, promoting the benefits of choice, access and diversity, and taking action where parental choices are being frustrated. This will create a system of independent non-fee paying state schools, where schools can decide whether they wish to acquire a self-governing Trust or become a self-governing Foundation school. They will do so without unnecessary bureaucratic interference, in a system of fair admissions, fair funding and clear accountability.

Última hora

Professores, não se queixem!
06-03-2008 22:35 --
Do que consegui apurar, a raiz do conflito que desembocará na manifestação do próximo dia 8 de Março, nasceu da implementação do processo legal de separação entre professores titulares e não titulares, através de um conjunto de procedimentos de avaliação. Fui ler a documentação legal sobre o assunto (Decreto-Lei n.o 15/2007, de 19 de Janeiro e Decreto-Lei n.o 200/2007, de 22 de maio) e não vejo motivos para alarme. Embora se compreenda a estupefacção dos professores apanhados nesta curva, a verdade é que o modelo de diferenciação inevitável entre profissionais do mesmo ofício, baseado essencialmente nas qualificações académicas, assiduidade, produtividade científico-pedagógica e envolvimento institucional, é uma orientação mais do que justa. Podem discutir-se os pormenores, mas duvido que algum português, sobretudo se estiver desempregado ou viver do salário mínimo nacional, ou mesmo fizer parte da minguante classe média que mal chegou a consolidar-se, aceite a demagogia sindical e partidária que actualmente acarinha uma classe mal habituada, pelo menos à luz dos padrões europeus e norte-americanos. O zombie do PSD apoia a manifestação, essencialmente porque não passa dum morto-vivo! O Trotskista atormentado do Bloco de Esquerda vai à manifestação, porque não consegue evitar reflexos pavlovianos. O PCP corre à frente da manifestação pois depende cada vez mais, tal como os governos e os partidos parlamentares, do voto dos funcionários públicos. Os sindicatos foram ultrapassados pelos SMS e agora tentam controlar a derrapagem do processo (eles vivem em simbiose com o poder!) Só os professores, alguns deles meus amigos e com os quais tenho tentado perceber o que os move, estão a ser levados num jogo que os ultrapassa. O país está desesperado, e qualquer incidente pode provocar o caos. É esta a verdadeira causa do impacto esperado da manifestação de Sábado.

A impressão geral que eu e muitos adultos temos da escola e da universidade portuguesas é em geral, quer dizer, salvo as honrosas excepções, muito má! E disto não sairemos enquanto se não reintroduzir no sistema educativo o princípio geral da liberdade (de escolha da escola), da responsabilidade, do mérito e da transparência. Nada disto existe ainda nas nossas escolas, nem nas nossas universidades. E em seu lugar temos, quase sempre, uma espécie de mediocridade endémica e sórdida, de que os que podem fogem na hora de eleger o futuro educativo dos seus filhos.

Ouvi hoje a ministra na RTP1 e fiquei mais convencido de que ela está certa na substância, mas terá mal-conduzido o processo em matéria de exposição pública da reforma (deixar passar a ideia -- aliás verdadeira em alguns casos -- de que os professores não trabalham, ou estão mal habituados comparativamente com o sector privado, ou mesmo com o sector educativo, por exemplo, de Chicago, ou de Berlim, foi um erro crasso que provavelmente levará à demissão forçada da ministra.

Quanto ao mais, a questão de fundo é esta: acabou-se o tempo das vacas gordas. A Europa exige resultados, monitorização e transparência. E os professores da escola pública não são mais que os demais funcionários públicos. Ou estaremos todos enganados? A crer nas palavras da ministra -- sobre as classificações necessárias à progressão da carreira, até são. Não se queixem!


OAM 329 05-03-2008, 16:03