quinta-feira, dezembro 14, 2017

A formiga cor-de-rosa


O nepotismo e a endogamia são as maiores ameaças à democracia contemporânea 


No Governo socialista existe uma série de relações íntimas e familiares entre ministros, deputados, secretários de Estado e ex-governantes. Há um pouco de tudo, desde um ministro casado com uma ministra, a uma secretária de Estado que é filha de um ministro. Além dos amigos de António Costa. A nomeação de Rosa Matos Zorrinho para secretária de Estado da Saúde é um dos exemplos destas relações. 
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A endogamia partidária é parecida com a formiga branca, na medida em que trabalha silenciosamente em recantos mais ou menos escondidos da realidade, e quando damos por ela temos um organismo devorado por dentro prestes a ruir. Sem intervenções profundas e energéticas é praticamente impossível salvar o organismo atacado. Veja-se, por exemplo, o estado em que a endogamia partidária deixou o país depois de quatro décadas de roda livre. Veja-se ainda o estado de falência em que estes organismos partidários de raíz cada vez mais biológica deixaram os próprios partidos:

“Novo Banco (sim, o do DDT, cujo resgate nos pesará nos bolsos durante décadas) empresta 2 milhões ao PS” — in Jornal de Negócios, 13/12/2017.

O corrupção partidária no nosso país é, pois, uma espécie de formiga branca que tudo destrói à sua passagem. No caso da formiga cor-de-rosa, o fenómeno sofreu uma mutação, na medida em que a atividade predadora passou a ser realizada às claras, reproduzindo-se rapidamente como uma espécie de praga biopartidária.

O poder dito socialista tem vindo a assumir descaradamente formas de nepotismo outrora intoleráveis, como se a república democrática onde ainda vivemos estivesse a caminhar rapidamente para uma espécie de monarquia partidária, onde o poder se transmite pela via sanguínea e genética com total desfaçatez perante a impotência fabricada das leis e do regime constitucional.

Alguns exemplos desta consanguinidade democraticamente intolerável:

Mário Soares - João Soares
Eduardo Cabrita - Ana Paula Vitorino
José António Vieira da Silva - Sónia Fertuzinhos
José António Vieira da Silva - Mariana Vieira da Silva
Carlos Zorrinho - Rosa Matos Zorrinho
Guilherme d’Oliveira Martins - Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins
Pedro Roseta - Helena Roseta - Filipa Roseta

Este problema não é, porém, novo...


Carta enviada de Bruges, pelo Infante D. Pedro ao irmão D. Duarte, em 1426 
«O governo do Estado deve basear-se nas quatro virtudes cardeais e, sob esse ponto de vista, a situação de Portugal não é satisfatória. A força reside em parte na população; é pois preciso evitar o despovoamento, diminuindo os tributos que pesam sobre o povo. Impõem-se medidas que travem a diminuição do número de cavalos e de armas. É preciso assegurar um salário fixo e decente aos coudéis, a fim de se evitarem os abusos que eles cometem para assegurar a sua subsistência. É necessário igualmente diminuir o número de dias de trabalho gratuito que o povo tem de assegurar, e agir de tal forma que o reino se abasteça suficientemente de víveres e de armas; uma viagem de inspecção, atenta a estes aspectos, deveria na realidade fazer-se de dois em dois anos. A justiça só parece reinar em Portugal no coração do Rei [D. João I] e de D. Duarte; e dá ideia que de lá não sai, porque se assim não fosse aqueles que têm por encargo administrá-la comportar-se-iam mais honestamente. A justiça deve dar a cada qual aquilo que lhe é devido, e dar-lho sem delonga. É principalmente deste último ponto de vista que as coisas deixam a desejar: o grande mal está na lentidão da justiça. Quanto à temperança, devemos confiar sobretudo na acção do clero, mas ele [o Infante D. Pedro] tem a impressão de que a situação em Portugal é melhor do que a dos países estrangeiros que visitou. Enfim, um dos erros que lesam a prudência é o número exagerado das pessoas que fazem parte da casa do Rei e da dos príncipes. De onde decorrem as despesas exageradas que recaem sobre o povo, sob a forma de impostos e de requisições de animais. Acresce que toda a gente ambiciona viver na Corte, sem outra forma de ofício.» 
(resumo feito por Robert Ricard e constante do seu estudo «L’Infant D. Pedro de Portugal et “O Livro da Virtuosa Bemfeitoria”», in Bulletin des Études Portugaises, do Institut Français au Portugal, Nova série, tomo XVII, 1953, pp. 10-11).

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