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domingo, março 06, 2016

New Deal europeu, ou regresso do lóbi de Macau?

“Without the Marshall Plan, your bread would be bare and so would your children.”
Image @ Library of Congress.

Maria João Rodrigues, alma mater de António Costa, propõe mais dívida pública e mais dívida externa para salvar o país da pobreza, e para recuperar a Europa. Chama-lhe New Deal europeu. Será uma boa solução?


During the “dirty thirties” many thousands of farmers saw their livelihoods literally blow away. Making matters worse, most had gone deeply into debt to increase production, and when the drought struck, their creditors closed in. Driven off their lands, they became part of the army of persons displaced by the Great Depression. 
[...] 
The New Deal stabilized the economy and mitigated the worst of the Depression, but full recovery came only after December 1941, when America’s entrance into World War II triggered federal spending many times that under the New Deal. 

—in The Great Depression, the New Deal, and World War II in the American West, by Elliott West

New Deal? Não, não foi o New Deal que salvou a América da Grande Depressão, mas sim a Segunda Guerra Mundial e o Plano Marshall (European Recovery Program). Sem esta sangria mundial os Primeiros 100 Dias de Franklin D. Roosevelt, que deram início ao “new deal for the American people” (1933-1934, 1935-1938) não teriam atingido plenamente os resultados pretendidos. O preço final da saída da Grande Depressão de 1929-1933 foram centenas de milhões de mortos e milhões de casas e infra-estruturas destruídas na Europa e na Ásia, senhora Professora!

Mas uma coisa percebemos desta entrevista: Maria João Rodrigues, e não Mário Centeno, é a alma mater de António Costa. Daí a importância desta publicação do Jornal i, e a necessidade de a desmontar, para evitar ilusões que acabam em dissabores amargos.

Maria João Rodrigues. Exigir solução radical para a dívida é contraproducente 
Jornal i, Ana Sá Lopes, 05/03/2016 
Maria João Rodrigues, uma das maiores especialistas portuguesas em assuntos europeus, vice-presidente da família socialista europeia, acabou de conseguir aprovar um relatório pelo Parlamento Europeu em que conseguiu os votos do PSD e do CDS – integrados no Partido Popular Europeu – contra as políticas de austeridade. Em entrevista ao i, defende a urgência de aprovar um New Deal europeu que ponha a União Europeia a crescer. Quanto à dívida portuguesa, afirma que o problema tem de ser enfrentado, mas deve evitada “uma visão dramática”, leia-se exigir a reestruturação.

...para se atingir um New Deal europeu, o primeiro passo a conseguir é identificar esse New Deal dentro da família social-democrata europeia. Se se conseguir isso, será mais fácil depois consegui-lo, de forma transversal, com as outras famílias políticas. Acho que a família política onde este New Deal pode ser conseguido mais facilmente – embora não seja fácil – é a família social-democrata.
[...]
Está provado que quando reduzimos as desigualdades sociais, os grupos sociais mais desfavorecidos, ao adquirirem capacidade de compra, gastam mais. E isso dinamiza a economia. Esta recomendação foi consagrada no Parlamento Europeu pela primeira vez. Isto quer dizer que as prioridades da política económica para o próximo ano mudam substancialmente em relação aos anos anteriores. Até há pouco tempo, o policy mix estava centrado em duas ideias: consolidação orçamental a grande ritmo, com o argumento de que o nível dos défices e dívidas era muito elevado, e reformas estruturais voltadas para apoiar essa consolidação orçamental, ou seja, cortes nos sistemas de proteção social e privatizações. Agora há uma mudança, em primeiro lugar porque se acrescentam outras duas prioridades, que é o investimento e a aposta na procura interna. Mas além disso há também uma alteração do que se preconiza para as reformas e para a consolidação orçamental. E isso foi também consagrado neste meu relatório, que neste momento é do Parlamento Europeu.
A colagem da socialista Maria João Rodrigues à memória da Grande Depressão e do New Deal, tendo tido porém o cuidado de evitar qualquer referência à Segunda Guerra Mundial, deixa a sua equação fatalmente desprotegida. Bastará olhar para os gráficos do crescimento, do desemprego e do emprego industrial à época para se perceber que o New Deal perdia claramente força em 1937, e só a entrada dos americanos na guerra lhes permitiu sair do buraco.

O que lançou os Estados Unidos num ciclo de expansão económica sem precedentes foi o instantâneo e exponencial crescimento da procura externa. Mesmo num tão vasto território em fortíssima expansão demográfica a procura interna não teria sido suficiente para retirar duradouramente a América do atoleiro financeiro gerado em Wall Street. O Sonho Americano nasceu da destruição da Europa e do holocausto nuclear que infligiu ao Japão. Mas trinta e cinco anos depois dos famosos 100 dias de Franklin D. Roosevelt, em 1973, este sonho começaria a decair.

O chamado debt spending deixou de ser uma alavanca garantida para as economias que perdem velocidade, sobretudo depois de terem sido levantadas as barreiras alfandegárias à escala global e depois da implementação da livre circulação de capitais. O capital, por definição, procura as mais altas taxas de rentabilidade disponíveis nos mercados, seja especulando com os preços das matérias primas, das moedas, ou do dinheiro, seja orientando-se em direção às economias mais competitivas, quer dizer, fiscalmente mais atrativas e com melhores índices de produtividade, seja por fatores tecnológicos, pela qualidade da gestão, ou pelos custos salariais. 

Nos últimos quarenta anos, mais precisamente depois da morte de Mao Tsé-Tung (1) e do regresso em força de Deng Xiaoping, em 1976,  a China foi paulatinamente ocupando o lugar de maior exército laboral de baixo custo e maior exportador do planeta. As sociedades da Europa ocidental, dos Estados Unidos, Canadá, Australia e Nova Zelândia, dotadas de sistemas avançados de proteção social, acabariam por sucumbir comercialmente a esta troca cada vez mais desigual. As taxas de crescimento dos países ricos e desenvolvidos foram decaindo, as poupanças pública e privada passaram a endividamento crónico, os salários declinaram, o desemprego assumiu proporções dramáticas e sistémicas, a criação de novos empregos foi sendo cada vez menos expressiva, a atividade económica orientou-se preferencialmente para a especulação e para a dependência da procura pública, em suma, enquanto as economias de bolha foram gerando aparências de prosperidade, na verdade, o que surgiu foram sociedades e governos sobre endividados, ou mesmo no limiar da bancarrota.

O maior problema das economias desenvolvidas da América do norte, da Europa ou do Japão são os chamados entitlements, isto é: como financiar as responsabilidades assumidas pelos estados perante os seus cidadãos, e nomeadamente perante os contribuintes e eleitores?

O regresso do lóbi da Macau

António Costa parece ter reaberto o caminho ao lóbi de Macau, isto é, aos defensores de uma TAP pública, mesmo que perdendo os milhares de milhões de euros que vamos pagando sob a forma de resgates cor-de-rosa e vermelhos. Na realidade, a TAP é o único argumento e alavanca político-partidária capaz de justificar a construção de um Novo Aeroporto de Lisboa, ao qual se somariam uma Terceira Travessia do Tejo e ainda a famigerada ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. 

Das palavras e sobretudo dos silêncios do atual ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, sobre a incorporação da Base Aérea do Montijo no Aeroporto de Lisboa, ao obscuro envolvimento pro bono (!) de Diogo Lacerda Machado, administrador da Geocapital —empresa de Stanley Ho de que Almeida Santos fazia parte—, ficamos com a sensação de que as ilusões de Maria João Rodrigues servem que nem uma luva aos sonhos húmidos de quem já provou não conseguir nada melhor do que atirar Portugal para as garras dos nossos credores, parte dos quais não passam de fundos de investimento especulativo, como se tem constatado nas guerras em volta dos swaps associados ao ruinoso setor público de transportes, do Banif, e do ex-BES.

Ironia suprema: o PCP parece alinhar com tudo isto. Em nome dos trabalhadores, claro!


NOTAS
  1. A saída do isolamento da China começou no início da década de 1960, na sequência da descoberta das suas importantes reservas petrolíferas, em Daqing (1959).

quarta-feira, maio 08, 2013

Gaspar Keynes

Diz o roto ao nu...

Consumo não é crescimento
What’s the typical life of an unassisted expansion? Based on the data presented here, I’ll call it two years. (1)
O problema do euromilhões keynesiano é que está no fim da linha. E não no princípio, como sugerem os discursos populistas aflitos do PS, PSD, CDS/PP e PCP. Ou seja, o aumento da massa monetária, através do aumento das dívidas soberanas, não só não chega à economia, não só não cria emprego, não só não diminui o ritmo das falências e do crescimento do desemprego, como vem piorando todos esses índices, com a agravante maior de, depois de toda esta diarreia keynesiana, transformando o dinheiro em meras notas de Monopólio, o que vemos é uma expropriação sem limites da classe média, e uma destruição de capital produtivo sem precedentes. Os únicos beneficiários do colapso em curso —o colapso de uma era de crescimento rápido dos preços, iniciada em 1896 (Fischer, D. H.)— circunscrevem-se a 1% da população americana, e a percentagem semelhante na Europa. Os restantes 99% (ou 90%, para sermos mais precisos) têm vindo a sofrer uma erosão de rendimentos imparável.
It's worth understanding the mechanisms of this wealth transfer: in essence, the Fed extends low-cost credit (i.e. "free money") to the financier class which then uses this free money to buy rentier assets, that is, assets that generate economic rents for the owners, who add no value and create no wealth.

This is of course the neofeudal model: the financial aristocracy in the manor house own the rentier assets and the debt-serfs toil away to pay the rents and taxes. The financier class (i.e. those that benefit from the financialization of the economy) are as unproductive as feudal lords; they skim the profits generated by the debt-serfs while adding no productive value to the economy. (2)
A criação monetária em curso (Quatitative Easing, LTRO, OMT, etc.) só pode servir, neste declinar de era —a era do enorme e rápido crescimento a que o mundo inteiro assistiu, sobretudo por efeito da descoberta e uso tecnológico intensivo de fontes de energia poderosíssimas e baratas (um ciclo que atingiu também e globalmente o seu pico de expansão)—, para mitigar a Grande Contração do Crescimento, dos Preços e do Consumo que aí vem. Segundo David Hackett Fischer, se a história dos últimos oitocentos servir para alguma coisa, seguir-se-à uma nova era de 'equilíbrio' dos preços, de recessão demográfica, crescimento entre 0-1%, mas também de uma nova e provável era de explosão de criatividade — científica, tecnológica e social. Estaremos eventualmente no pior momento da transição. Quanto tempo faltará ainda para entrarmos na próxima era 'estacionária' (Adam Smith/Niall Ferguson) de crescimento e desigualdade relativa extrema? Pouco tempo, ou mesmo nenhum!

O sucesso da ida aos mercados e o chico-esperto Sérgio Monteiro
Investimento dos maiores bancos em dívida pública subiu 46% em 2012 — i online.

Sérgio Monteiro diz que economia beneficia da emissão da dívida — i online.

"The Carrot's in Reach:" The Myth of a Self-Sustaining Recovery —  Charles Hugh Smith Of Two Minds (April 5, 2013)
A banca indígena financia-se a 0,5% junto do BCE e vai buscar aos nossos bolsos 5,7% e mais, na forma de cortes nas pensões, reduções de salários e vencimentos, despedimentos e desemprego (é a 'austeridade' que paga os subsídios de desemprego, por exemplo), e ainda na forma de subida dos juros a retalho (se e quando raramente emprestam dinheiro!)

O chico-esperto das PPP diz que isto é bom 'indiretamente' para a 'atividade económica', porque melhora a perceção do país. Veremos o que diz este chico-esperto daqui a 12 meses, quando todos descobrirmos o óbvio: i.e. que o dinheiro continua a circular entre o BCE, os 'banksters' indígenas e os governos, que por sua vez continuam a endividar criminosamente os povos que dizem representar.

É este o motivo de júbilo do governo, do PSD, e do CDS? Está na altura de interrogar seriamente os bancos que operam em Portugal.

Gaspar Keynes

Gaspar adianta o passo e reclama menor 'fragmentação financeira' no seio da UE, i.e. igualdade de oportunidades no acesso aos mercados financeiros e rejeição de um Euro a duas velocidades. Algo começou a nascer do 'input' político de Poiares Maduro. Menos mal. A Oposição é que já arranca cabelos por causa desta inflexão pré-eleitoral — 'just in time'!
Novidade, novidade, foi o discurso do ministro das Finanças português, que defendeu que “a fragmentação financeira que existe actualmente exacerba o custo associado ao ajustamento e funciona como um choque de competitividade negativo para o pais sob ajuda externa”, acrescentando que a “UE tem de respeitar o que eu considero um princípio: permitir aos Estados que assegurem aos seus cidadãos os direitos sociais que estes exigem”. (3)

QREN 2014-2020 escapa (aparentemente) à captura dos rendeiros do costume.

Retirar a 'coordenação, supervisão e distribuição dos fundos' das mãozinhas untadas dos estados-maiores partidários, dos poderosos e insaciáveis lóbis que dormem no Terreiro do Paço (BES, EDP, Mota-Engil, empresas públicas falidas, dinossauros autárquicos,  etc.), foi uma boa decisão do PM. Vamos ver até que ponto Poiares Maduro entende a questão crucial dos portos e sobretudo das ligações ferroviárias em bitola europeia (para mercadorias e pessoas) entre as cidades-região portuguesas, Lisboa e Porto, e as grandes cidades espanholas e do resto da União Europeia. Talvez fosse bom começar por despedir o Sérgio das PPP...

Geração S(em emprego)
Generation J(obless): A Quarter Of The Planet's Youth Is Neither Working Nor Studying, in ZerHedge.
25% da população jovem do planeta em idade ativa não trabalha, não estuda, nem tem treino profissional. Precisamos de menos verborreia populista, e de muita imaginação e bom senso para minimizar esta verdadeira tragédia social.

NOTAS
  1. Debunking the Keynesian Policy Framework: The Myth of the Magic Pendulum — F.F. WILEY, in Cyniconomics, May 7, 2013.
  2. Bernanke's Neofeudal Rentier Economy, in Charles Hugh Smith Of Two Minds, May 6, 2013.
  3. Vítor Gaspar transfigura-se em Bruxelas e já fala de direitos sociais, in i online.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

O FMI mudou

Austeridade ou Zimbabué, eis a questão!

Aconteceu na Alemanha nos anos 30, mas repetiu-se no Zimbabué em 2008-09.

Agora é oficial. Já era esperado e notado por muitos. Mas os sinais agora são fortes demais para não serem reconhecidos por todos. O FMI mudou a sua perspectiva quanto à forma de combater a crise. Não foi uma mudança idelógica, descansem. Está tudo na mesma. Foi uma mudança política, decorrente da observação da economia internacional e das economias nacionais mais preocupantes. Tal com deve ser feito na política económica e financeira. Para 2011, Blanchard achava que a agenda mais importante era olhar aos défices públicos e às dívidas nacionais, soberanas ou particulares. Agora, já não acha. Agora, o que se diz, do lado do FMI, é que é preciso rescalonar as políticas de austeridade. Simples. São muitos os documentos sobre isso, e um sumário pode ser visto num dos blogues do Fundo. 
Pedro Lains.

The IMF has argued for some time that the very high public debt ratios in many advanced economies should be brought down to safer levels through a gradual and steady process. Doing either too little or too much both involve risks: not enough fiscal adjustment could lead to a loss of market confidence and a fiscal crisis, potentially killing growth; but too much adjustment will hurt growth directly.

Carlo Cottarelli, FMI.

O comentário de Pedro Lains, seguindo um bloguista do FMI, é oportuno. Nem o excesso de ajustamento fiscal (diminuição da despesa pública, aumento de impostos e austeridade), nem um neo-neo-neo-keynesiano voluntarismo monetarista (de que o recente Quantitative Easing I e II, made in USA, são desesperados e fracassados exemplos), servem como saídas para a gravíssima crise económico-financeira que o mundo atravessa, muito por causa de termos passados os últimos quarenta anos a esconder o Sol com a peneira.

Crescimento demográfico mundial sem petróleo barato é impossível. E numa era pós-petrolífera haverá uma degradação inexorável do Estado Social iniciado por Bismarck com o objetivo de proteger a revolução industrial alemã dos salários mais elevados pagos então e durante muitas década depois pela América. Se vai ser assim, o melhor mesmo é começarmos desde já a estudar seriamente este enorme problema!

Em Portugal o serviço da dívida cresce a ritmo catastrófico (8,8 mM€ em 2012, 9,5 mM€ em 2013...) e os mercados financeiros fecharam-nos praticamente as portas. A menos que a Alemanha sucumba finalmente ao neo-neo-neo keynesianismo e se ponha a escriturar moeda como os doidos americanos, não temos outro caminho que não seja uma via sacra pela disciplina orçamental. O que nem sequer está a ocorrer como devia! A renegociação das PPPs mais ruinosas para o país (autoestradas e barragens), e o fim da escandalosa e imoral hemorragia de impostos e dinheiro emprestado a juros altíssimos para alimentar serviços autónomos, fundações e empresas regionais, municipais, já para não falar dos vencimentos injustificáveis dos gestores públicos, sem outra justificação que não seja o de alimentar a máfia partidária que tomou de assalto a nossa democracia, continuam no tinteiro do Jota Passos de Coelho.

Só austeridade, não!


POST SCRIPTUM

Se há um investimento público, aliás apoiado e desejado pela União Europeia e pela Espanha (nosso principal parceiro comercial... e credor!) que merece ser levado por diante em detrimento de todos os elefantes brancos adorados pela nossa burguesia rendeira (autoestradas e barragens), é a ligação de Portugal à nova rede europeia de transporte ferroviário — por Badajoz, por Salamanca, por Vigo e por Vila Real de Santo António.

Sob pena de Portugal se transformar rapidamente numa ilha ferroviária isolada da Espanha e do resto da Europa, não vejo melhor maneira de compensar a austeridade inevitável e prolongada que temos pela ferente, do que com a criação de empregos duráveis e diversificados que resultariam de uma aposta clara deste governo na nova geração de transportes ferroviários — incluindo ligações interurbanas, nacionais e internacionais, urbanas (Metro de superfície) e suburbanas.

Não conheço nenhum investimento com efeitos tão multiplicadores quanto este, agora que o imobiliário morreu e não ressuscitará tão cedo, sobretudo num país onde a ONU prevê uma recessão demográfica até 2100 que poderá ir até aos 50%!