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Maioria referendária quer uma Catalunha independente
Catalunha
- Eleitores: 5.413.868 (2012)
- Votantes nas últimas eleições legislativas catalãs (2012): 3.668.310 (67,76%)
- Votantes no referendo, inconstitucional, de 9 de novembro de 2014: 2.043.226
— 80,72% disseram 'sim, sim' à existência de um estado catalão independente.
Não se pode perguntar aos espanhóis no seu conjunto se querem, ou não, a independência de uma das suas nações históricas — seria, de acordo com a teoria do duplo vínculo de Gregory Bateson, colocar os castelhanos, aragoneses, andaluzes, leoneses, galegos, extremenhos, bascos, asturianos, catalães, valencianos, canarinos, murcianos, etc., numa situação de grande instabilidade e imprevisibilidade emocionais.
Por um lado, o desejo e a vontade de independência é por definição unilateral e só por implosão sistémica (caso da URSS), ou pela força política, imposta através da democracia, ou pelas armas, ou por ambas, se consegue. Nunca foi doutro modo em nenhum tempo e em nenhuma parte do mundo. O regresso das nações jugoslavas à condição de estados independenets algumas décadas depois de terem sido artificialmente unidas sob um estado federado dirigido por Tito, ou as guerras civis que grassam na Ucrânia e nos países onde o auto designado Estado Islâmico pretende restaurar o Califado em nome da unidade político-religiosa do Islão, ou ainda o processo democrático em curso para a independência da Escócia, são provas históricas contemporâneas da natureza intrinsecamente dramática de qualquer processo de separação litigiosa. A independência da Irlanda, conseguida com sangue, suor e lágrimas entre 1919 e 1937, foi um processo violentíssimo que, em boa verdade, não está completo, pois Belfast, os unionistas protestantes e a chamada Irlanda do Norte continuam ligados ao Reino Unido. No entanto, se há revolução nacionalista que tem inspirado processos similares na Europa contemporânea, a da Irlanda é seguramente a mais sintomática e importante.
Por outro, a legalidade constitucional de um estado soberano não se aplica, por norma e princípio, a quem dele se quer apartar. Madrid opôs-se à independência do País Basco porque os nacionalistas daquela região autónoma pegaram em armas e montaram um campanha de atentados terroristas seletivos contra os representantes do estado espanhol. Mas Madrid também se opõe à independência da Catalunha porque os processos democráticos que esta nação quer implementar, à semelhança, por exemplo, da Escócia, são, na ótica da monarquia espanhola, inconstitucionais. Inconstitucionais?! Mas que Constituição no mundo prevê mecanismos referendários, ou outros, para a sua fragmentação ou perda de território e poder?
A questão das independências do país Basco, da Catalunha, ou da Galiza, para mencionar apenas três nações históricas espanholas que defendem as suas autonomias e têm partidos políticos legais independentistas, não pode ser dirimida no plano puramente legal e constitucional da monarquia espanhola, até porque para defesa das leis constitucionais sobre a unidade do estado espanhol, que, como sabemos, é uma aquisição legal imposta aos povos espanhois por Napoleão quando invadiu a Península Ibérica a caminho de Portugal, contará sempre com as suas polícias e as suas forças armadas, como aliás Madrid não se esqueceu de exibir ao longo do processo referendário que ontem teve lugar em toda a Catalunha.
A Península Ibérica que se seguiu às sucessivas derrotas militares do Islão, que por cá andou durante mais de setecentos anos, era composta por reinos e condados feudais devedores do auxílio militar e ideológico vindo de Roma, França, Inglaterra e de outras partes da Europa cristã. Só em finais do século 15 os últimos estados muçulmanos da Península foram extintos, e só então começou um lento e sempre contraditório e incompleto processo de união política na antiga Al-Andalus.
Como é sabido, foram frequentes as guerras entre os várias reinos cristãos da península ibérica, e ainda entre os vários reinos e condados unidos em volta dos soberanos Fernando de Aragão e Isabel de Castela. A última e trágica Guerra Civil Espanhola (1936-39) foi ganha pelo general galego Francisco Franco, em nome, como se sabe, da improvável afirmação de uma pátria espanhola unida em volta de um rei exilado, de uma falange fascista e de Deus. Da repressão linguística à uniformização arquitetónica e gastronómica das Espanhas (fachadas brancas, leque e sevilhanas, touros, tortilhas e calamares), tudo foi tentado, em vão, para fazer dos povos e nações reunidos por iniciativa dos Reis Católicos, o que José Bonaparte, então rei francês de Espanha, sonhou e impôs em 1808 sob a forma do Acte Constitutionnel de l’Espagne: uma só nação, uma só moeda, uma lei única e um só soberano para todas as terras e gentes de Espanha, em suma, uma só Constituição. O sonho da razão francesa criou, como se sabe, desastres e monstros. Franco chegou mesmo a planear uma nova invasão e conquista de Portugal em 1940, depois de os falangistas o terem desafiado a fazer uma entrada triunfal em Lisboa em 1939, na sequência da vitória sobre os republicanos (1). Valeu-nos a vitória do Aliados sobre a Alemanha nazi.
Uma Espanha unida é mais conveniente aos portugueses, e aos espanhóis, pois evita a cíclica agitação nacionalista que há séculos percorre a Península Ibérica mergulhando-a em períodos de instabilidade, guerra, colapso económico, autoritarismo e atraso cultural, sobretudo quando os impérios se foram e quando já não há dinheiro para financiar aventuras de poder e egoísmos regionais que apenas enfraquecem a península. A Espanha de hoje volta a ter que enfrentar o problema da sua unidade como estado de várias nações e povos. Madrid já não tem onde ir buscar euros para saquear colónias e aimentar impérios, nem deve pretender continuar a ser uma senhoria autoritária e centralista. Terá, pois, que negociar a paz e a prosperidade futura das Espanhas em novas bases de diálogo, defendendo o que interessa a todos e todos fortalece, abrindo-se à possibilidade de ver nascer na Península Ibérica uma Escandinávia do Sul, certamente em moldes que não conhecemos ainda mas que é possível imaginar e construir se, para tal, houver vontade, generosidade, inteligência e criatividade suficientes.
Fazer da Catalunha um problema insolúvel seria o pior caminho que Madrid e os povos espanhóis poderiam escolher. E seria também uma preocupação que Portugal não deseja.
NOTAS
- Manuel Ros Agudo—"Plano de Campanha nº 1 (34)", in Expresso, 3 nov 2009.
Atualização: 14 nov 2014 10:38 WET