quinta-feira, outubro 07, 2004

Marcelo 1

Santana e a liberdade de opinião


Se ninguém no interior do PSD tomar a iniciativa de declarar uma cisão ideológica e organizacional da deriva populista e autoritária que tomou conta do partido e da governação, Jorge Sampaio não encontrará motivo suficiente, à luz da actual Constituição, para demitir o actual Governo, dissolver a Assembleia da República e convocar Eleições Legislativas antecipadas.


Eu nunca votei no PPD/PSD. Quando era trotskysta votava na LCI e depois dessa inesquecível aventura juvenil votei consecutivamente no Partido Socialista, mesmo desconfiando frequentemente de alguns dos seus protagonistas. Ora esta circunstância nunca diminuiu o prazer com que sempre escutei e vi o comentário semanal de Marcelo Rebelo de Sousa ao longo dos últimos quatro anos e meio.
Todos conhecíamos o seu credo político e religioso, todos sabíamos por que clube de futebol torcia, mas precisamente por serem transparentes as suas convicções, mais valor adquiriam semanalmente os seus exercícios críticos sobre a situação do País. Fino na observação, arguto nos argumentos, claro nas palavras e sibilino quanto baste nas estocadas que regularmente enfiava nas suas vítimas circunstanciais, o comentário do “Professor Marcelo” chegava a milhões de Portugueses como um breve mas verdadeiro acto de consciência sobre a nossa condição colectiva. Mesmo quando percebíamos que tomava de ponta algum político em particular, aquele sermão de Domingo era um verdadeiro tónico para o começo de cada semana de trabalho. A sua voz valia mais do que o latim farisaico de toda a corja de cortesãos que louvam chefias, traficam influências e acautelam reformas. A isenção de Marcelo Rebelo de Sousa é sobretudo uma isenção autoral, baseada no respeito intrínseco da lógica dos argumentos e na ética dos factos a que se aplicam. Num País democrático e livre, o contraditório a exercer sobre as opiniões que expendia sempre teve (e terá!) o seu lugar próprio. Esse lugar chama-se liberdade de opinião e de imprensa. Não se chama tempo de antena governamental ou para-governamental, nem arreganhar o dente do autoritarismo, como sucedeu com o recado que Santana Lopes encomendou a Paes do Amaral e ao seu Ministro dos Assuntos Parlamentares (cujo nome desconheço, e não pretendo recordar).

Para saber o que está por detrás da pressão intolerável exercida pelo enigmático e pardo Sr. Paes do Amaral sobre Marcelo Rebelo de Sousa (uma pressão aliás ilegítima, ilegal e suficiente para retirar ao Sr Paes do Amaral a faculdade de empresariar negócios de comunicação) recomendo que se siga a pista do dinheiro. Como sempre sucede nestes casos de promiscuidade entre governantes e empresários, o segredo está quase sempre aí. Por exemplo, não é verdade que a Media Capital se encontra neste momento no meio de uma operação com o Metro de Lisboa, cujo fim é alastrar mais ainda a nódoa da publicidade que encharca o quotidiano de todos nós? Não se esperaria, ao invés, que o Metro de Lisboa, equilibrasse o uso de um espaço público exclusivamente pago com os impostos dos Portugueses e com Fundos Comunitários (igualmente pagos com os impostos de todos os Europeus) entre zonas reservadas à publicidade comercial e zonas reservadas a suportes de comunicação comunitária (por exemplo, de associações do pequeno comércio tradicional, Câmara Municipal de Lisboa, Associações Culturais da Cidade, Organizações Não Governamentais, etc.)? E já agora, pode o Metro de Lisboa negociar, sem recorrer a consulta pública, a cedência do espaço que ocupa (mas não é seu) a uma qualquer empresa com que resolva privilegiar relações de interesse? E se pode, deveria poder?

O caso da censura a Marcelo Rebelo de Sousa releva, todavia, de uma guerra mais profunda e que pode rebentar a qualquer momento. Trata-se do futuro do actual PPD/PSD. O Cavalo de Tróia chamado Paulo Portas encontra-se bem aninhado no âmago do velho Partido fundado, entre outros, por Francisco Sá Carneiro e Pinto Balsemão. Paulo Portas, depois de já ter atrelado o futuro político de Santana Lopes ao seu próprio calendário desconstrutivo, sabe que se for a eleições sózinho mostrará ao mundo que o seu PP, na realidade, não existe (e que portanto não passa dum parasita do PSD). Assim sendo, Paulo Portas tem que gizar um de dois cenários até 2006: ou garantir que o PP vai coligado com o PSD às próximas Legislativas, ou provocar a aparição de uma nova força partidária, sempre depois do prazo legal de dissolução da Assembleia da República, mas a tempo de constituir uma nova força partidária com capacidade de triplicar o ridículo score eleitoral do PP. Num caso e noutro, a sensibilidade social-democrata mais genuína do PPD/PSD está tramada!

Creio que é esta realidade profunda que, em última análise, explica a reacção de Marcelo Rebelo de Sousa, e as reacções solidárias para com ele de Marques Mendes e Pacheco Pereira. Não se pode fingir por muito mais tempo o facto de que a aliança entre Santana Lopes e Paulo Portas visa redefinir profundamente o actual espectro partidário. Ou muito me engano, ou teremos dois novos partidos nas eleições de 2006: o PSD, por um lado, liderado por Marques Mendes; e o PPD, por outro, com Paulo Portas na respectiva liderança (e Santana Lopes na corrida para a Presidência da República). Vai ser uma balbúrdia? Pois vai! Mas há alternativa? Não creio. As cartas deste jogo já foram jogadas...

Finalmente. como irá agir o PR?
Se ninguém no interior do PSD, tomar a iniciativa de declarar uma cisão ideológica e organizacional da deriva populista e autoritária que tomou conta do partido e da governação por efeito da sólida ligadura estabelecida entre Santana Lopes e Paulo Portas, separando assim o PSD do PPD, através de um Congresso fundacional que crie um novo Partido, Jorge Sampaio não encontrará motivo suficiente, à luz da actual Constituição, para demitir o actual Governo, dissolver a Assembleia da República e convocar Eleições Legislativas antecipadas.

Eu diria, portanto, que o futuro está nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Pacheco Pereira, em suma, de todos os verdadeiros social-democratas do partido que Pedro Santana Lopes herdou sem nenhuma legitimidade.

O-A-M #55 07 Outubro 2004

domingo, outubro 03, 2004

Socrates 4

John F. Kennedy

A sombra de Kennedy?


Aparentemente temos o PS de volta.
Em primeiro lugar, porque o Congresso marcou um ponto de viragem nos hábitos de opacidade das múltiplas organizações da nossa democracia. Não apenas o PSD e o PP, mas também o Bloco de Esquerda e o PC, a CGTP e a UGT, as associações profissionais e as ditas organizações não governamentais, a partir de agora, terão que pensar muito seriamente no refrescamento dos esquemas de escolha e validação daqueles que em seu nome falam e decidem. Este foi sobretudo o mérito da mediatização da campanha eleitoral que precedeu o Congresso, e da emergência de uma verdadeira ala esquerda dentro do PS, protagonizada por Manuel Alegre.
Em segundo lugar, porque o tele-ponto que guiou as intervenções de José Sócrates permitiu emitir para todos nós um conjunto de mensagens meticulosamente estudadas. E estudadas, não para ecoarem como simples efeitos de retórica populista (à maneira de tudo o que Santana Lopes diz e desdiz), mas para perdurarem como pistas de um ideário de acção e de governo em plena formação. O PS de José Sócrates quer retomar o caminho prudente de António Guterres, mas ambiciona aprofundar um contrato político sério com os mais atentos da nossa sociedade, propondo, por assim dizer, uma exigente partilha de responsabilidades. A tal chamou “Novas Fronteiras”: Conhecimento, Tecnologia, Decisão, Competitividade, Ambiente. Faltou apenas um tema crucial: Sustentabilidade...
Em terceiro lugar, porque a esmagadora maioria obtida por José Sócrates (que não retira nenhuma importância, antes pelo contrário, ao peso político daqueles que se reuniram em volta de Manuel Alegre), lhe permitirá congregar o PS nas principais batalhas eleitorais que se avizinham, as quais, se correrem bem, poderão garantir o regresso do Partido Socialista ao Governo já em 2006.
Até aqui, tudo bem...
Falta agora descortinar o enigma da convocação dos mortos!

José Sócrates resolveu chamar John F. Kennedy do além, ao que parece, para patrocinar o “new deal” que pretende propor, desde já, aos Portugueses. Longe vá o agoiro! E Porquê? Porque Kennedy, e todos os que antes e depois dele tentaram recuperar o famoso New Deal de Franklin Roosevelt, falharam! Kennedy, que se propôs levar os norte-americanos até uma New Frontier (que Eisenhower, antes dele anunciara, e não conseguiu alcançar), apenas atingiu um dos objectivos desse seu famoso programa: ultrapassar a União Soviética na corrida espacial. Todos os restantes objectivos, de natureza sobretudo social e económica, falharam! Como falharam mais tarde os programas semelhantes ao New Deal, de Lyndon B. Johnson (a Great Society) e de Bill Clinton (o New Covenant).
A receita Keynesiana de Roosevelt para a primeira Grande Recessão que atingiu os Estados Unidos em 1929 acabaria por dar excelentes resultados, quer nos cuidados intensivos prestados a uma economia e a uma sociedade apanhada pela espiral negra das falências empresariais e do desemprego, quer na aura imensa deixada pelo New Deal na História do Capitalismo do século 20. A verdade, porém, é que a mesma receita parece impossível de aplicar nas sociedades capitalistas actuais, por um conjunto de razões basicamente dependentes de três gandes fenómenos implosivos:
— a crise energética mundial (que nada parece ser capaz de inverter);
— a crise ecológica global provocada, entre outros factores, pelo aquecimento do planeta, pela falta de água, pela destruição das florestas e pela contaminação dos mares e grandes lagos;
— a reificação financeira do sistema económico mundial, cujos processos de globalização impedem qualquer eficácia duradoura nas políticas económicas nacionais, ou mesmo regionais (Comunidade Europeia, etc.)

O que é que nós podemos fazer por Portugal? O que é que todos poderão fazer pelo mundo? — perguntam os espíritos angustiados de hoje. Bom, algo mais do muito que se fez no tempo de Roosevelt, e certamente muitíssimo mais do que foi feito durante a breve e trágica passagem do jovem Kennedy pela Casa Branca. A evocação de Sócrates evidencia, todavia, uma preocupação profunda. Será seguramente precisa muita imaginação, muito estudo e muitíssima coragem para definir a estratégia de eutanásia que teremos necessariamente que administrar à exangue Sociedade de Consumo. Resta saber se o novo candidato a Primeiro-Ministro conseguirá galvanizar a sociedade para a penosa tarefa de abrir os olhos para a realidade que nos espera. Lembrem-se só que a carnificina do Iraque e do Médio Oriente é apenas o começo de uma luta fratricida por um recurso energético sem o qual ainda ninguém sabe como sobreviver: o petróleo.

O-A-M #54 03 Outubro 2004

Livros escolares

Deputados, professores, editores e sindicalistas (apenas parte deles, claro) instalaram no País uma rede de cumplicidades altamente duvidosa, cujo resultado é o inacreditável negócio dos livros escolares. Cada escola decide como quer os livros que impõe aos seus alunos. Os livros, por sua vez, são “actualizados” praticamente todos os anos. Como se não bastassem estes manuais, os empresários do sector (os editores) inventaram e convenceram os profs que seria muito interessante juntar aos ditos, uns cadernozitos de exercícios, e fazer uns lindos pacotes (“bundles”, como dizem os anglo-saxões), de que os pais não conseguem safar-se, mesmo que achem tais apêndices um substituto indecente da própria actividade esperada dos docentes. Como o peso dos custos assumidos pelas famílias com este negócio indecente não pára de crescer, os generosos bancos deste País matraqueiam os média com publicidade enganosa sobre a solução milagrosa dos seus créditos à compra de livros escolares — compre agora, e pague depois! Concluindo: o negócio do livro escolar, tal como está, precisa urgentemente de ser objecto de um inquérito implacável, pois tudo leva a crer que o mesmo se transformou nos últimos anos (com o beneplácito do PS e do PSD) numa ilegítima, irracional, inadmissível, escandalosa e pouco menos que mafiosa actividade. O País é pobre, os políticos são os primeiros a sabê-lo, e alguém anda a roubar as famílias portuguesas à pala do direito à educação!

Se há um ensino obrigatório, universal e gratuito para os primeiros doze anos de vida de cada cidadão, é óbvio que tal gratuitidade deve abranger os manuais escolares, e assim sendo, a produção destes e a sua utilização devem obedecer a uma gestão de recursos inteligente e rigorosa. Isto significa, por exemplo, que para cada disciplina devrá haver apenas um ou dois modelos disponíveis, sendo que ambos terão que obedecer aos conteúdos pedagógicos e respectiva metodologia expositiva decididos em sede governamental (seja esta o Ministério da Educação, ou outra instância reguladora, por exemplo, um Conselho Nacional de Educação, onde tenham assento as várias partes envolvidas no préstimo e recepção do bem educativo). A actualização objectiva das matérias pedagógicas a transmitir aos alunos deve ser produzida com conta, peso e medida, e sobretudo com um enorme sentido de responsabilidade científica, pedagógica e orçamental. Como pode aliás ser doutra maneira, quando todos os exames de fim de curso, ou ainda de acesso a graus subsequentes de ensino, são, como devem ser, exames nacionais? Como pode co-existir a actual bandalheira dos manuais escolares com a norma dos exames nacionais?! Cheira demais a negócio sórdido e a cumplicidade de interesses, para que não se exija de imediato a mudança radical do actual regime.
Para os que argumentam contra a gratuitidade dos livros escolares necessários ao cumprimento da escolaridade obrigatória, com base no peso desta medida no OGE, a resposta é simples: se o ensino é obrigatório, por fazer parte de uma assunção constitucional, e sobretudo estratégica, da nossa identidade cultural, então as ferramentas básicas do mesmo devem ser facultadas gratuitamente. Refiro-me, naturalmente, aos livros escolares, ao transporte escolar, ao desporto e outras actividades extra-curriculares realizadas no interior do recinto escolar e ainda aos apoios pedagógicos especiais. Tudo isto é óbvio, mas não necessariamente insuportável em termos orçamentais. Um exemplo: já alguém pensou na poupança que poderíamos ganhar imediatamente com a distribuição gratuita dos manuais escolares se os mesmos fossem distribuidos via Internet, em formato PDF, deixando-se aos alunos a opção de imprimir ou não, em cada momento, as páginas necessárias ao seu trabalho?

Pois aqui está uma “nova fronteira” a ultrapassar pelas novas energias convocadas por José Sócrates.

O-A-M #53 03 Outubro 2004

Expresso contra informa

o Gato, o Rato e o fim do extremo-centrismo


A actual maioria tinha um pequeno problema mediático de fim-de-semana: o congresso do Partido Socialista.
A abertura do conclave dera o tom, e o tom não era nada bonito para a actual coligação ilegítima que cavalga o País. Havia, por conseguinte, que roubar a cacha ao PS nos principais mass media dos indígenas. E assim se fez, sob a batuta do mais descafeínado dos pasquins oficiais: o Expresso.
Paulo Portas e Santana Lopes, ou alguém solícito por ambos, encarregou-se de deixar cair a dica num bitoque do Snob. A nódoa alastrou até Paço d'Arcos, e ei-la replicando-se e triplicando-se por tudo quanto é câmara mediática da mais imbecil imprensa do mundo. Como a coisa não tinha nenhum fundamento, a não ser o da necessidade de esfregar as nossas trombinhas atávicas com um pouco de emoção cor-de-rosa, e roubar espaço e tempo à pedrada no charco atirada pelo actual congresso do PS, logo chegaram os desmentidos da praxe. Enfim, somos todos parvos, não é verdade?
Mas já agora... duas ideias para treinar a mioleira embatucada de muitos de nós.
Ao contrário do que o toque a reunir da burocracia do PS tenta fazer crer, a verdade é que o PS extremo-centrista morreu. E morreu pela mesma razão que o Soarismo morreu: o Muro de Berlim caíu em 1989 e já não há fundos comunitários para alimentar a endogamia, o cabotinismo e a irresponsabilidade que imperaram nesta praia Lusitana ao longo dos últimos vinte anos. Como se isto não bastasse, não há nem vai haver nenhuma retoma da economia mundial nos tempos mais próximos, e quando ela vier, se vier, será uma retoma anémica e passageira (como as muitas recentemente anunciadas). Em suma, o desastre do Iraque e o modo como o Ocidente enfeudado a Bush pretende enfrentar o tema do Terrorismo (podemos lançar a ARTE CONTRA O TERRORISMO, mas não podemos lançar e propagandear uma GUERRA CONTRA O TERRORISMO), apenas irá piorar os cenários já de si muito graves da crise energética, ecológica e humanitária em que estamos metidos até ao pescoço. Abreviando razões, o PS só pode mesmo caminhar num sentido: o da defesa inteligente dos mais fracos, que em breve serão milhões, e o da defesa de uma reimposição estratégica do Estado no jogo das necessidades e das vontades do conjunto da população que aqui vive, trabalha, ou simplesmente sobrevive. Resta apenas saber se esta viragem do PS para a realidade será operada por Sócrates, ou directamente por Guterres (cujo silêncio parece augurar um exercício de penitência e humildade genuíno...) Cá estaremos para dar uma ajudinha! Preconceitos para trás! Precisamos de um pragmatismo de tipo novo, i.e de emergência.

Por outro lado, na banda direitinha do espectro partidário, o panorama caminha na direcção diametralmente oposta: quando o centro eleitoral estoirar, o PP sairá finalmente do interior do seu cavalo de Tróia (i.e. a coligação governamental, sabiamente cavalgada por Paulo Portas) para fundar um novo Partido, verdadeiramente populista e verdadeiramente de direita. O PSD já começou o seu processo de desagregação, sob o impacto insistente do núcelo duro do PP, extraordinariamente potenciado e acelerado pela inépcia caricata de Santana Lopes — esse génio de telenovela que os jornalistas da nossa imprensa tradicional tanto adoram e adulam. Paulo Portas tem-no efectivamente agarrado pelos c... Nada separará, tão cedo, estes siameses. Salvo Jorge Sampaio, se deixar de ser o verbo de encher que tem sido ultimamente e, por uma vez, assumir as suas responsabilidades institucionais com inteligência histórica. Só nessa eventualidade improvável, os planos de Portas sofreriam algum atraso. Até lá, o Paulinho continuará a brincar com o Pedrinho, como os gatos brincam com os ratos... antes de os comerem.

O-A-M # 52 03 Outubro 2004

sábado, outubro 02, 2004

Professores mal colocados

Trapalhada electrónica


Parece que quem realmente resolveu o bug (infiltrado?) no programa de colocação de professores não foi nada a ATX, mas três crackers de uma Direcção-Geral do Ministério da Educação do Norte. Resolveram o problema em três dias, e não em meia hora (!), mas, para não enredar mais a Ministra nos seus “pecebe?” optou-se por premiar uma empresa privada desconhecida pelo feito, não fosse a Comunicação Social agarrar-se com unhas e dentes às canelas dos pobres tarefeiros que, pelos vistos, o Estado tem ao seu serviço — e resolveram o essencial do problema. A dita ATX menciona um único cliente no seu portfolio: o Banco Espírito Santo.

Se repararem no texto publicado pela ATX sobre assunto, notar-se-à uma curiosa ambiguidade no mesmo:

“ A ATX congratula-se por ter contribuído para a resolução do problema da colocação de professores do Ministério da Educação que afectou a normal abertura do ano lectivo.
Contactada pelo ME para avaliar o problema, a ATX desenvolveu um novo algoritmo e implementação para o processo de colocação, reduzindo consideravelmente o tempo do cálculo.
Este resultado foi também possível devido à estreita colaboração com os serviços do Ministério e da sua equipa informática.
A ATX agradece igualmente à Microsoft e HP a instalação e disponibilização do hardware envolvido no processo. ”


Seria bom que esta aparente fuga de informação desse lugar a mais e melhores informações...

- O-A-M #51 01 Outubro 2004

sexta-feira, outubro 01, 2004

PT Wireless carissima

Dizem eles: 0,1 Euros/ min...
Digo eu: 6 Euros/hora (ou seja 1 conto e duzentos dos antigos!)

GRANDE ROUBALHEIRA !!!!!!

Além do mais, o principal objectivo desta gentinha é claro:
ocupar ilicitamente o espaço virtual disponível, que é e deve continuar a ser um bem comum,
com apoio sonambulista (ou declaradamente corrompido) daqueles que elegemos para nos Governar .

Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Associações Culturais e Desportivas, Organizações Não Governamentais, pequenos negócios e pequenas empresas privadas, empresários inteligentes, desencadeiem um movimento alternativo a esta roubalheira organizada pelos novos carteis emergentes! Os carteis que os precederam tomaram conta do mundo físico e deram cabo dele. Os novos carteis preparam-se para usurpar literalmente todos os canais de comunicação entre humanos, para melhor ajudarem os carteis anteriores nas macabras façanhas em que estão envolvidos e nas que virão a estar no futuro.

Hackers de todo o mundo, uni-vos!

Warchalking total contra quem não nos quer bem e pretende assenhorear-se do que não é seu!

Ponhamos os nossos próprios hotspots ao serviço da comunidade, sem medo dos tão propalados abusos.

COMO?
Muito simples:
1) criem, discutindo sempre as melhores condições de tecnologia e preço, os v/ próprios Hot Spots (zonas de acesso wireless).
2) Disponibilizem gratuitamente os vosso Hot Spots à comunidade que vos rodeia.

Temos que impedir que os Senhores da Economia Global (e da nossa desgraça colectiva) tomem conta do território virtual, de todos os canais do espectro radioelectrico e dos nós da rede Internet, para impor a sua avarícia e todo o lixo mediático com que já hoje encharcam o nosso quotidiano — nas televisões, nas ruas, nos passeios, nos jardins, no metropolitano, nas estradas e nas auto-estradas, nos telemóveis..., sem que ninguém se levante e diga:

BASTA DE BIG BROTHER!
BASTA DE FASCISMO MEDIÁTICO!


Estamos diante dum desafio muito sério. Temos que lhe fazer frente com determinação e génio.
Trata-se de uma luta crucial pela defesa da liberdade e da democracia.

Portugueses, acordem!

Divulga este manifesto contra a cartelização do espaço comunicacional.

- O-A-M #50 01 Outubro 2004

domingo, setembro 26, 2004

Socrates 3

Manuel Alegre: o pragmatismo das causas


Já se sabia que o candidato do aparelho iria ganhar. Tinha tudo a seu favor na lógica burocrática e interesseira dos exangues partidos políticos da nossa democracia. Mas o que não se sabia é que Manuel Alegre iria protagonizar o início de uma metamorfose profunda no pragmatismo corrompido de que padece a generalidade das forças partidárias do nosso País. De facto, o pragmatismo dos interesses, das subserviências e das pequenas e grandes corrupções chegou ao fim.
Maria Belem Roseira

E chegou ao fim por uma simples e única razão: deixou de haver margem de manobra para o despesismo corrupto, para a irresponsabilidade política e para a indecência manifesta. O tempo das vacas gordas dos Fundos de Coesão chegou ao fim. Malbaratámos esta oportunidade única de organizar as nossas vidas? Os políticos passaram o tempo a tomar conta de si mesmos? Deixaram o País de tanga e sem ideias? Vem aí um ciclo irreversível de recessões e uma imparável curva ascendente nos custos da energia e do dinheiro? Que fazer com os políticos que temos? Para já, vigiá-los de perto e sem descanso!

A vitória de Manuel Alegre não passou nunca por ganhar agora a direcção do PS. Passou sim, e conseguiu-o, por mobilizar a opinião socialista para o futuro da força partidária que, sózinha ou acompanhada, terá o destino do País nas mãos em 2006 ou em 2010. O número, sem precedentes, de militantes que pagaram as quotas atrasadas e acorreram às urnas, e o número de votantes regulares no PS que pediram — e continuarão a pedir — a sua adesão ao partido (entre os quais me incluo), não apenas na esperança de uma mudança imediata do comportamento político e ético do PS, mas sobretudo pela convicção de que é urgente preparar o Partido Socialista para os desafios dramáticos que a sociedade Portuguesa vai encontrar nas próximas duas décadas, representam, creio bem, o início de uma metamorfose sem precendentes na história dos partidos Portugueses. Os desafios do futuro imediato exigem, pois, muito mais do que um mero rotativismo eleitoral em volta do bloco central dos interesses que, ao longo das últimas décadas, se revelou incapaz de definir uma estratégia clara e sustentável para Portugal, mas soube, isso sim, aproveitar-se sem escrúpulos da abundância que transbordava das mesas orçamentais do poder.

Manuel Alegre e a sua equipa estão pois de parabéns por esta extraordinária e corajosa pedrada no charco.
Os escriturários da opinião pública, disfarçados nas suas cândidas máscaras de isenção jornalística (como se boa parte do jornalismo que temos não fosse uma mera sucursal das agendas políticas do atarantado poder económico lusitano), versejaram sobre as virtudes do pragmatismo, em volta da improbabilidade ministerial de Manuel Alegre, esquecendo que, a seu tempo, não faltarão nem candidatos nem boas escolhas, seja para o Governo, seja para a Presidência da República. Bastaria um pouco de honestidade intelectual para ter reparado na qualidade programática do Manifesto proposto por Manuel Alegre (sobretudo o ponto relativo à necessidade de recuperar a ideia de um Estado Estratega, por oposição ao traiçoeiro Estado Mínimo). Bastaria ter reparado nas prestações de Maria Belém Roseira, para saber que a mesma seria uma Primeira-Ministra infinitamente mais inteligente, arguta e humana que o populista desastrado Pedro Santana Lopes, o qual herdou o poder dum correlegionário transfuga, como se o poder não passasse duma Lotaria de fim-de-semana. Se os opinadores de pacotilha não dependessem tanto do que lhes pagam para dizer e escrever baboseiras, talvez dissessem a verdade. Assim, apenas conspiram a soldo do status quo.

Como escrevi, a propósito do escândalo de pedofilia (não percebo que faziam os manos Pedroso no campo de visão dos média, a noite passada, na sede de campanha de Manuel Alegre...), e também sobre a evolução da actual coligação partidária de direita, o sistema político estabilizado (e corrompido) em volta de um Bloco Central de poder acabou. Tal só foi possível enquanto rios de dinheiro afluiam ao nosso País. O mundo Ocidental vai ser forçado a aprender a superar a ideologia consumista, e o nosso País vai atravessar um longo período de penúria orçamental, desemprego e mal-estar. Neste quadro político-social, nada impedirá a radical clarificação dos interesses de cada um. Os partidos políticos tenderão, pois, a ser mais descaradamente liberais e populistas na banda direita do espectro partidário (a solução Buchista é a preferida pelo estratega Paulo Portas), e mais intervencionistas e sociais (sem prejuízo de um inevitável emagrecimento do Estado) na banda esquerda do mesmo espectro eleitoral. Isto significa que o tempo das maiorias absolutas (aliás episódico) acabou definitivamente. O nosso sistema partidário vai ter que aprender rapidamente a preparar cenários estratégicos de cooperação formal, i.e. coligações eleitorais de incidência governamental. O novo rotativismo será assim muito mais clarificador para todos os que votam e para todos os que exercem o poder.

Mas voltando ao novo sistema partidário em gestação (por força da dramatização social que aí vem), e que, em boa verdade, começou a ganhar claramemte forma na banda direita do espectro partidário, a partir do núcleo inovador formado em torno de Paulo Portas, o Partido Socialista, depois das eleições primárias de ontem, viu abrirem-se as portas de Pandora a uma transformação inevitável — a que José Sócrates deverá prestar a melhor atenção, se não quiser naufragar rapidamente nas tumultuosas águas conspirativas do aparelho que o elegeu. As direcções partidárias de todos os partidos com ambição governamental (mas também os sindicatos e associações patronais, as ONGs, etc.) terão, a partir agora, que adoptar mecanismos eleitorais e de validação das suas estruturas, públicos e transparentes . Sobretudo os partidos políticos, terão que abrir as suas portas, de forma institucionalmente clara, a quem neles vota. É por isto, e não pela espuma eleitoral de ontem, que a derrota de Manuel Alegre foi uma vitória.

- O-A-M #49 26 Setembro 2004