sexta-feira, janeiro 12, 2007

Aeroportos 13

O embuste da Ota

21 Questões sobre o Novo Aeroporto de Lisboa
e a Rede Ferroviária de Alta Velocidade

Luís Maria Gonçalves, arqº

1 - Porque é que o estudo elaborado pela ANA em 1994 (que identifica a Base Aérea do Montijo como a melhor localização para o novo aeroporto e que classifica a Ota como a pior e mais cara opção) não se encontra disponível no site da NAER?

2 - Porque é que o estudo elaborado pela Aeroports de Paris em 1999 (que recomenda a localização do NAL no Rio Frio e que classifica a Ota como pior opção) não justifica o facto de não ter sido sequer considerada a opção recomendada no estudo anterior?

3 - Porque é que todos os estudos e documentos disponibilizados, elaborados entre 1999 e 2005, incluindo o Plano Director de Desenvolvimento do Aeroporto, tiveram como premissa a localização na Ota, considerada nessa altura como a pior e mais cara opção?

4 - Porque é que o documento apresentado como suporte da decisão de localização na Ota é apenas um Estudo Preliminar de Impacto Ambiental, no qual questões determinantes para a localização de um aeroporto (operações aéreas, acessibilidades, impacto na economia) foram tratadas de um modo superficial, ou não foram sequer afloradas?

5 - Porque é que na ficha técnica do atrás referido Estudo Preliminar de Impacto Ambiental não constam especialistas na áreas da aeronáutica e dos transportes?

6 - Porque é que o Estudo Preliminar de Impacto Ambiental para o aeroporto na Ota usou os dados dos Censos de 1991 para calcular o impacto do ruído das aeronaves sobre a população, quando existiam dados de 2001 e uma das freguesias mais afectadas (Carregado) mais do que duplicou a sua população desde 1991?

7 - Em que documento é que são comparados objectivamente (com outras hipóteses de localização) os impactos económicos e ambientais associados à opção da Ota (desafectação de 517 hectares de Reserva Ecológica Nacional; abate de cerca de 5000 sobreiros; movimentação de 50 milhões de m3 de terra; encanamento de uma bacia de 1000 hectares a montante do aeroporto; impermeabilização de uma enorme zona húmida; necessidade de expropriar 1270 hectares)?

8 - Em que documento é que se encontra identificada a coincidência do enfiamento de uma das pistas da Ota com o parque de Aveiras da Companhia Logística de Combustíveis (a apenas 8 Km) e avaliadas as consequência de um possível desastre económico e ecológico decorrentes de desastre com uma aeronave?

9 - Em que documento é que se encontra a avaliação do impacto da deslocalização do aeroporto no turismo e na economia da cidade e da Área Metropolitana de Lisboa?

10 - Em que documento é que se encontra a avaliação do impacto urbanístico decorrente da deslocalização do aeroporto para um local a 45 km do centro da capital?

11 - Em que documento é que se encontra a avaliação do impacto da deslocalização dos empregos e serviços decorrente da mudança do aeroporto para a Ota?

12 - Em que documento é que se encontra equacionado o cenário da necessidade de construir um outro aeroporto daqui a 40 anos, quando o Aeroporto da Ota se encontrar saturado?

13 - Que medidas estão previstas para uma tributação especial das enormes mais-valias que terão os proprietários dos terrenos envolventes à zona do aeroporto (e não afectados pelas expropriações) que até ao momento estão classificados como Reserva Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional e passarão a ser terrenos urbanizáveis?

14 - Em que documento se encontra a explicação para ter sido considerada preferível uma localização para o novo aeroporto que "roubará" mercado ao Aeroporto Sá Carneiro em detrimento de captar o mercado da Extremadura espanhola?

15 - Porque é que a localização na Base Aérea do Montijo não foi sequer considerada, quando apresenta inúmeras vantagens (14 Km ao centro da cidade, posição central na Área Metropolitana, facilmente articulável com o TGV, possibilidade de ligações fluviais, urbanisticamente controlável)?

16 - Qual é a explicação para que a articulação entre as duas infra-estruturas construídas de raiz (Aeroporto da Ota e Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto) obrigue a um transbordo de passageiros numa estação a 2 Km da aerogare?

17 - Porque é que se optou por uma localização para o aeroporto que implicará um traçado da Rede de Alta Velocidade com duas entradas distintas em Lisboa, cada uma delas avaliada num valor da ordem de mil milhões de euros (percurso Lisboa/Carregado e Terceira Travessia do Tejo), quando um aeroporto localizado na margem Sul funcionaria perfeitamente só com a nova ponte?

18 - Qual é o valor do sobre-custo do traçado da Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto na margem direita do Tejo, por oposição ao traçado pela margem esquerda, fazendo a travessia na zona de Santarém?

19 - Porque é que a ligação ao Porto de Sines será construída em bitola ibérica, quando bastava que o traçado da linha Lisboa-Madrid passasse a Sul da Serra de Monfurado (um aumento de apenas 8 Km) para que fosse viável a construção de um ramal de AV para Sines (e posteriormente para o Algarve) a partir de um nó a localizar em Santa Susana (concelho de Alcácer do Sal)?

20 - Na análise custo-benefício do investimento da Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto foi considerada a concorrência do Alfa Pendular (na actual Linha do Norte), o facto de o traçado não permitir o transporte de mercadorias e a necessidade de mudança de transporte para percorrer a distância das estações intermédias aos centro das respectivas cidades (Leiria, Coimbra, Aveiro)?

21 - Por último, em que relatório se encontra a recomendação da Ota como melhor localização para o novo aeroporto por comparação com as outras alternativas possíveis (Rio Frio, Base Aérea do Montijo, Campo de Tiro de Alcochete, Poceirão)?

A insustentável leveza da Ota

Luís Gonçalves, arqº

Com uma discrição absolutamente inusitada, foi agora lançado o concurso para elaboração do projecto do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL). Passado mais de um ano sobre a tomada de decisão sobre localização do NAL, é altura de olhar para trás e procurar entender como é que foi possível que esta opção recaísse sobre a Ota, tendo contra ela a maioria dos estudos técnicos (que poucas pessoas leram) e a generalidade dos especialistas e operadores.

Nos últimos quinze anos foram elaborados dois estudos comparativos de diferentes localizações para NAL: um de 1994 da responsabilidade da ANA - Aeroportos e Navegação Aérea S.A., a pedido do Ministério das Obras Públicas; e um segundo em 1999, produzido pelo consórcio Aéroports de Paris / Profabril, para a NAER - Novo Aeroporto S.A. O estudo de 2005, apresentado como o documento definitivo, é apenas um Estudo Preliminar de Impacto Ambiental (EPIA).

O estudo de 1994 comparava quatro alternativas possíveis: Montijo A (orientação das pistas Norte/Sul), Montijo B (orientação das pistas Este/Oeste), Rio Frio e Ota. Na conclusão, as opções foram assim hierarquizadas: Montijo B, Montijo A, Rio Frio e por último a Ota, considerada simultaneamente a mais cara e a pior das localizações. Apesar da orientação do Governo no sentido da “transparência e divulgação pública”, este estudo não figura no rol de 26 documentos disponíveis para consulta no site da NAER. A posterior decisão de avançar com a rede ferroviária de alta velocidade (AV) e a terceira travessia do Tejo (TTT), entre Chelas e o Barreiro veio reforçar drasticamente as vantagens das localizações na margem sul do Tejo, em particular a opção do Montijo.

O estudo posterior, apresentado em 1999, comparava outras quatro alternativas: a SuperPortela (considerando a construção de uma nova pista paralela à existente), Rio Frio 17-35 (orientação das pistas Norte/Sul), Rio Frio 08-26 (orientação das pistas Este/Oeste) e Ota, não apresentando qualquer explicação para o facto de não ter sido considerada a localização mais bem classificada no estudo produzido apenas 5 anos antes.

Estas quatro opções foram classificadas, numa escala de 0 a 1000, à luz de diferentes critérios (operação aérea, acessibilidade terrestre, ambiente, custos de investimento, custo de exploração, etc.). As duas soluções para o Rio Frio obtiveram 728 pontos (E/O) e 675 pontos (N/S), tendo a Ota obtido a pior classificação (616 pontos), à semelhança do que tinha sucedido no estudo de 1994. A SuperPortela não chegou a ser valorizada por ter sido considerada um projecto com um impacto ambiental desmedido.

Entre 1999 e 2005 foram produzidos vários estudos (geológicos, geotécnicos, hidrológicos, movimentos de aves, caracterização da flora, etc.) para além do próprio “Plano Director de Referência de Desenvolvimento Conceptual do Aeroporto”. No entanto, todos estes documentos usaram, como premissa, a localização do NAL na Ota, apesar de esta ter sido, até então, sempre considerada a pior opção. Se outros estudos foram feitos, não foram divulgados.

Em 2005, são elaborados os EPIA para as localizações do NAL na Ota e em Rio Frio. Apesar de apresentada como a melhor localização, a lista de problemas associados à opção do NAL na Ota não deixa de impressionar:

- desafectação de 517 hectares de Reserva Ecológica Nacional (REN);
- destruição do coberto vegetal, incluindo o abate de cerca de 5000 sobreiros;
- movimentação de 50 milhões de m3 de terra (equivalente a cobrir o concelho de Lisboa com uma camada de 60 cm);
- desvio e “encanamento” da Ribeira do Alvarinho, com uma bacia de 1000 hectares a montante do aeroporto;
- destruição do Paúl da Ota e impermeabilização de uma enorme zona húmida que regularmente alaga durante o Inverno;
- necessidade de expropriar 1270 hectares.

Pelo facto de se tratar de um estudo de impacto ambiental, algumas questões determinantes para a localização de um aeroporto (operações aéreas, acessibilidades, impacto na economia) foram tratadas de um modo superficial, ou não foram sequer afloradas. Por essa razão vários problemas da localização na Ota não foram devidamente valorizados ou sequer identificados:

- aumento dos riscos operacionais das operações aéreas, decorrente da re-orientação das pistas a nor-nordeste, com a consequente existência de ventos laterais (os ventos dominantes são nor-noroeste);
- coincidência do enfiamento de uma das suas pistas com o parque de Aveiras da Companhia Logística de Combustíveis, com o risco de uma enorme catástrofe ecológica e económica em caso de acidente;
- continuação do sobrevoo a baixa altitude de áreas densamente povoadas da Área Metropolitana de Lisboa (AML);
- aumento da distância do aeroporto ao centro de Lisboa para 46 Km (pela actual A1, actualmente já muito congestionada), ou 56 Km (pela A10/A9/A8);
- aumento da distância média ponderada do aeroporto aos concelhos da AML para 56 Km por via rodoviária, e para 54 Km por via ferroviária;
- impossibilidade de incluir um serviço eficaz de shuttle através da actual Linha do Norte, que se encontra completamente saturada.
- deslocação de um grande número de pessoas afectas ao funcionamento do aeroporto e às actividades complementares;
- enorme aumento da pressão urbanística sobre a zona envolvente, pela necessidade de construir edifícios de serviços que complementem a actividade aeroportuária e para albergar os respectivos trabalhadores e os funcionários do aeroporto;
- quebra acentuada no “turismo de fim-de-semana” com consequências em várias actividades do sector (congressos, hotelaria, etc...);

Os problemas do erro da escolha da Ota já estão patentes no documento “Orientações Estratégicas - Sector Ferroviário”, apresentado pelo Ministro das Obras Públicas:

- os 30 km iniciais da linha de AV para o Porto atravessarão um canal profundamente urbanizado e muito acidentado cuja realização custará aproximadamente mil milhões de euros (um custo equivalente à TTT ou um terço do NAL);
- o percurso do TGV até Leiria terá de atravessar uma zona de tal modo acidentada que impossibilitará a utilização de comboios de mercadorias (um aeroporto a sul de Lisboa permitiria usar a margem esquerda do Tejo, muito mais plana e menos urbanizada e rentabilizar o investimento da TTT);
- um passageiro que saia de Lisboa utilizando um combóio de AV terá percorrer 45 km (distância que será gasta a arrancar e a travar a composição) e fazer um transbordo para percorrer os dois km entre a estação e a aerogare;
- será provocada uma concorrência lesiva ao aeroporto Sá Carneiro, acabando com os voos triangulares;
- será inviável a pretensão de conquistar, para o NAL, o mercado da Extremadura espanhola;
- será impossível articular o NAL, sob o ponto de vista logístico, com o Porto de Sines.

A alternativa de localização do NAL na actual Base Aérea n.º 6 do Montijo apresenta vantagens que justificariam, pelo menos, um estudo definitivo para comparação com as opção da Ota e de Rio Frio:

- permite a instalação de duas pistas paralelas de 3600 metros de comprimento (um layout semelhante ao proposto para a Ota), sem expropriações, utilizando a superfície da base aérea actual, à qual teriam apenas de ser acrescentadas plataformas para os extremos das pistas;
- essa orientação seria igual à da pista 18-36 da Portela, ideal sob o ponto de vista dos ventos dominantes;
- as rotas de aproximação e descolagem seriam compatíveis com a configuração da Ponte Vasco da Gama (conforme as normas do ICAO) e com a área restrita D10 do Campo de Tiro de Alcochete;
- os seus terrenos são praticamente planos, não têm cursos de água e estão incultos, resultando num reduzido impacto ambiental sobre o local;
- as infra-estruturas rodoviárias existentes (ou com execução prevista) colocariam o NAL a 12 Km do centro de Lisboa pela TTT, possuindo duas alternativas: a Ponte Vasco da Gama (24 km) e a Ponte 25 de Abril (40 Km), colocando o NAL a 32 Km de distância média ponderada aos concelhos da AML;
- o aproveitamento das infra-estruturas ferroviárias existentes (ou com execução prevista) permitiria integrar o aeroporto num anel abrangendo as duas margens do Tejo, colocando o NAL a 25 Km de distância média ponderada aos concelhos da AML;
- permitiria uma perfeita integração da rede do nacional do TGV com o aeroporto, pois a distância de 13 Km à Gare do Oriente transformaria a sua estação num novo centro direccional;
- reduziria o custo da construção da rede de TGV a construir, quer por uma questão de redução da extensão da linha para o Porto, quer pela oportunidade de desenvolver uma parte substancial do seu percurso na margem sul do Tejo, menos acidentada e menos povoada;
- a população afectada pelo ruído do sobrevoo das aeronaves seria sempre em número inferior à opção da Ota, independentemente do sentido de utilização das pistas e do volume de tráfego;
- a localização junto ao rio permitiria a construção de uma estação fluvial com ligações para Lisboa, fundamental para os períodos de congestionamento de trânsito;
- a sua localização numa península permitiria mais facilmente o controlo da pressão urbanística e aumentar a segurança do aeroporto;
- a chegada de avião a Lisboa em pleno estuário de Tejo seria um notável cartão de visita para o turismo da capital;
- a construção e existência de um equipamento com esta importância próximo de áreas urbanas deprimidas, permitiria usar o aeroporto como estímulo de reconversão e de desenvolvimento, abrindo a possibilidade de Lisboa passar a ser verdadeiramente uma cidade de duas margens.

Claro que a opção do NAL no Montijo apresenta também problemas com alguma relevância, nomeadamente:

- realojamento da Base Aérea n.º 6 (mas mais económica que as expropriações e a modelação dos terrenos da Ota);
- impacto ambiental decorrente do sobrevoo do Estuário do Tejo (o que também acontecerá na Ota, ainda que com menos intensidade);
- desafectação de uma área da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo, integrada na Rede Natura 2000 (mas muito inferior à área de REN necessária destruir no caso da Ota);
- existência de problemas relacionados com as aves (no entanto, o histórico de "incidentes" indicia um risco, para o Montijo, inferior ou equivalente ao da Ota);
- impossibilidade de recorrer a financiamento comunitário para o projecto (no entanto, o sobre custo global da solução na Ota, por comparação com o Montijo, será sempre muito superior ao montante da comparticipação Europeia);
- impossibilidade de expansão do aeroporto, por não existir hipótese de aumentar o número de pistas, como acontece na Ota. No entanto, se se verificar que dentro de 40 anos é necessário construir um novo aeroporto, será possível manter o Montijo como segundo aeroporto junto do centro da cidade, algo inviável no caso da Ota.

Por todas estas razões, é inevitável ficar com a sensação de que o desafio lançado pelo Primeiro Ministro aquando da apresentação da decisão definitiva — “Quem critica a Ota deve apresentar alternativas e estudos” — foi apenas uma questão de retórica. As alternativas e os estudos estão há muito na posse do Governo e a decisão política tomada foi contra todos esses mesmos estudos, valorizando a opção que, sobretudo, beneficiará todos aqueles que nos últimos anos compraram terrenos, classificados como REN, e que agora serão fundamentais para a gigantesca operação urbanística que se adivinha à volta do novo aeroporto.



Nota: o primeiro texto faz parte de uma mensagem enviada ao Ministro das Obras Públicas pelo arquitecto Luis Maria Gonçalves, com conhecimento para o Primeiro Ministro e outros membros do governo. Dada a relevância das questões nela colocadas decidi publicá-lo como contribuição para o verdadeiro livro negro que sugiro seja brevemente publicado sobre o maior embuste que o actual governo socialista e os seus inenarráveis ministros da economia e das obras públicas, pelos vistos, pretendem impingir aos portugueses. O segundo texto chegou-me às mãos em 15/91/07 e revea o que ainda há que fazer para parar a estupidez do actual governo relativamente à Ota.

Última hora!

OAM #162 12 JAN 2007

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Aeroportos 12

Ryanair-Girona
Mapa das rotas da Ryanair disponíveis a partir de Girona.
A 100Km de Barcelona, serve o grande atractor catalão e toda a Costa Brava.
Autocarro Girona-Barcelona: 1h10mn. Imagine uma extensão da Portela em Montemor-o-Novo ou em Évora...

O fim da Ota... e da TAP


Quem ouviu bem o que o ministro das obras públicas a dado momento deixou cair a propósito do aeroporto da Ota, na entrevista televisiva de ontem ("Diga Lá Excelência", RTP 2), terá ficado com a sensação de que o homem deu mesmo o primeiro passo subtil para deixar cair a idiotia betoneira por que clamam todos aqueles, e foram muitos, e muito poderosos, que andaram por lá a comprar terrenos ao desbarato, sem terem tido o cuidado de avaliar se a coisa tinha pernas para andar. Maria vai com as outras, como é timbre da nossa burguesia compradora, ignorante e preguiçosa, e das centenas de aparatchics bem informados e oleados da casa pública, eis que estavamos supostamente diante de uma fatalidade, algo que não podia deixar de ser! A Portela estava a rebentar pelas costuras e era preciso marchar urgentemente para a Ota, apesar de os nevoeiros persistentes não permitirem ver um palmo à frente do nariz, apesar de passarem por lá três rios (que seria preciso enterrar!), apesar da necessidade de remover uma montanha inteirinha para ganhar espaço de manobra para as aeronaves, apesar de as duas pistas previstas apenas poderem funcionar como pista e meia, apesar de não haver acessibilidades decentes ao centro de Lisboa (e novas que se fizessem, deverem sair do bolso falido de todos nós), apesar de o TGV Lisboa-Porto, que serviria supostamente a Ota, não fazer qualquer sentido estratégico (1) e ser uma prometida ruína financeira para o país, apesar de estar demonstrado que um novo hipotético aeroporto na Ota, que nos enterraria a todos (menos aos bancos drácula, que sempre souberam lucrar com a estupidez alheia), ficaria ele próprio saturado poucos anos depois de inaugurar! Por causa de todo este consenso fabricado sobre a pseudo-saturação da Portela e a inevitabilidade da Ota, deixaram degradar o aeroporto principal do país até níveis inqualificáveis. Mas eis que de repente ocorre um fenómeno meteórico chamado Low Cost, em cima de outras inesperadas ocorrências...

Enquanto os nossos iluminados estrategas macro-económicos e a nossa élite político-partidária continuavam a sonhar com a borlas da TAP e da CP, sucederam seis coisas dramáticas: o país afundou-se economicamente, o preço do petróleo disparou, o dólar entrou numa rampa declinante de que dificilmente sairá tão cedo, a Espanha decidiu dar prioridade acelerada à rede ferroviária de transporte rápido e ultrarápido (VE/AV) e, finalmente, um novo modelo de negócio aeronáutico emergiu da crise: as Low Cost.

Este modelo, assente na combinação inovadora entre voos baratos, ligações ponto-a-ponto, aeronaves comerciais de última geração (com grande eficiência energética e baixa intrusividade sonora), relações públicas inovadoras e uma panóplia de serviços complementares irresistíveis - carros, hoteis, pensões, programas de férias e casinos virtuais, como o divertido Ryanair Bingo -, tudo isto, suportado por impecáveis interfaces electrónicas (que só na aparência se parecem com os emperrados portais web da TAP ou da Ibéria), veio revolucionar de forma imprevista todo o negócio do transporte aéreo europeu para os próximos vinte anos. Empresas da dimensão da Ibéria estão fortemente ameaçadas por este incrível fenómeno. Que dizer então da pequena TAP e da minúscula PGA, debaixo desta inesperada intempérie de falências anunciadas e OPAs irrecusáveis? Resistirão? Acolher-se-ão ambas sob o chapéu protector do Estado? A que preço? Quem paga? Nós? Mas então o déficit? Mas então o ataque sem precendentes ao Estado Providência, e que ainda vai no adro, não tem uma causa nobre?

Há coisas que não têm solução, a não ser que seja radical. Por exemplo, como é que um putativo grupo como a TAP+PGA pode aguentar-se na competição europeia pela concentração do sector aerotransportador, quando os três maiores operadores de Low Cost europeus - Ryanair, Easy Jet e Air Berlin -, que movimentam conjuntamente mais de 87 milhões de passageiros/ano, têm menos assalariados ao seu serviço do que a TAP+PGA (9.945 contra 10.110), que, por sua vez, movimenta menos de um décimo daquele número de passageiros?!

Em nome, pois, de quê, vai o Estado nacionalizar uma PGA que o BES, pelos vistos, não consegue impingir a mais ninguém (pelos mesmos 144 milhões de euros que exigiu ao Estado)? Só se for em nome dos seus 750 empregados. Mas e então o déficit? E a racionalidade? Só se for por causa do flop da Ota. Mas isso seria gravíssimo!

Em nome de que história da Carochinha vai depois o mesmo Estado privatizar a TAP? Quem quer uma TAP pequenina, a abarrotar de administradores bem pagos e milhares de assalariados sindicalmente protegidos, com aviões velhinhos (consumidores de energia, ruidosos e produtores de CO2 em demasia), hábitos de gestão ultrapassados e sem qualquer estratégica sustentável? Quem, não me dizem? Se ainda por cima o pouco dinheiro existente se gasta na compra de sucata, em vez de novos aviões de médio curso adequados à nova era, que pode alguém de bom senso esperar da futura privatização da TAP? Nada. Mesmo nada, meu caro Sócrates!

Metade do negócio ou mais da TAP está na Europa. Na Europa, as principais empresas de Low Cost - Ryanair, Easy Jet e Air Berlin - preparam-se para tomar de assalto boa parte do negócio desactualizado das chamadas companhias de bandeira, quase todas elas públicas, despesistas, caras e obsoletas do ponto de vista da globalização, onde, ao que parece, a Europa também quer entrar. Basta observar o quadro abaixo para perceber por onde vão os tiros imediatos do transporte aéreo de passageiros na Europa nos próximos anos.

Tabela Low Cost vs TAP/PGA

Em 2012, os 600 aviões de última geração da Ryanair, Easy Jet e Air Berlin, poderão muito bem assegurar a esmagadora maioria dos voos baratos da Europa, transportando por ano mais de 100 milhões de passageiros entre várias capitais e largas dezenas de cidades europeias. Um dos aspectos cruciais da nova era do transporte aéreo é que ele dispensa aeroportos de luxo. Qualquer aeródromo com duas pistas, ou até uma, com 2500m de comprimento por 40m de largura, e um bom barracão, servem para uma Low Cost transportar milhões de passageiros/ano. Por outro lado, a rede ferroviária ibérica de Alta Velocidade e de Velocidade Elevada, que avança a ritmo acelerado (e a que Portugal não se poderá eximir, sob pena dum descrédito ibérico e internacional sem precedentes), irá retirar uma fatia decisiva do mercado de transporte aéreo nalguns dos eixos que hoje são precisamente preenchidos pela TAP, Iberia, etc.: Lisboa-Porto-Lisboa, Lisboa-Madrid-Lisboa, Madrid-Barcelona-Madrid, Madrid-Valencia-Madrid, etc., tal como sucedeu aliás com a rota Madrid-Sevilha, onde o Ave inviabilzou boa parte das ligações aéreas entre as duas cidades.

Teremos assim, se houver juízo, um Novo Aeroporto Internacional de Lisboa com o centro operacional na velha Portela, dedicado aos voos intercontinentais, mas extensível até ao Montijo, ou até Évora, para as suas ligações europeias ponto-a-ponto. Tudo isto sem precisar, nem da Ota nem de Rio Frio. Uma poupança assinalável.


Notas

1 -- A tomada de consciência da gravidade da actual emergência energética na Europa vai provavelmente conduzir a uma revisão do actual programa ferroviário europeu, favorecendo novas soluções menos dispendiosas e com grande enfoque nas redes de suburbanos. Exige-se pois, no caso português, o abandono imediato da megalomania chamada AV Lisboa-Porto, e que ponham os actuais Alfas pendulares a circular a 230Km, como podem, mas não circulam, por mero cálculo político e pressão dos lóbis betoneiros que teleguiam o actual vizir das obras públicas. Leia-se, a propósito da provável mudança de agulha na estratégia europeia para a ferrovia, o artigo publicado pelo EuroActiv, "EU railway rules 'bad for commuters'". 10-01-2007.
Focusing on "glossy" international rail projects could hinder the development of suburban railways that are essential to tackle congestion and environmental problems in European cities, according to new research. Link

Última hora!


OAM #161 8 JAN 2007

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Carcavelos

A minha praia tropical


Carcavelos, Portugal, 06-01-05, surf e bodyboard
Jan 5, 2007: mais de 200 pranchas rolando nas ondas de Carcavelos

Vivo há 38 anos em Carcavelos e não tenciono abandonar esta vila e esta praia. Gosto muito da região do Douro, de onde vem parte substancial do meu património genético, e onde vou regularmente sonhar com quintas biológicas. Mas dispensar o mar, os horizontes amplos e mutantes do grande estuário, os barcos que passam, as acrobacias do Pitt Special que sobrevoa o terraço da casa em direcção ao mar, os pachorrentos Retrievers que tomam conta das esplanadas e centros de Surf, o disputadíssimo bar dos gémeos e a sua música calma, as caminhadas pelo paredão, as meninas e os meninos que passeiam e, impossível ignorá-lo, o rebanho negro de surfistas e bodibordistas que não pára de aumentar, de todas as idades, raças e sexos, com a tez sempre dourada e olhos de água, está fora de causa.

Ainda jovem, em Setembro, quando as marés davam por finda a estação balnear, costumava fazer carreiras nas ondas de Carcavelos, transformando o meu próprio corpo numa prancha. Era uma tradição dos finais da década de 60 e princípios da de 70, muito antes de a fibra de vidro se ter democratizado. Banhos em Janeiro era coisa de televisão, de uns maduros e barrigudos que sempre vinham de Sassoeiros, de Talaíde ou da Madorna, para celebrar a entrada de cada novo ano. Mergulhavam ao desafio, tremiam nas toalhas e encharcavam-se em bagaço branco. O povo inteiro assistia na RTP.

Hoje, dia 5 de Janeiro de 2007, com o ar a rondar os 18ºC (apesar de o Instituto Meteorológico não ir além dos 16,4ºC nas suas medições, na Avenida Gago Coutinho!), e uma temperatura de mar de 16ºC, contei mais de duzentos entusiastas dentro de água e pelo menos metade deste número entretida em manobras preparatórias ou de retirada. Os rapazes despem-se e vestem-se com um à-vontade próprio da idade. As raparigas, que a borracha dos fatos transforma espontaneamente em sereias, para se mudarem, desenvolvem divertidos e sedutores contorcionismos com as suas grandes toalhas de turco. Os mais velhos, costumam preferir os carros para a mudança de traje. A moda surf e body board exibe-se na praia de Carcavelos em todo o seu esplendor. Às vezes penso, onde irão buscar tanto tempo livre. Depois volto a pensar, afinal são só duas horitas de ar livre e descontracção. Uma dose q.b. de adrenalina e jogos de sedução. Todo este frenesim provoca o incremento da actividade económica local. Que mais pode um carcavelense de adopção desejar para a sua vila?

A época balnear, como as estações, estão a desaparecer. Mesmo quando chovia sem parar, em Outubro e Novembro passados, lá estavam os surfistas mais destemidos, aproveitando cada aberta, mesmo que ténue e passageira, provando que a praia não tem épocas. Costumo não dispensar uma ou duas semanas das areias e do mar mais quentes das falésias algarvias, mas morreria de tédio, ou de estupidez, se por lá vivesse todo o ano. Quem me tira a praia de Carcavelos, mesmo sofrendo obras que nunca mais acabam, mesmo atulhada de automóveis que insistem em descer até ao paredão, mesmo cheia de alfacinhas que continuamos a deixar pisar o areal sem pagarem uma mais do que justa portagem, mesmo tropeçando naqueles cadáveres escanzelados e sarnentos de velho motel de engates e de antigo restaurante de bodas, a que chamam Narciso e Fateixa, tira-me muita coisa. Não dispenso a minha praia, cada vez mais tropical, nem os inesquecíveis pores-do-Sol de Outono, nem a filosófica Avenida Jorge V que me leva e trás de lá, nem, sobretudo, a linha do horizonte. Acarinho em silêncio os artistas clandestinos do graffiti e divirto-me com o sentido de humor daquele aviso inscrito no fim do passeio que dá acesso à praia: "arrastão a 500m".

Reparei este ano na abundância de melros na avenida, e de moscas teimando entrar no meu apartamento. Em Sevilha e depois em Barcelona, surpreendi-me com bandos de grandes periquitos verdes e dourados, que pelos vistos também voam e berram pelos jardins da Estrela e do Campo Grande. Passando por Tarragona, observei manchas negras de estorninhos, escurecendo o céu e demandando as árvores de uma cidade desesperada, que propagava megafonias anti-estorninhos, para susto de todos nós. Dizem-me que as cegonhas se estabeleceram definitivamente na Extremadura espanhola. As andorinhas partem cada vez mais tarde da península. A desertificação saariana avança a passos largos. Veremos talvez, em uma ou duas décadas, uma nova Carcavelos, tropicalíssima, com cada vez mais pranchas à espera de uma boa onda. A Caparica ir-se-à desmoronando. Depois, não sei. Há quem tema o pior.

OAM #160 5 JAN 2007

domingo, dezembro 31, 2006

2007

Esquilo, Chicago, 2006
Esquilo, Chicago, Dezembro 2006. Foto: Chica Hipnótica.

Piorar para melhorar?


Nenhuma espécie biológica pode duplicar a sua população indefinidamente, sobretudo quando essa duplicação depende do uso igualmente exponencial de recursos não-renováveis limitados, tais como o petróleo, o ferro ou o cobre, da exploração intensiva de solos que inevitavelmente se degradam, ou da exaustão dos recursos hídricos potáveis, cuja renovação obedece a ritmos muito mais lentos do que os da voragem imposta ao planeta Terra pela ideologia do crescimento eterno da economia.

M. King Hubbert, o grande geólogo norte-americano que previu o pico petrolífero dos Estados Unidos e em geral os limites da exploração dos recursos finitos não-renováveis, afirmou em 1974, numa audiência promovida pela Câmara dos Representantes (a propósito do National Energy Conservation Policy Act of 1974) o seguinte:
Our institutions, our legal system, our financial system, and our most cherished folkways and beliefs are all based upon the premise of continuing growth. Since physical and biological constraints make it impossible to continue such rates of growth indefinitely, it is inevitable that with the slowing down in the rates of physical growth cultural adjustments must be made. (Link)

É precisamente nesta fase de ajustamento que o mundo se encontra. É um momento perigoso, nomeadamente por causa das assimetrias económicas, sociais, políticas e militares existentes e que tenderão a agravar-se ao longo desta primeira década do século 21. Os actuais crescimentos exponenciais de países como a China e a India irão provocar inevitavelmente enormes dores de cabeça. O número crescente de estados falhados que se perfila num horizonte de uma a duas décadas é, pura e simplesmente, assustador, sobretudo se se tiver em conta que alguns deles dispõem ou tencionam dispôr de consideráveis capacidades de dissuasão militar de tipo nuclear, electrónica, química e biológica. Por fim, a inércia ideológica do Ocidente (sobretudo os Estados Unidos e a Europa), não augura nada de bom do ponto de vista da necessária metamorfose por que teremos que passar para nos adaptarmos a um mundo tecnológico de baixo crescimento e justiça distributiva assegurada.

O modelo actual de crescimento exponencial da massa monetária e abrandamento global da taxa de crescimento da produção de bens materiais vai conduzir-nos necessariamente ao abismo. Talvez seja a única alternativa que nos resta: piorar, para depois melhorar.

Bom ano!

OAM #159 31 DEZ 2006

sábado, dezembro 30, 2006

Saddam Hussein enforcado

Enforcamento de Saddam Hussein
Saddam Hussein: segundos antes da execução.

O terror continua. Bush satisfeito.


Saddam Hussein foi enforcado na sequência de um julgamento político realizado por um Estado fantoche, num país ocupado militarmente pela mais poderosa e agressiva nação do planeta. Independentemente dos crimes cometidos por este ditador enquanto chefe de Estado do Iraque, o julgamento foi uma farsa. E o apressado epílogo que acaba de nos ser oferecido como espectáculo, tão só um preocupante sinal de pânico das marionetas que actualmente perseguem o desígnio ‘neo-con’ de pulverizar a integridade política de uma das grandes reservas petrolíferas do planeta.

O homem executado por volta das 6 horas da manhã de Bagdad, fora o presidente internacionalmente reconhecido do Iraque até à invasão ilegal deste país por uma coligação bélica chefiada pelos Estados Unidos sob o pretexto inventado de existirem armas de destruição massiça naquele país (como se este pretexto, mesmo que fosse verdade, autorizasse a destruição militar de um país e de um regime, bem como um verdadeiro morticínio aéreo). Os americanos perderam até ao momento 3 000 militares em combate e viram regressar a casa mais de 23 000 feridos. Mas no Iraque, para além dum número indeterminado de militares iraquianos mortos durante a invasão (ver estimativas), e dos milhares de mortos e feridos em consequência da guerra civil instalada, mais de 100 000 civis foram literalmente assassinados pelos bombardeamentos da aviação estado-unidense e britânica (Guardian). Segundo as Nações Unidas, 1,6 milhões de iraquianos (10% da população) fugiram do país e cerca de 1,5 milhões encontram-se deslocados dentro do seu própio território (The Independent). Não será isto também um crime contra a humanidade? Quem irá julgar Bush e Blair por haver inspirado tais crimes?

Saddam Hussein foi um líder apoiado pelos Estados Unidos quando estes quiseram contrariar a autonomia progressiva do Irão. Mas foi sobretudo o dirigente político que nacionalizou o petróleo iraquiano e fez do Iraque um potência regional, tendo para isso forçado a unidade do Estado num país dividido por questões territoriais, étnicas e religiosas (sistematicamente exploradas por ingleses e americanos). Defendeu o seu país contra uma invasão ilegal, a qual teve por único objectivo a pilhagem dos recursos energéticos do Iraque e preparar o terreno para um confronto estratégico com o Irão e... depois, de novo, com a Rússia! Quem deveria estar no banco dos réus?

O ditador de Bagdad praticou a violência de Estado de forma intolerável contra o seu próprio povo ou parte dele. Cometeu ou autorizou assassínios e torturas. Nada, porém, que as actuais autoridades fantoches da Bagdad (com o apoio directo dos Estados Unidos) não estejam elas mesmas a fazer ou a promover, através das milícias que diariamente aterrorizam os cidadãos iraquianos. E falando de torturas e assassínios, que dizer de Guantánamo e dos voos da CIA? Ou do que o senhor Putin há muito vem fazendo contra os chechenos?

Enquanto aguardava o enforcamento, Saddam Hussein entoou o credo islâmico, a Shahada, do qual consta a seguinte passagem: "não há deus mas Alá e Maomé é o seu profeta". A última palavra que pronunciou, antes de o alçapão se abrir, foi: Maomé. A Jihad islâmica radical ganhou um novo mártir.


Video oficial e vídeo amador da execução.
Para alguns muçulmanos esta farsa não passou de um linchamento. E os noticiários da CNN e da BBC, uma vergonha. Já repararam no tempo infinito que as televisões têm dedicado aos funerais do Gerald Ford (quem?), enquanto mentem descaradamente sobre o que se passou durante a execução de Saddam? Vale a pena ler o que diz Baghdad Burning a este propósito.
Entretanto, o NYT de 3/1/2007 dá conta dos abusos cometidos durante a espécie de execução sumária inflingida ao ditador de Bagdad.

OAM #158 30 DEZ 2006

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Aeroportos 11

D. Sebastião da Ota

A possibilidade de existir um grande hub aeroportuário em Portugal está a esfumar-se rapidamente no horizonte... das Low Costs. Em primeiro lugar, porque os voos intercontinentais, de e para a Europa, têm os seus principais hubs em Londres, Frankfurt, Paris, Amesterdão, Bruxelas, Zurique... Madrid, para onde as Low Cost nos levam por preços imbatíveis. Em segundo lugar, porque a capital espanhola tenderá a absorver a maioria do tráfego intercontinental de e para a península ibérica, à medida que a malha de aeroportos Low Cost cresce e incrementa exponencialmente as ligações ponto a ponto (sem ruptura de carga) no espaço europeu, e à medida também que a rede ferroviária de alta velocidade for ganhando terreno em Espanha e Portugal (2013-2015), fazendo de Madrid, não só a grande metrópole, mas também o grande hub ferroviário e aeroportuário da península. Em terceiro lugar, porque os Estados Unidos parecem condenados a enveredar por uma quarentena proteccionista, o que deitará por terra algumas das actuais dimensões da chamada globalização e enfraquecerá irremediavelmente, pelo menos no horizonte de uma ou duas décadas, a importância económica do Atlântico.

O principal argumento para a necessidade do novo aeroporto internacional de Lisboa — a saturação da Portela — caíu assim pela base:

— serão as Low Cost, e não as companhia de bandeira, as principais responsáveis pelo aumento e sobretudo pela mudança radical do padrão do negócio aeroportuário no nosso país e na Europa no decurso das próximas décadas;
— o novo paradigma aeroportuário emergente em toda a Europa é incompatível com mega-estruturas de apoio caras e pode, pelo contrário, adaptar-se facilmente a estruturas pré-existentes (aeródromos), desde que disponha ou possa vir a dispor rapidamente de pistas com 2500 metros;
— o novo paradigma aeroportuário consegue aumentar o número diário de movimentos nos grandes aeroportos sem contribuir para a saturação dos mesmos (pois pode operar fora dos intervalos onde se acumula a maioria dos slots mais disputados);
— como qualquer passageiro que voa num operador convencional sabe, as ligações entre voos fazem invariavelmente perder mais de uma hora nas passadeiras, lojas e bares dos aeroportos, o que supõe uma disponibilidade óbvia para o uso dessa mesma hora na deslocação entre um aeroporto Low Cost e o seu destino final (por exemplo, o centro de uma cidade), aumentando o raio de acção da Portela, por exemplo, até Évora, no caso de ser muito complicado adaptar a base militar do Montijo ou o aeródromo de Tires para o efeito. O TGV Lisboa-Madrid-Lisboa demorará meia hora entre Évora e Lisboa!
— as ligações aéreas Lisboa-Porto-Lisboa deixarão de fazer sentido económico assim que o actual Alfa pendular passe a circular (como pode e deveria!) a 220-230 Km/h, percorrendo a distância entre estas cidades em 1h45mn ou 1h30mn, consoante faça ou não paragem em Coimbra e Aveiro. Nem sequer precisamos de uma linha AV neste trajecto. Basta chamada velocidade elevada: EV.

Em suma, o crescimento natural do Aeroporto Internacional de Lisboa, face ao paradigma emergente do transporte aéreo (Low Cost) e face à impossibilidade de implementar um verdadeiro hub intercontinental no nosso país, deve pois recorrer, em primeiro lugar, à melhoria e expansão do aeroporto da Portela, e em segundo, a uma ou mais das seguintes alternativas, diferenciadas e rapidamente acomodáveis: Montijo, Tires (sobretudo para os corporate jets) e Évora.


Em vez de sonhos sebastiânicos, como aquele que procura legitimar o pesadelo da Ota, quase sempre servindo a ganância de muito poucos e a miséria da maioria, deveríamos dar os muitos pequenos passos que ajudariam a diminuir o lamentável atraso económico, social e cultural que nos separa cada vez mais, já não só da Europa, mas dos nossos vizinhos mais chegados.

É urgente compilar o livro negro da Ota e forçar o poder a explicar-se sobre esta matéria. Antes que seja tarde demais!


Referências
Ver os dois últimos PDFs de Rui Rodrigues sobre o previsível efeito low cost no panorama aeroportuário português:
Voos de Baixo Busto e Alta Velocidade
Aeroportos de Low Cost

Última hora!

OAM #157 29 DEZ 2006

Brandos costumes

Danny de Vito. Batman Returns
Danny de Vito. Batman Returns

Sou corrupto, e depois?!


Nós sabíamos que na grande Itália, desde tempos imemoriais, roubar é um direito divino e um costume aceite, pelo que até se pagam impostos à Mafia. Sabíamos que os novos oligarcas russos além de roubar o seu povo até à medula, o fazem recorrendo frequentemente ao assassínio (agora por envenenamento nuclear!) Sabíamos que em Angola e em boa parte da África o roubo, a expoliação violenta dos povos e a destruição dos países são sinónimos do quotidiano pós-colonial. Sabíamos que os coroneis do Brasil e a maioria dos ricos da América Latina continuam alegremente em guerra civil contra os seus próprios povos. Sabíamos que a democracia americana se encontra, como nunca, corroída pela corrupção e pelo sindroma da decadência imperial. Acreditamos, por outro lado, que a Europa é, apesar de tudo (quer dizer, dos seus próprios níveis de corrupção), um oásis distributivo, e que procura desesperadamente salvar a substância e a forma da democracia, insistindo numa cultura da racionalidade humanista, da formalidade institucional, da igualdade perante a lei e da liberdade individual. Não podemos pois deixar de nos estarrecermos com os sucessivos escândalos de corrupção que, de há alguns anos para cá, parece ilustrar a verdadeira natureza da problemática economia lusitana.

Fuga massiva aos impostos por parte de grandes empresas, bancos envolvidos em sofisticadas e vultuosas operações de branqueamento de capitais, jogos de poder e corrupção sórdida no futebol, tráfico ilegal de armas, de droga e de pessoas, redes de pedofilia impunes, voos secretos da CIA (que o Governo escondeu e continua a esconder do Parlamento e dos portugueses em geral) e o mais que se verá, se a Justiça portuguesa não estiver ela mesma prisioneira da corrupção instalada, aproximam perigosamente Portugal dos registos outrora típicos de outras latitudes geo-culturais.
Se não se puser cobro a este descalabro, e o emagrecimento do Estado, em vez de servir para racionalizar a nossa democracia, servir apenas para destruir o insipiente Bem Estar Social lentamente conquistado desde o fim da ditadura, então bem podemos esperar por tempos difíceis e perigosos. Se aí chegarmos, tal como sucedeu em Portugal no princípio do século 20, poderá voltar a bastar um só homem para nos reconduzir, num primeiro momento, à ordem pública, e depois, a um novo ciclo de obscurantismo autoritário e paternalista. Será diferente do Salazarista concerteza. Será, por exemplo, ciber-autoritário, ciber-paternalista e ciber-obscurantista (em nome, claro está, da luta contra o perigo do tecno-anarquismo). Acontecerá mais provavelmente se a Europa enveredar por um retrocesso ou mesmo por uma pausa (hoje inimaginável para muitos) do processo político da União. Mas não pensem que novas formas de populismo (de tecno-populismo) autoritário são tão improváveis como, neste momento, parecerá aos mais optimistas e sobretrudo aos mais ingénuos. Pensem apenas no que será este país quando o petróleo chegar aos 120 euros pb, por volta do ano 2010, ou 2015. A prosápia inconsequente dos políticos actuais e as más companhias com quem andam auguram o pior. [v.o. 2006/12/9]


Post scriptum:
1) Fãs da corrupção — Não se pense que o fenómeno da corrupção organizada indigna os portugueses por aí além. Basta ver como os fãs do Futebol Clube do Porto berram pelo patibular Pinto da Costa (não esquecer a leitura, obrigatória, de "Eu, Carolina", da ex-companheira do presidente do FCP, editado pela Dom Quixote e nas bancas a partir de 2006/12/11). Ou ver como os desempregados de Gondomar trocam votos por micro-ondas em nome do capo local; os eleitores de Oeiras exultam com o seu municipal Isaltino; e os pobres de espírito de Felguerias alimentam sonhos eróticos com a sua santa autarca. (2006/12/10)

2) A super-Procuradora Maria José Morgado vai retomar o caso Apito Dourado. Por fim, alguma luz ao fundo do túnel sinistro da justiça portuguesa. Não fora Carolina Salgado ter publicado agora o seu libelo acusatório contra Pinto da Costa, e o dito caso em volta da corrupção de árbitros por parte de alguns clubes nortenhos de futebol, e envolvendo, além de Pinto da Costa e Valentim Loureiro, Jacinto Paixão, Reinaldo Teles, António Garrido e António Araújo, morreria sob o silêncio típico do estado de corrupção complacente que continua a caracterizar um país incapaz de superar o seu patente sub-desenvolvimento democrático. Temos democracia, mas boa parte das instituições continua sequestrada por poderes fáticos ilegítimos, muitos deles corruptos e alguns, como agora vemos, criminosos e descarados.
Num programa imbecil de um canal de televisão chamado RTPN (pago pelos impostos de todos) dois aparentes comentadores divergentes convergiam há dias na defesa do presidente do FCP, face à retoma da caso Apito Dourado, com o argumento simplório de que se trataria tão-só de uma conspiração contra o FCP. Rui Rio, prossegue a tua meritória acção autárquica! (2006/12/16)

3) O BES volta aos noticiários, desta vez com o juíz Baltazar Garzón a inspeccionar a delegação do BES na Madeira. Entretanto, o paroquial Expresso entrevistou o presidente deste controverso banco, esquecendo-se de lhe colocar duas questões: como avaliar a insistência da justiça espanhola, que requereu o apoio das autoridades portuguesas na investigação da delegação madeirense do BES?; e, porque motivo resolveu este grupo financeiro vender a Portugália à TAP, i.e. ao Estado português? (2006/12/16)

4) Corruption (Made in England) — Para não pensarmos que a corrupção só é protegida no nosso país, acaba de rebentar um escândalo no reino de sua magestade britânica em volta de condecorações atribuídas em troca de financiamentos ao Partido Trabalhista.
Blair questioned in honours probe. Mr Blair was questioned for almost two hours by police. Prime Minister Tony Blair has been interviewed by police investigating cash for honours allegations. (Link)

Um dia depois desta notícia anuncia-se o fim de uma investigação especial sobre luvas pagas aos intermediários sauditas na aquisição de 72 caças militares, da classe Eurofighter, no valor de 40 mil milhões de Libras.
The Serious Fraud Office has dropped a corruption probe into a defence deal with Saudi Arabia, after warnings it could damage national security. Attorney General Lord Goldsmith said the SFO was "discontinuing" its investigation into Britain's biggest defence company, BAE Systems. The reversal follows reports that Saudi Arabia was considering pulling out of a deal to buy Eurofighter jets from BAE. Lord Goldsmith said he thought that a prosecution "could not be brought". He said the decision had been made in the wider public interest, which had to be balanced against the rule of law. (Link-1 Link-2)
(2006/12/16)

OAM #156 29 DEZ 2006