Na minha opinião Marcelo Rebelo de Sousa deveria reclamar uma clarificação política definitiva no próximo Congresso do seu partido. E deveria mais: deveria anunciar estar disposto a formar um novo partido, caso a deriva populista e liberal do actual PSD se revele como uma metamorfose irreversível, provocada pelo enlace institucional entre Pedro Santana Lopes e Paulo Portas.Marcelo Rebelo de Sousa percebeu a tempo e horas que a entrada da RTL na Media Capital prenunciava a integração a prazo do negócio de Miguel Paes do Amaral no maior grupo televisivo europeu: 26 canais de televisão, 24 estações de rádio (em 9 países), 260 programas televisivos (em 39 países), 19 mil horas de direitos de transmissão (em 150 países) e 250 milhões de espectadores. Os 11,6% de capital social adquiridos pela RTL fazem imediatamente deste grupo um parceiro estratégico com direito e capacidade para influenciar o futuro da Media Capital. Ora, apesar das peculiaridades do caso português tudo leva a crer que o formato comunicacional da RTL acabará por impor-se, retirando este canal da zona de influência dos jogos político-mediáticos tão ao gosto da amálgama promíscua e terceiro-mundista que compõe as instâncias de poder no nosso País. A prazo, que não será longo, ninguém está a ver na futura TVI, nem os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa, nem as truculentas opiniões de Miguel Sousa Tavares, nem os tais paineis politicamente correctos que a custo procuram remediar a manifesta falta de audiência do Parlamento, do Governo e dos políticos em geral. A partir do caso Marcelo Rebelo de Sousa, o que se insinua no panorama mediático lusitano mais próximo, é a luxemburguização da TVI, o controlo político cerrado dos canais estatais (pelos governos que lá estiverem) e a emergência da SIC como principal fonte de informação independente (e diversificada em matéria de públicos-alvo) do nosso xadrez audiovisual.
O Professor Marcelo viu a tempo e horas o que o esperava. Miguel Sousa Tavares, pelos vistos, não! E José Eduardo Moniz, que tem apesar de tudo (embora por escassos meses) o poder de desferir um golpe de coelho na TVI, forçando uma reviravolta no grupo Media Capital, decidiu esperar para ver. Tê-lo-à feito por necessidade táctica? Para avaliar se há sinais financeiros suficientemente credíveis que lhe permitam equacionar uma resposta à altura do desafio? Ou será que, pelo contrário, já decidiu não entrar nesta guerra... admitindo que o mundo cor-de-rosa que o espera até lhe fará muito bem à andropausa?
Esta tempestade, ao contrário do que escreve o director do Expresso, não é um número de circo. De facto, trata-se de uma tempestade com duas faces: a face do dinheiro, que se move inexoravelmente para fora, e a face da política, cujo principal desfecho aponta para o fim triste do actual Governo, e sobretudo para a necessária cisão do PPD/PSD. O silêncio da Marcelo Rebelo de Sousa tem sobretudo a ver com esta última questão. Vejo-o, a este silêncio ensurdecedor, como um apelo dramático aos sentimentos social-democratas, para que tenham a coragem de se libertarem momentaneamente das dependências mais rasteiras do poder, e para que confluam num movimento de separação profiláctica da vertente populista e liberal que tomou conta do PSD. O PSD (social-democrata) tem que romper com o PPD (populista e liberal) se quiser sobreviver como um interlocutor válido da democracia Portuguesa. E tem que fazê-lo quanto antes! Caso contrário, as moléculas que compõem essa tão importante sensibilidade do partido fundado por Sá Carneiro, serão cruelmente pulverizadas por Paulo Portas, ainda que com os sobressaltos provocados pelo afã trapalhão de Santana Lopes. Na primeira hipótese, a democracia ganhará um novo partido democrático, e a direita populista de Paulo Portas formará finalmente um partido com mais de 6% do eleitorado. Na segunda, a sensibilidade social-democrata do PSD morrerá sem glória, à medida que os seus porta-vozes se retirarem paulatinamente da cena pública. Resta esperar pelo discurso do actual Primeiro Ministro na próxima Segunda-Feira, e sobretudo pela resposta que Marcelo Rebelo de Sousa terá que dar às provocações que lhe serão servidas na bandeja primo-ministerial. Na minha opinião, Marcelo Rebelo de Sousa deveria reclamar uma clarificação política definitiva no próximo Congresso do seu partido. E deveria mais: deveria anunciar estar disposto a formar um novo partido, caso a deriva populista e liberal do actual PSD se revele como uma metamorfose irreversível, provocada pelo enlace institucional entre Pedro Santana Lopes e Paulo Portas. Só um tal acto de coragem poderá desatar o nó górdio da actual situação política. Porque só um tal acto de coragem criará os pressupostos constitucionais que obrigarão o Presidente da República a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições.
Como se vê, o comentador do Expresso bem podia ter escrito outra coisa!
O-A-M #57 09 Outubro 2004
1 comentário:
Quem me desculpem os dois pelo acto falhado. Queria de facto referir-me ao vivíssimo Miguel Sousa Tavares, escritor e polemista, filho do Francisco e da Sofia. . ac-p
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