sexta-feira, outubro 28, 2011

Uma década de austeridade

O euro não sucumbiu, o dólar, sim, apodrece!

A Eurolândia ganhou a primeira grande batalha que lhe foi movida pelo par dólar-libra, mas tem pela frente uma década de austeridade, e precisa dramaticamente de maior e melhor integração económica, financeira e social, precisa de outra coesão política e de uma estratégia global comum.

Rich Mattione ©GMO LLC
(clicar para ampliar a img)
Eurozone bail-out: holes emerge in the 'grand solution’ to solve EU debt crisis
A trillion euro bail-out to save the EU’s single currency is in danger of unravelling after Germany’s central bank warned that the rescue measure was too dependent on the high-risk deals that caused the economic crisis. By Bruno Waterfield — 27 Oct 2011, The Telegraph.

Apesar do nervosismo evidente do eixo que continua a unir Washington a Londres, a verdade é que a Eurolândia se safou, por enquanto, de mais um grande aperto e de mais uma ameaça de cisão. Sem ceder no essencial, a Alemanha acabou por convencer a França e os países do Sul de que a melhor maneira de atacar a crise das dívidas soberanas da União é perspectivá-la a médio-longo prazo, ou seja, repartir no imediato entre governos (i.e. pagadores de impostos), bancos e fundos de investimento, os efeitos mais nefastos e prementes do buraco negro criado pelo sobre endividamento privado e soberano e pelas bolhas especulativas do casino derivativo em que se transformou a chamada inovação financeira desenhada pelos piratas de Wall Street, e, por outro lado, convencer os mais indisciplinados de que vai ser necessário manter, como alternativa à inflação monetária suicida da América, um programa de disciplina orçamental (austeridade), aumento da produtividade e reequilíbrio da balança comercial comunitária e intra-comunitária, no mínimo, ao longo dos próximos dez anos. Só assim continuaremos a contar com a boa vontade (liquidez) e expectativa positiva da China-Japão, Rússia, produtores de petróleo e Brasil.

De acordo com os números de Rich Mattione (“Et tu, Berlusconi? The daunting (but not always insuperable) arithmetic of sovereign debt”. By Rich Mattione — October 2011 © GMO LLC) a situação europeia, no que diz respeito às dívidas soberanas, é grosso modo esta:

País Dívida Pública
Alemanha2.062.000.000.000 (83% do PIB)
França1.591.000.000.000 (82% do PIB)
Reino Unido1.353.000.000.000 (80% do PIB)
Bélgica341.000.000.000 (96% do PIB)
PIIGS3.123.000.000.000
Portugal161.000.000.000 (93% do PIB)
Irlanda148.000.000.000 (95% do PIB)
Itália1.843.000.000.000 (118% do PIB)
Grécia329.000.000.000 (145% do PIB)
Espanha642.000.000.000 (61% do PIB)

Ou seja, como já aqui se escreveu repetidamente, as dívidas públicas da Alemanha e da França juntas superam a totalidade das dívidas soberanas do PIIGS (Itália incluída!) Mais: ao contrário da Espanha, cujo problema é sobretudo uma gigantesca dívida externa, resultante da sua monumental bolha imobiliária, raros são os países da União Europeia que respeitam o Pacto de Estabilidade e Crescimento em matéria de endividamento público, cujo limite é de 60% do PIB. Nenhum dos acima citados pode, de facto, atirar a primeira pedra. A próxima grande dor de cabeça que levou a Alemanha a despachar rapidamente o caso grego chama-se, obviamente, Itália!

O apoio dos países emergentes e produtores de petróleo à Europa resulta de uma nova compreensão estratégica do mundo actual. Os Estados Unidos não poderão continuar a gastar e consumir o que gastam e consomem, sobretudo tendo em conta que produzem cada vez menos coisas palpáveis, e a própria Europa terá que rever alguns aspectos insustentáveis do modelo de consumo e bem-estar social estabelecido numa época em que era sobretudo uma potência colonial, a demografia mundial era outra e o petróleo abundava. O mundo tornou-se muito mais pequeno, muito mais povoado, envelhecendo dramaticamente nos países mais industrializados, com um número crescente de recursos ameaçados ou mesmo em vias de extinção, e onde deixou, pura e simplesmente, de haver hegemonia militar. Em caso de guerra mundial, morreremos todos, ou quase todos!

Mais do que persistirmos numa lógica de conflitos e guerras assimétrica pelos recursos que deixaram de ser abundantes, e em muitos casos se extinguem a olho nu, parece mais evidente a cada dia que passa, que ou conseguimos desenvolver um modelo de crescimento zero criativo, justo e sustentável, ou espera-nos o abismo ao virar de cada esquina de cada crise financeira, de cada guerra, de cada desastre ambiental, ou de cada incidente climático extremo.

É fundamental substituirmos a lógica suicida do prisioneiro encurralado, por uma nova lógica de cooperação competitiva.

act. 28-10-2011 23:10

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