sábado, abril 20, 2013

Mário Soares morreu

Mário Soares, um 'animal político'

Ou antes, está politicamente morto!


“At about 11 a.m. ET on Thursday (April 18, 2013), our beloved business man Warren Buffett passed away. Warren Buffett was born on August 30, 1930 in Omaha. He will be missed but not forgotten. Please show your sympathy and condolences by commenting on and liking this page.”

A carne sofreu um grande abalo, os neurónios continuam finos e ágeis, o legado histórico é indiscutível, mas politicamente morreu no dia em que aventou a hipótese de um novo regicídio, desta vez, tendo a figura do presidente da república em funções como vítima.


Não, não é uma notícia falsa, como a da morte fictícia de Warren Buffet esta semana anunciada nas redes sociais, mas uma constatação sobre o ato final de um homem notável para quem o mundo se dividia entre ele e a sua família, e os outros. A família, cá dentro, foi sobretudo a dos socialistas que lhe foram sempre fieis, e lá fora, a social-democracia da Internacional Socialista e 'os americanos'.

Para Mário Soares, o que as pessoas pensam é irrelevante. Saber com quem andam, isso sim, é decisivo. Pois bem, a última batalha deste 'animal político' deu-se no terreno de uma tentativa desesperada de derrubar o atual governo de coligação por meio de um golpe de estado presidencial, alimentado por uma verdadeira frente populista suportada na sua maioria pelos devoristas e rendeiros do regime ameaçados pelos seus clamorosos erros, omissões, irresponsabilidade histórica e corrupção.

O regime democrático português está por um fio. Na realidade, encontra-se numa espécie de unidade de cuidados intensivos chamada Troika. A troika de credores desiludidos com um país que ultrapassou todas as marcas em matéria de endividamento —do estado, das empresas e das famílias— exigiu basicamente duas coisas: reduzir a despesa pública de forma estrutural, isto é, reformando e reduzindo o paquiderme estatal que temos, e atacar os rendeiros do regime, com especial ênfase nos monopólios que vivem de rendas excessivas e prejudicam gravemente o ambiente económico geral do país. Acontece que isto, na realidade, ameaça a nomenclatura que se apropriou do regime e explorou indecentemente o país e a sua população em nome da liberdade, em nome da justiça e em nome da democracia. Vemos agora que esta corja prefere, ao ver-se cercada pela verdade das ocorrências e dos números, renunciar a tudo menos aos privilégios indevidamente acumulados. Prefere até regressar a uma ditadura patriótica qualquer, se disso depender a manutenção do seu bem-estar.

Pois bem, foi neste contexto que Mário Soares decidiu convocar as suas tropas para deitar abaixo um governo democraticamente constituído, promovendo alianças até com o Diabo!

Foi neste contexto que Mário Soares decretou a intifada nacional-populista (1) contra Passos Coelho, juntando empresários, políticos de todas as cores, sindicalistas, o PCP e o Bloco, militares e padres, e chamando até de Paris o homem que há menos de dois anos conduzira Portugal à insolvência.

O regresso de Sócrates, precedido de uma tentativa de assalto à direção do PS, serviria, em suma, para reunir toda a escória cleptocrata do país em volta de uma crise cujo desfecho seria a demissão do governo e a formação de um governo de emergência nacional, patrocinado por Cavaco Silva, mas, na realidade, sob férreo comando do Bloco Central da Corrupção, e com apoio explícito das chefias militares. Seria, se tivesse triunfado o plano, um governo autoritário, embora mascarado de retórica demo-populista e patriótica. Da Europa contavam com a condescendência de quem acredita que qualquer peça do dominó europeu é capaz de ameaçar a Europa.

Eu posso estar a sonhar, mas é assim que vejo a crónica portuguesa de março e abril de 2013.

O que é que falhou nas previsões? Falhou a subestimação do 'inimigo' e o excesso de confiança no 'amigo' Portas. Nem Cavaco ousou demitir o governo, nem António José Seguro cedeu como se esperava que cedesse à tropa pretoriana de José Sócrates, nem Pedro Passos Coelho perdeu o Norte, nem Vítor Gaspar sucumbiu à pressão 'colossal' que sobre ele se abateu, nem, por fim, Paulo Portas teve coragem de romper com a coligação.

Mas mais, tanto José Manuel Durão Barroso, como Wolfgang Schäuble, estiveram particularmente ativos durante a crise. O poderoso ministro da economia alemão, assegurando todo o apoio a Vítor Gaspar, e Barroso, insinuando uma wild card que viria a mudar o curso desta infernal partida de Poker: Miguel Poiares Maduro.

Ao contrário do que foi sempre o comportamento do PS, o PSD acabava por despachar um cábula do governo, substituindo-o por uma personalidade cosmopolita, europeia e de irrepreensível competência académica e técnica. Mais: colocava no lugar anteriormente ocupado por um social-democrata laranja, outro social-democrata laranja, com a enorme vantagem de não ser mais um cu pelado da partidocracia local. Este joker permitiu ainda a Passos Coelho retirar o QREN do pingue-pongue entre Álvaro Santos Pereira e Vítor Gaspar, sem o entregar (oviamente!) ao CDS-PP, avocando este lombo orçamental à área íntima da presidência do conselho de ministros, sob critério do jovem ministro-adjunto do primeiro-ministro. Poiares Maduro é também ministro do desenvolvimento regional, outro campo de batalha a precisar de uma mente descomprometida com os Menezes e Searas desta aldeia lusitana. E se faltasse uma cereja em cima do bolo, ei-la: o homem apoiou a recandidatura presidencial de Cavaco Silva. Todos reparámos como o presidente reservou um tempo de antena especial para o novo ministro na cerimónia de posse.

A micro-remodelação governamental foi afinal, como já escrevi, uma grande remodelação.

Este desenlace inesperado do furúnculo político em que se transformara o regime acabaria por fazer abortar os planos de Mário Soares e as aspirações de Paulo Portas, da pior maneira para ambos. O governo reforçou-se, esvaziou a fuga em frente do PS, e permitiu a Passos Coelho passar à ofensiva apesar da extrema delicadeza da situação orçamental, económica e social do país. José Sócrates ou regressa a Paris ou emigra para a Póvoa de Varzim!

O futuro imediato é do PSD, e também de um CDS que terá que saber retirar rapidamente ilações da leviandade política que acometeu o líder Portas. Por sua vez, o Partido Socialista de António José Seguro, que o perspicaz Soares acaba de entronar oficialmente como líder, durante a comemoração dos 40 anos do partido que fundou, tem pela primeira vez o terreno livre à sua frente.

Como o regresso ao cenário PS-CDS falhou, como a hipótese desesperada de uma frente popular ridícula entre o PS e o Bloco, recentemente defendida pelo desanimado Soares (2), também não tem nenhuma hipótese de se configurar no futuro, quanto mais concretizar-se, resta ao PS começar a pensar rapidamente no que lhe falta para voltar a ser governo, sobretudo em caso de agravamento da crise política e de regime (que soma e segue), ou em caso de eleições antecipadas que poderão dar-lhe uma maioria, mas não absoluta. Se o Partido Socialista ganhar as próximas eleições legislativas, regulares ou antecipadas, com quem vai coligar-se? Esta é a pergunta de mil milhões de euros. E eu só tenho uma resposta: com o partido que ainda não existe!

Mário Soares foi uma peça decisiva na fundação da democracia que temos. Esta democracia está, porém, muito doente, em parte por causa de erros muito seus. Seria bom que não se dedicasse agora a estragar tudo o que fez bem.


POST SCRIPTUM (1 jun 2013) — Sobre 'A Opinião de José Sócrates' há, em primeiro lugar, que não subestimar este 'animal'. Para um observador político, o que diz ou deixa de dizer Marcelo Rebelo de Sousa é irrelevante quando à mesma hora podemos ouvir José Sócrates e o seu governo sombra em plenitude! Não por acaso a TVI antecipou em quase meia hora o programa do 'Je sais tout' Marcelo.

José Sócrates continua a marcar de perto a ação de António José Seguro, impondo fasquias a este último. Por outro lado, ataca com oportuna habilidade o governo e Cavaco Silva. O que lhe vai na cabeça e na cabeça do seu estado-maior ficará mais claro depois do congresso do PS. Ver-se-à então quem manda afinal no Partido Socialista. E ver-se-á também se Sócrates está a pensar apenas na presidência da república, ou se tem já em pleno funcionamento um governo sombra para o que der e vier.

COMENTÁRIO  — A mais recente iniciativa frente populista de Mário Soares, a grande convocatória da Aula Magna do passado dia 30 de maio (ver e ouvir aqui o discurso de António Sampaio da Nóvoa), fracassou, não com estrondo, mas morrendo simplesmente.

Não podemos esperar que aqueles que são os principais e reincidentes causadores da bancarrota do país possam remediá-la, ainda por cima, pretendendo induzir uma amnésia geral nas vítimas da tragédia em curso.

O governo que está é mau, sobretudo porque não se libertou ainda do Bloco Central da Corrupção, que continua a dominar o PM e várias e decisivas secretarias de estado. Mas o retorno da 'esquerda' corrupta e populista ao poder seria votar no nosso próprio suicídio coletivo.

Precisamos, isso sim, de trabalhar numa verdadeira refundação da democracia e das suas instituições, desde logo e a começar, pelos partidos e pelas organizações e grupos de pressão da sociedade civil.

Precisamos, desde já, de novos partidos políticos, e de reformar seriamente os antigos. As manifestações de indignados e os discursos dos reitores têm um alcance estratégico muito limitado.

Precisamos cada vez mais do Partido Democrata!

— Publicado na página do Partido Democrata no Facebook, em 1 de junho de 2013.

NOTAS



  1. O movimento 'Que se lixe a Troika' é o exemplo típico de uma oposição inorgânica nacional-populista à mudança. Mesmo diante do colapso evidente do país sob o peso insuportável de uma burocracia omnipresente que apenas defende os seus interesses corporativos, 'Que se lixe a Troika' aponta as suas baterias contra um fantasmático inimigo externo, como se a causa da nossa desgraça não fosse quase exclusivamente endógena.
  2. Já para não falar do quadrado Louçã, promotor envergonhado da putativa candidatura de José Pinóquio à presidência da república!
Última atualização: 2 junho 2013, 11:31

7 comentários:

Anónimo disse...

Olá, António. Grande texto, como é hábito. Não percebi, no entanto, a referência à Póvoa de Varzim (é assim que se escreve, a cidade não pertence ao clube de futebol). Pode esclarecer melhor ?

Miguel Andrade

António Maria disse...

É uma referência privada...

Unknown disse...

Olá António! Este artigo "delicioso" fez-me recordar comentários que o meu avô fazia há mais de 20 anos, e como ele percebia bem s esquemas do marocas...gostaria de ver em breves linhas como chegaste a esta conclusão.

JS disse...

É o óbvio. E, infelizmente, tanta gentinha tem medo de o aceitar.
Usar o termo "democracia" para descrever esta pseudo dita cuja, é que devia ser reconsiderado.

Américo C. Varatojo disse...

Excelente análise.
Alguém por estas bandas me sabe explicar porque razão os chefes de estado brasileiros quando vêm a Portugal de reúnem sempre primeiro com os dirigentes socialistas e grão mestre da corrupção Soares antes de se reunirem com o PR e PM de Portugal?

lidiasantos almeida sousa disse...

Essa do MAROCAS ser o Grão Mestre da MAÇONARIA FEZ-ME RIR. Isso é muito trabalhoso e burocrático para quem odeia a burocracia e gosta de agir pela própria cabeça. Pode ter muitos defeitos mas ainda está para nascer pessoa mais irreverente do que ele em todos os sentidos

Anónimo disse...

Já morreu tarde demais foi o maior traidor de portugal .