terça-feira, fevereiro 09, 2016

Geringonça ou coligação?

Templo (zen) do Pavilhão Dourado, Séc.XIV, Quioto, Japão (2005)

De um governo sem legitimidade plena, ao aborto orçamental, foi um passo


“Um país que se limita a discutir onde gastar os milhões que sobram depois de pagar juros equivalentes a 10% do total de despesa pública, e depois de cortar outros tantos exigidos por Bruxelas, será sempre um país amputado do seu poder de decisão. O campo das nossas escolhas é cada vez mais curto e, mais tarde ou mais cedo, chegaremos à conclusão que não tem espaço suficiente para a democracia.” 
Mariana Mortágua, “É preciso ter lata” Jornal de Notícias (09/02/2016) 

Não chega, Mariana. É preciso passar do oportunismo aos atos, ou seja, ao compromisso de uma coligação com o PS!

Kongo, um das empresas mais antigas do planeta morreu no Japão em 2006, ao fim de 1400 anos de vida. Em situação comatosa está hoje o mais antigo banco do mundo, o Monte dei Paschi di Siena. As notícias sobre o Deutsche Bank são preocupantes. O que une estas três ocorrências é simples de avinhar: dinheiro fácil, destruição da poupança privada, exposição a bolhas especulativas e sobre endividamento.

O que realmente conduziu ao colapso da monarquia portuguesa, e depois ao colapso da I República, foi a mesma causa eficiente, ou seja, a irresponsabilidade da casta dominante, corrupção pandémica e fora de controlo, bancarrota e perda da maioria dos graus de liberdade que consubstanciam a soberania. Portugal encontra-se outra vez a um passo de perder a sua autonomia política. Por culpa dos outros? Por culpa de Bruxelas, da Alemanha, dos bancos ou das agências de notação financeira que contratámos? Não. Nós é que deixámos, uma vez mais, que o poder fosse apropriado por uma nomenclatura indigente, inculta e criminosa.

Expresso — Há mais aposentações, não vão entrar pessoas... 
Mário Centeno — Vamos usar a capacidade analítica que nos dá termos estudado muitos anos dados muito individualizados. Vamos analisar a utilização de recursos humanos na Função Pública. Não há ainda hoje um recenseamento da Administração Pública. Não sei, como ministro das Finanças, qual é o recenseamento de funcionários públicos.
E — Há muito tempo que não se sabe. 
MC — Desde 2005! Veja bem. Há 10 anos que não se sabe. Não é possível fazer a gestão de recursos humanos se não houver esse instrumento. 
[...] 
E — Fala de uma taxa de crescimento de emprego de 0,8%, quantos postos de trabalho é que vocês calcular criar? 
MC — Não sei esse número. 
[...] 
E — Sobre a questão das 35 horas... 
MC — Quando conseguirmos garantir do ponto de vista do Governo que esta medida se pode começar a aplicar, tendo garantias de não aumento da despesa. 
E — Ainda este ano? 
MC — Não lhe posso responder.

Sublinhei a tempo e horas que a geringonça nos levaria para uma austeridade de esquerda, versão cor de rosa vermelha da austeridade de Passos Coelho—a qual, e ao contrário do que a Troika reiteradamente defendeu, protegeu os rendeiros do regime, castigando para lá do tolerável quem se viu forçado a fugir do país. E denunciei também o exercício orçamental de Mário Centeno como sendo um embuste. O resultado da farsa partidária e jornalística que se seguiu, pontificada pelo imprestável Costa e pelo cínico Santos Silva, foi termos hoje em cima da mesa um aborto orçamental.

O ponto em que estamos não deixa muitas alternativas à geringonça.

A posição das muletas do PS de António Costa é insustentável. Ou avançam para um governo de coligação, assumindo, como é seu dever, as responsabilidades pelo que têm cozinhado no Soviete Supremo de São Bento e na Intersindical, ou serão vistos como oportunistas indignos de uma nova rodada de bonança eleitoral.

A crise bancária indígena soma e segue no vermelho. A desorientação governamental, nomeadamente no cada vez mais sórdido tema da TAP, ou no modo cobarde como o primeiro ministro desautorizou o seu ministro das finanças, são sintomas de uma gangrena que já começou a proliferar nos tecidos desconexos da geringonça.

É por isto que a sobrevivência depende agora, criticamente, da assunção de responsabilidades por parte de quem assinou as posições comuns que levaram, pela primeira vez na nossa ordem constitucional e tradição institucional, à formação de um governo minoritário liderado pelo partido que perdeu as eleições.

A única forma de remediar esta originalidade a que falta legitimidade democrática plena, e que tarde ou cedo sucumbirá, é transformar a geringonça num governo de maioria entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda.

Bloco e PCP não podem mais esconder-se atrás do PS, nem António Costa poderá continuar a proferir alegremente disparates à esquerda e à direita.

Ou estes partidos abandonam a infantilidade de que têm dado provas, ou será o novo presidente da república a ter o ónus de suturar uma ferida onde o pus se acumula a cada dia que passa.

Atualização: 9/2/2016 11:39 WET

1 comentário:

simon disse...

A direita radical, ressabiada, dita também geringonça, não descansa, excitada de tremores, depois que o povo deitou borda fora a encomenda de jeitos de um bando de ladrões, como se vem vendo aos poucos. E mais não só porque o esquema favorece a desinformação e a roubalheira ...
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