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quinta-feira, novembro 07, 2024

Escreve Trump direito por linhas tortas?

Credit: Reuters (cropped)

O que preferimos ignorar por demasiado tempo, ou seja, a postura hesitante e titubeante de Biden na política internacional foi também um fator importante da derrota de Kamala Harris. 

A saída desastrosa dos Americanos do Afeganistão foi, assim, um mau prenúncio. 

Mas há mais fatores que levaram a maioria dos eleitores a votar num narcisista condenado. Por exemplo, a abertura das fronteiras a uma nova vaga de imigração em massa para um país onde as ruas de dezenas de cidades estão povoadas de tendas e automóveis onde vive gente despejada ou sem rendimentos para alugar sequer um quarto. O emprego criado e propalado como uma vitória da governação democrática é precário e mal pago, tal como na Europa, e o crescimento económico foi assimétrico. O fosso entre os muito muito muito ricos e os pobres é cada vez mais escandaloso. A gloriosa classe média americana tem vindo a ser desfeita, nomeadamente por efeito da globalização neoliberal. Neste caso, o adjetivo 'neoliberal' parece-me bem aplicado. Ironicamente, a possível correção desta desigualdade que se tornou gritante exige, por assim dizer, uma desglobalização agressiva, a qual, por sua vez, foi iniciada por Donald Trump, e tudo leva a crer que os próximos quatros anos irão tornar mais clara esta espécie de correção da divisão internacional do trabalho. Daí a China ser a grande prioridade do dito novo isolacionismo americano (o conceito é errado, mas serve para sabermos do que estamos a falar). A Alemanha, que não se preparou a tempo para a reversão da deslocalização da sua indústria para a China, está a pagar caro os seus erros de avaliação e o seu raciocínio coletivo proverbialmente quadrado. A coligação alemã colapsou ainda antes de serem conhecidos os resultados definitivos das eleições americanas!

O colapso do centro democrático é um facto na Europa, como nos Estados Unidos. Um facto preocupante, mas não creio que possa ser comparado com a década de 30 do século passado. Não vejo no horizonte uma reedição do fascismo europeu, ou de um novo McCarthy na América, mas sim uma transição dramática mundial dos paradigmas geoestratégicos, económicos e culturais ainda dominantes. Quando o desesperado Putin tenta esconder-se atrás de um muro de BRICS, em nome da resposta a dar à nova fase do Excecionalismo americano, o que fica à vista de todos é mesmo a fraqueza do chamado Eixo do Mal, isto é, da aliança dos grandes regimes despóticos e teocráticos que todavia reinam na Rússia, China e Irão, na sua tentativa de atrair para o seu campo países intermédios do Terceiro Mundo, agora rebatizados como Sul Global. Quanto mais corda dermos aos desesperados Putin, Xi e ayatollahs iranianos, mais doloroso será o restabelecimento da paz mundial, a qual será ainda uma Pax Americana, assente, uma vez mais, no controlo de todos mares: Atlântico, Pacífico, Índico e Árctico.

A prioridade de Donald Trump é, portanto, travar a China e o Irão, o que depois da invasão russa da Ucrânia, significa também calar Vladimir Putin e reduzir a Rússia à sua expressão mais simples, talvez ajudando a China a ocupar uma parte da Sibéria.

Os europeus vão ter que acordar! 

O chapéu de chuva americano não desaparecerá, mas será muito mais exigente. Países como Portugal, por exemplo, vão ter que investir a sério na sua defesa militar, como parte do esforço armamentista urgente de que a Europa necessita, para acabar com os devaneios de Vladimir Putin, em vez de continuar a permitir o bacanal da corrupção e populismo que colocou o país na mão dos credores. Serão estes, aliás, que irão forçar a próxima vaga de austeridade e alteração das prioridades da indecorosa classe política que medrou no país nos últimos 50 anos, e das avestruzes, também. Comprar armas nos mercados americano e europeu irá representar uma modificação necessária das prioridades orçamentais do país. Em vez de continuarmos a arruinar o país nos buracos negros da TAP e da ferrovia, que tal produzir armas, munições e sistemas de auxilio à guerra? Que tal apostar nas conservas, nos têxteis e calçado técnicos; na Inteligência Artificial; na medicina reconstrutiva e na reabilitação dos estropiados da guerra tendo em vista não só a guerra na Ucrânia, mas também e sobretudo a necessidade de desenvolver uma força de dissuasão europeia integrada e homogénea?

E da moral, por fim, diremos: nos Estados Unidos, tal como em Portugal, ou Bruxelas, importa mais o que um político pensa e é capaz de fazer do que os seus problemas com a Justiça.

sábado, janeiro 22, 2022

A súbita impossibilidade da Geringonça

A Russian tank T-72B3 fires as troops take part in drills at the Kadamovskiy firing range
in the Rostov region in southern Russia, on Jan. 12, 2022. (AP Photo)

Uma nova guerra mundial na Europa?

O que é que Joe Biden, Nancy Pelosi, Kamala Harris, Alexandria Octavio-Cortez, Olaf Scholz, Annalena Baerbock, Marie-Agnes Strack-Zimmermann e Justin Trudeau têm em comum? A resposta é simples: são todos democratas, verdes e liberais progressistas. Por outro lado, estão todos dispostos a antecipar uma guerra contra a Rússia, por causa da Ucrânia ou doutro motivo qualquer,  mas também contra a China, ou seja, a defenderem a predominância do imperialismo atlântico e europeu sobre o despotismo russo e chinês antes que seja tarde! Se não é isto, assim parece.

Este realinhamento de forças e de retórica progressista envolve também os dirigentes conservador inglês Boris Johson e liberal de centro-direita Scott Morrison. Ou seja, uma coligação de ideias e de forças onde não cabe, de jeito nenhum, a geringonça engendrada pelos senhores Jerónimo de Sousa, António Costa e Francisco Louçã. Estes últimos pintaram o demónio Trump de todas as cores, mas afinal quem os lixou mesmo foram os belicistas do Partido Democrático dos Estados Unidos, os social-democratas, os verdes e os liberais alemães, e ainda os conservadores ingleses e o partido de centro-direita australiano.

Se as causas internas da implosão da Geringonça (sobre-endividamento, emigração em massa, descapitalização do estado e das empresas, alienação das empresas estratégicas, nomeadamente nos setores da energia, banca, portos e aeroportos, águas e saneamento, corrupção, e ainda o esgotamento das máfias partidáris que controlam o país há quarenta anos) são já de si suficientes para assustar quem quer que pretenda herdar tamanha falência desordenada, a rápida deterioração da globalização e da diplomacia mundial, na sequência da crise provocada, primeiro, pelo furacão Trump, e logo depois, pela pandemia, e que levou a uma recomposição de velhas alianças históricas, impõe claramente uma mudança de regime no nosso país. Quer dizer, o fim de uma esquerda toda poderosa mas incapaz, perdida no tempo e na taxonomia, em suma, que nunca percebeu a importância crucial da geografia e da história na condução da Política.

António Costa bem gostaria de fazer a pedratura do círculo, mas tal geometria é, por definição, impossível. Poderá, no entanto, como um qualquer náufrago agarrar-se à primeira tábua de salvação que encontre. Se perder as eleições do dia 30 terá a mesma saída de muitos outros políticos da nossa praça: a de comentador de televisão, provavelmente mal pago. Se ganhar as eleições, mas sem maioria, Rui Rio e a IL serão as suas únicas possíveis bóias para conseguir manter o PS no governo. Uma nova geringonça de esquerda, isto é, frente populista, está fora do horizonte e sobretudo das margens de tolerância de Joe Biden, de Olaf Scholz e da NATO. Capiche?