quinta-feira, janeiro 25, 2007

Governo PS 1

Sinais confusos

India. Intocaveis
Intocáveis na India. Foto de William Albert Allard.

Quando ouvi Cavaco Silva contrapor a democracia indiana ao regime chinês, numa entrevista transmitida durante a sua visita, sem grandes resultados, àquele país ameaçado pela hipertorfia demográfica e desenvolvimentista, onde 130 milhões dos seus habitantes pertencem a uma considerada espécie de sub-humanos conhecida por intocáveis (dalit), fiquei estarrecido. Deseja o nosso presidente eleito tal sorte aos pobres, desempregados e desprotegidos de Portugal? No Dubai e em geral nos reinos petro-árabes, onde as imbecis e autoritárias elites não bulem uma palha, quem realiza as tarefas mais duras, praticamente sem remuneração, são precisamente milhares de intocáveis indianos para lá exportados a troco de petróleo, como verdadeiros contingentes de escravos submissos. É isso que Cavaco Silva deseja para nós? Não creio. No entanto, o seu deslumbramento perante uma democracia tão bizarra deixa-me apreensivo. Por outro lado, a comparação deslocada que fez com a China, não tendo sido uma distracção (pois o homem não é dado a lapsos) só pode ser lida como um verdadeiro Scud lançado contra a programada viagem de José Sócrates à China. Foi isso que pensei quando ouvi tal barbaridade diplomática, e o tempo, como se sabe, veio dar razão às minhas suspeições sobre a eficácia sibilina da informal declaração presidencial. O teimoso Sócrates, já disse que vai a Pequim. Mas para ser recebido por quem? Pelo alcaide de Xangai? Pelo chefe de gabinete de Jiang Zemin? Pelo porteiro da Cidade Proibida? Serve qualquer um?! Ou muito me engano, ou a lua de mel entre a presidência e o governo está a chegar ao fim. O Presidente sabe coisas que eu não sei...

O desempenho do governo Sócrates está, de facto, a exaurir rapidamente o capital de confiança obtido nas eleições legislativas. As sondagens, sobretudo as da Eurosondagem, não são de fiar, ou dito de outro modo, são irrelevantes para a energia subterrânea que, de um momento para o outro, pode lançar José Sócrates numa ladeira descendente sem fim. Os factores decisivos são, naturalmente, os resultados efectivos da governação, e não os efeitos pirotécnicos e mediáticos da catadupa de power points de mau gosto com que somos quinzenalmente brindados.

Soube-se, por exemplo, que a famosa descida do desemprego em 2006 não é real, mas uma cortina estatística que esconde o facto de 120 mil portugueses (muitos deles com qualificações e qualidades comprovadas) terem saído do país, ou para construir casas, viadutos e estradas na Galiza, Astúrias ou País Basco, ou para ajudar a projectá-los, em Barcelona ou Madrid. Soube-se, por exemplo, que as despesas do Estado, apesar de toda a retórica, continuaram a subir mais do que o crescimento do país (2,1% contra 1,2%). Soube-se que a corrupção está a atingir níveis de verdadeira pandemia incontrolável e que a maioria socialista exibiu uma escandalosa incomodidade com a iniciativa, discutível, mas bem intencionada e sobretudo corrigível, de um dos seus mais destacados pares, o deputado e antigo ministro João Cravinho.

Entretanto, não se vislumbra qual é a verdadeira estratégia da actual maioria absoluta, quando, por exemplo, se dedica a destruir as zonas de paisagem protegida mais valiosas do país (caso da Costa Vicentina) com projectos imobiliários e turísticos imbecis, ou insiste em levar teimosamente por diante a construção de um novo aeroporto num banco de nevoeiro constante e em cima de três rios (Ota), ou uma linha ferroviária de Alta Velocidade entre Lisboa e Porto que no máximo ganhará 40mn à duração possível do actual Alfa Pendular.

No momento em que as companhias de voos de baixo custo ameaçam a própria sobrevivência da TAP, oferecendo serviços mais interessantes e dispensando radicalmente qualquer hipótese de virem a pagar as altas taxas aeroportuárias do putativo Novo Aeroporto Internacional da Ota, o primeiro ministro deixa-se levar pelo canto das sereias do betão e da especulação imobiliária, sem atender aos enormes prejuízos que irá gerar para as gerações futuras.

No momento em que a Europa deu sinais claros sobre a necessidade de rever a filosofia da Alta Velocidade ferroviária, propondo em alternativa o redireccionamento das prioridades de investimento para as redes ferroviárias de proximidade urbana e suburbana (num esforço de diminuição do uso do automóvel privado), a teimosia da actual maioria insiste em promover um serviço que ninguém pediu, que não é necessário, que irá prejudicar povoações sucessivas, populações inteiras e actividades económicas num imenso corredor (espaço canal) com mais de 300 Km de comprimento por 210 metros de largura, e que custará no mínimo, a preços actuais, 80 euros em cada viagem de ida-e-volta, enquanto o Alfa Pendular custa agora 39 a 45 euros. Dada a irracionalidade do desafio, só o podemos compreender à luz de uma irresistibilidade económico-financeira obscura, ou então, o que seria sinal de pura estupidez, à luz da simples inércia programática do PS e do seu programa de governo.

No entanto, no meio de tanta decepção, que a não ser compensada, levará este governo para o mesmo atoleiro despesista e irresponsável que afundou o gabinete de António Guterres, eis que Sócrates acaba de tirar um coelho da cartola, chamado Alterações Climáticas, como que para nos distrair do fiasco chinês, da atrapalhação com os voos da CIA, das dificuldades de implementar um programa eficaz contra a corrupção, da vergonha de termos voltado a ser um país agarrado à emigração, dos fins inconfessáveis da Ota, do TGV ou da Costa Vicentina, e sobretudo para nos fazer esquecer a fissura aberta entre Belém e São Bento por causa das já famosas e ridículas expedições asiáticas. Quem diria!

Não fora ter ouvido em directo, no irresistível canal inglês da Al Jazeera, George W. Bush a perorar sobre o mesmo tema no seu discurso à nação americana, e teria ficado radiante com o anúncio de Sócrates. Pensaria que o Grande Estuário, proposto em 2005, estaria a levar a água ao seu moinho, que o envio do Plano B 2.0, de Lester R. Brown, aos políticos deste país, pelo alcaide de Trancoso, produzira o seu efeito, que o Páginas Soltas (onde estive) levara a carta a Garcia, que o Relatório Stern, encomendado por Blair, adiantara alguma coisa, em suma, que o mesmo governo que quer rebentar com a Costa Vicentina se convertera, afinal, à ecologia! Uma hipótese mais cínica, porém, diz-me que o decisivo em mais este movimento do catavento governamental foi outra coisa: apanhar o comboio de Al Gore durante a sua próxima visita a Lisboa, no dia 8 de Fevereiro.

Em 2010, 45% de toda a electricidade consumida terá por base energia renovável? Sim, disse Sócrates.
Em 2010, 10% do total de combustível gasto nos transportes deverá ser biocombustível? Sim, disse Sócrates. Vamos reforçar a capacidade de produção das nossas barragens? Sim, disse Sócrates. A central eléctrica do Carregado vai encerrar? Sim, disse Sócrates. A microgeração vai ser uma realidade? Sim, disse Sócrates. Vai descer o IVA das lâmpadas e dos electrodomésticos eficientes? Não, vai subir o imposto dos apetrechos não eficientes, disse Sócrates!

Vale a pena ler este novo rosário de Sócrates. É um bom compromisso e pode ser o esperado salto mortal por cima das estratégias essencialmente negativas que marcaram a primeira metade do actual mandato democrático. Enquanto há dívida há esperança!

Mas uma coisa é certa, se for para levar a sério, não é compatível com as enormidades da Ota e do AV Lisboa-Porto. Alguém que descalce a bota ao homem quanto antes!



Mário Lino anunciou hoje (26/01/07) a intenção de levar por diante a privatização da ANA como prémio suplementar destinado a quem quiser construir o Novo Aeroporto da Ota, renunciando assim a uma empresa estratégica que sempre deu e continuará a dar lucro ao Estado. Este dois-em-um servirá apenas, se for por diante, para destruir um dos principais factores de riqueza de Lisboa (a Portela), criar mais um elefante branco inútil que sucessivas gerações de portugueses terão que pagar (como agora estão a pagar os estádios de futebol, as SCUDs e outras virgarias), afundar a TAP e encher os bolsos do sindicato bancário que naturalmente já saliva com a perspectiva de tão apetitoso negócio. Depois, um dia, com a Ota de pantanas e o défice público completamente incontrolável, outro governo qualquer do bloco central anunciará que o melhor mesmo será vender o "monstro" despesista aos espanhois. A isto chama-se corrupção política e burla democrática. Quem votou no PS esperava mais honestidade e mais inteligência.
Sócrates, não digas depois que não foste avisado!

OAM #165 25 JAN 2007

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Aeroportos 15

NÃO À OTA!
NÃO À ALTA VELOCIDADE FERROVIÁRIA ENTRE LISBOA E PORTO!


Senhor Primeiro Ministro,

Suspenda em nome da razão e do interesse de Portugal as decisões de avançar com os projectos Novo Aeroporto da Ota e Combóio de Alta Velocidade Lisboa-Porto.

Estes projectos são desnecessários, sem fundamento técnico efectivo, faraónicos na intenção, sem viabilidade económica no quadro da actual evolução da lógica comercial do transporte aéreo e ferroviário de passageiros, caríssimos caso se concretizem, uma sobrecarga interminável à pesada dívida do Estado, socialmente imprudentes, contra a lógica natural do desenvolvimento das regiões de Lisboa e Porto e um fardo pesadíssimo para as futuras gerações de portugueses.

Ao contrário da documentação governamental até agora apresentada, insuficiente, contraditória, ilusória, enganadora e expedita, existe abundante documentação das mais diversas proveniências (especialistas de transportes, economistas, associações cívicas, entidades financeiras e partidos políticos) que provam a justeza do NÃO a estas duas aventuras, que não pedimos, e que rejeitamos veementemente.

O País precisa de desenvolvimento efectivo e não de irrealismo. Já bem bastam os desastres da renovação da linha férrea do Norte, dos estádios do Euro 2004 e das SCUD! Já é tempo de os políticos serem responsabilizados concretamente pelas suas asneiras.

O País precisa de um desenvolvimento ajustado à sua dimensão territorial, económica e humana, e não de mimetismos estratégicos, nem da submissão a lóbis nacionais e internacionais que, no caso vertente, procuram apenas vender betão e tecnologia duvidosa:

-- o futuro da mobilidade ferroviária europeia não passará pela Alta Velocidade, mas sim pelo reforço das redes de proximidade urbana e suburbana;

-- a nova filosofia do transporte aéreo de passageiros de curto e médio alcance dispensa infraestruturas de grande porte e dispendiosas, obrigando, por outro lado, à reformulação radical dos actuais oligopólios estatais e à rápida metamorfose das suas "companhias de bandeira".

O País precisa de elevar os seu níveis educativo e de qualificação profissional, de segurança social e de competitividade. Precisa de menos impostos, de menos Estado, de justiça competente e célere e de menos burocracia.

O País precisa de reduzir os actuais e escandalosos índices de emigração e de estagnação demográfica.

O País precisa de se preparar seriamente para um futuro menos corrupto, menos dispendioso, menos consumófilo, mais eficiente energeticamente e mais sustentável. É para isto que o grosso dos últimos fundos comunitários deveria ser dirigido. E não para alimentar a voraz clientela dos interesses.

O futuro já é conhecido: emergência climática, emergência energética e emergência social.

Os perigos mais imediatos, decorrentes destas emergências prolongadas, também:

-- possibilidade de um conflito nuclear à escala global e consequências catastróficas cada vez mais insistentes, gigantescas e incontroláveis das alterações climáticas em curso (em grande medida, por causa de uma lógica de crescimento suicida).

A mitigação dos factores que convergem para estes dois perigos exigirá de todos nós esforços inimagináveis. A pior das decisões seria desperdiçar a ajuda que receberemos da União Europeia em projectos desenhados para satisfazer inaceitáveis vaidades pessoais ou interesses inconfessáveis.


Notas:
25/01/07. A resposta a esta carta-aberta enviada a 24 de Janeiro foi nenhuma. Ou melhor, foi a resolução do Conselho de Ministros de hoje: vender a Ota e a ANA num pacote dois-em-um!

De facto, segundo o Jornal de Negócios (25/01/07) o Conselho de Ministros aprovou hoje a resolução que determina que a privatização da ANA e a construção do aeroporto da Ota serão efectuadas através de uma operação "única que conjugue aquelas duas componentes". Jornal de Negócios.

O governo continua a não ouvir a voz da razão nesta matéria. Agora pretende vender a Ota e a ANA num bundle mais atractivo aos passarões do betão e da especulação imobiliária, esquecendo duas coisas: que os terrenos da Portela são de Lisboa, e não da ANA, nem do Estado/Governo, e que o sector imobiliário vai afocinhar estrondosamente já em 2007-2008. Os lisboetas que se preparem para impedir esta prepotência e esta calinada governamental. Sob pena de verem a sua vida colectiva a andar para trás muito depressa!

Por outro lado, parece que o Sr. Sócrates, ou o melhor, o Sr. Pedro Silva Pereira e o verborreico ministro das obras pouco públicas, estão mesmo decididos a afundarem o país. Tenhamos esperança... Pode suceder que outro Scud da Presidência, no momento certo, tenha, nesta matéria, o mesmo efeito letal que a observação de Cavaco Silva sobre a democracia indiana teve sobre o desfecho da viagem de Sócrates à China!
-- OAM

Última Hora!

OAM #164 24 JAN 2007

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Aeroportos 14

Low Cost para o Montijo, já!

Ryanair. Reus. tarragona
Nova base da Ryanair será no aeroporto de Reus, perto de Tarragona.
Qualquer pista com 2500m e um barracão servem para uma lucrativa base Low Cost.


Foi Teodora Cardoso, musa inspiradora da política macro-económica de José Sócrates, quem afirmou que a Ota seria um meio de conseguir maior competitividade para Lisboa e para o país, nomeadamente através de uma maior integração económica mundial e de um desejável aumento dos fluxos turísticos de e para o nosso país.

Julgo que o seu raciocínio tinha como base de partida a hipótese de não ser possível expandir o movimento de entrada de passageiros/euros/divisas com o aeroporto que temos na Portela. Por outro lado, aflige-a a ideia de ter um grande aeroporto dentro de uma cidade. Finalmente, disse algo decisivo: é o sector privado quem tem que avaliar o interesse económico de uma decisão desta envergadura, pois não será o Estado a suportá-la.

Vamos, pois, responder a estes três argumentos:

1) Os dados estatísticos de 2006, no que se refere ao aumento de trânsito de passageiros nos aeroportos da Portela e de Sá Carneiro, atestam duas coisas: que nenhum dos aeroportos está perto de esgotar a sua capacidade de processamento de pessoas e mercadorias (basta ver os seus índices de pontualidade) e que o aumento extraordinário dos movimentos nos dois aeroportos principais do país teve origem, não em qualquer investimento da nossa parte, mas sim num fenómeno novo, absolutamente típico da globalização em curso, chamado Low Cost. Prevendo-se que a maturação deste novo negócio global, em grande medida resultado do desmantelamento dos oligopólios estatais europeus no sector dos transportes aéreos, ocorra por volta de 2012, pois é para esta data que apontam os planos de expansão dos principais operadores no mercado (Ryanair, Easy Jet, Air Berlim, Vueling, Click Air, flyMonarch, bmi baby, TUI AG hlx), o que sim é de prever, é a progressiva perda de quotas de mercado por parte das transportadoras convencionais, sobretudo aquelas que (como a TAP) não souberam preparar-se para a mudança rápida em curso.

Até 2012, ou até 2017, as Low Cost europeias passarão da actual (2006) quota de mercado de 30% para algo que se pode aproximar facilmente dos 50% a 60%, deixando pelo caminho das falências e fusões boa parte das chamadas companhias de bandeira. Muitos dos disputados slots ocupados pelos oligopólios actuais transitarão para as novas empresas de transporte multi-serviços (de que a Easy Jet e TUI AG hlx são verdadeiros paradigmas de futuro). Como, por outro lado, os voos baratos são pouco exigentes em matéria de horários, conforto e diferenciação social, o intervalo temporal de uso útil dos aeroportos tenderá a ampliar-se de forma significativa, diminuindo também por esta via a pressão sobre os famigerados slots. Finalmente, o novo conceito de aerotransporte tem uma grande capacidade de adaptação logística, dispensando o uso exclusivo das grandes e caras infra-estruturas aeroportuárias. Basta pensar na rapidez com que as Low Cost têm vindo a recuperar pequenos aeródromos por essa Europa fora para aí instalarem algumas das suas mais lucrativas bases de operações: Schoenefeld, Beauvais, Hahn, Pamplona, Reus...

No caso de Lisboa, dado que as obras de ampliação operacional da Portela estão demasiado atrasadas face ao ritmo de expansão das Low Cost, a melhor resposta a dar ao actual desafio (perder ou não para Espanha boa parte das novas bases que as companhias de baixo custo precisarão de assegurar no território peninsular já em 2008, 2009,... 2012) passa obviamente por disponibilizar imediatamente as bases aéreas do Montijo e de Évora para este efeito, reforçando ao mesmo tempo o potencial de atractividade da Portela e do aeroporto Sá Carneiro. Feito isto, que é simples, barato e com enorme potencial económico, como se viu na repercussão das Low Cost no turismo lisboeta ao longo de 2006 (mais dormidas do que no caríssimo ano do Euro 2004!), então teremos tempo para pensar seriamente num futuro hub intercontinental, lá para 2030, se for caso disso, e o preço do petróleo não tiver entretanto alterado radicalmente os dados do problema à escala mundial.

2) O problema dos aeroportos dentro das cidades é um falso problema, muito difundido por João Cravinho (1), um ex-ministro socialista que, em matéria de transportes, foi manifestamente infeliz nas apostas que fez. Em primeiro lugar, todos os aeroportos construídos a 15-25 Km dos grandes centros urbanos acabam por ser engolidos rapidamente pela expansão urbana e suburbana (dos centros citadinos em direcção aos aeroportos e dos aeroportos em direcção aos centros citadinos!) Em segundo lugar, devido à evolução tecnológica das aeronaves (menos ruidosas, mais seguras e menos poluentes), tem vindo a ganhar terreno a ideia de que as cidades competitivas do futuro tenderão a desenvolver-se em volta de grandes atractores multimodais de transporte e mobilidade, pelo que a localização estratégica, quer da Lisboa-Portela-Figo Maduro/ Lisboa-Montijo/ Lisboa-Tires, quer do aeroporto Sá Carneiro, pode ser vista como uma vantagem e não como uma desvantagem.

3) Se qualquer futura infraestrura aeroportuária internacional, seja ela qual for, tem que ser encarada pelo Estado como um projecto financeiro puro e duro, como diz Teodora Cardoso, e avaliada na sua oportunidade por critérios de oportunidade estratégica e interesse económico, então deve ficar claro que o Estado não imputará à divida pública nenhum dos custos inerentes a projectos desta natureza e envergadura, para lá do que é razoável em matéria de acessibilidades locais. Não caberia pois, ao Estado, construir vias rodoviárias ou ferroviárias dedicadas entre, por exemplo, a Ota e Lisboa, para servir um projecto empresarial privado. Não deveria o Estado encerrar ou impedir o uso das infraestruturas da Portela-Figo Maduro, ou do Montijo, para outros projectos empresariais privados no domínio do multi-serviço aeroportuário e de transporte aéreo. Não poderia o Estado, em suma, operar como um pseudo regulador de mercado, politicamente comprometido com uma das partes. Não é verdade?

Esperemos que a teoria da “flexi segurança”, anunciada por Cavaco Silva na competitiva India, seja usada neste caso, sobretudo agora que um novo epifenómeno da globalização (as companhias de voos baratos) veio provar que a competitividade económica de Lisboa e do Porto dependem menos dos sonhos sebastiânicos do Sr. Mário Lino, do que da resolução de um problema bicudo chamado TAP, da entrada imediata das Low Cost no nosso país e de uma decisão acertada e atempada de Sócrates sobre o assunto. Os fundos de investimento imobiliário que esperem!



Notas

# A teimosia lunática de João Cravinho

16/01/07. No Frente a Frente da SIC Notícias, João Cravinho, que entretanto decidiu encaixar o pontapé promocional da actual maioria PS, indo em breve para Londres, não contente com as suas responsabilidades no descalabro da modernização da linha férrea do Norte e no beco sem saída das SCUDs, insiste na bondade dos projectos da Ota e do TGV Lisboa-Porto.

Nenhum destes dois projectos fazem qualquer sentido à luz do que hoje sabemos.

AV Lisboa-Porto: um combóio de Alta Velocidade entre Lisboa e Porto nunca será rentável e nunca ligará as duas cidades em menos de 1h50mn, quando o actual Alfa Pendular pode cobrir a mesmíssima distância em 2h30mn assim que o deixem e assim que terminem as obras que ainda restam para a correcção da linha (troços Lisboa-Azambuja e Aveiro-Gaia). Quem estará disposto a pagar mais 50 ou 60 euros numa ida-e-volta entre estas duas cidades, para ganhar apenas 40 mn em cada um dos trajectos? Quantas pessoas estarão dispostas a gastar diariamente nunca menos de 80 euros para comutar entre Lisboa e Porto? Creio mesmo que só altos funcionários e políticos com bilhetes pagos pelo Estado! Com menos de 6 milhões de passageiros/ano nenhuma linha de Alta Velocidade é rentável. Ora nunca teremos nada parecido com este número na anunciada ligação AV entre as duas principais cidades do país. De facto, apenas a ligação Lisboa-Madrid tem alguma possibilidade de se tornar rentável no médio-longo prazo.

Devemos, além do mais, olhar atentamente para o ruinoso exemplo francês antes de nos afligirmos com o ambicioso plano espanhol.

Pourquoi le TGV roule sur la paupérisation de la France. - Michel de Poncins. Octobre 2006.

La SNCF fête les 25 ans du TGV. Au risque de surprendre, nous sommes obligés d'écrire que c'est un triste anniversaire. Il n'est pas question, certes, de discuter le plaisir de prendre ces trains, mais ils jouent un rôle majeur dans la ruine de la SNCF et par conséquent la paupérisation de la France tout entière. Cela n'empêche pas la presse de prétendre que le TGV nous est « envié par le monde entier » et d'ajouter d'une façon mensongère qu'il est source de profits pour la SNCF.

A Companhia Portuguesa de Caminhos de Ferro tem uma das maiores dívidas de longo prazo acumulada pela incompetência e corrupção do Estado português, cujo pagamento com juros recai sobre todos nós, nomeadamente sob a forma da má qualidade dos serviços prestados e dos impostos altíssimos que pagamos. Poderá alguém imaginar o que significaria agravar tal dívida com uma linha de Alta Velocidade desnecessária, inútil, sub-utilizada e exponencialmente ruinosa para o futuro do transporte ferroviário português? Uma loucura!

Ota: este projecto é completamente obtuso e só pode ter saído da cabeça de algum galeguista empedernido, o qual, sem o saber, acaba por vender ao Terreiro do Paço o passaporte para um esvaziamento do verdadeiro potencial da Região Norte no actual quadro de globalização da economia. Do que precisamos é de ver aumentar substancialmente o tráfego aéreo de passageiros de e para Portugal. Pois bem, isso está a acontecer, de forma surpreendente, desde que as Low Cost estenderam as suas bases à Península Ibérica -- sem custos, de facto, para o utilizador!

Em vez de um aeroporto acanhado e perigoso na Ota, vocacionado para boicotar as bases aéreas de Lisboa e do Porto, criando um elefante branco de desperdício, irresponsabilidade política e corrupção, do que precisamos é de multiplicar rapidamente as bases disponíveis para a operação das companhias de voos de baixo custo. E isto faz-se reformando a Portela e Pedras Rubras, desmilitarizando a Base Aérea do Montijo, ou de Sintra, ou avançando mesmo para Évora!

O Senhor Cravinho é um lunático quando fala do crescimento do nosso país. Pelos vistos, desconhece que em 2050 apenas acrescentaremos 280 mil habitantes à nossa população actual de cerca de 10,5 M de pessoas, e que, por outro lado, se a imbecilidade e a irresponsabilidade continuarem a prevalecer, a emigração massiva voltará a ser a triste marca distintiva de um país corrupto e sem elites dignas deste nome. No ano passado saíram de Portugal mais de 120 mil pessoas! Destas, cerca de 80-90 mil continuam a viver no nosso país, mas vão trabalhar para Espanha. Dizer, perante estes números (ocultados pelas miseráveis estatísticas nacionais), que o desemprego no mesmo período diminuíu, é tão só mais um sinal do cinismo entranhado na actual classe política e da subserviente distracção dos média convencionais. Que raio de relatórios anda o político Cravinho a ler nas suas horas vagas?!

Não é difícil prever a verdadeira catástrofe financeira que poderá ocorrer se projectos completamente cretinos, como o TGV Lisboa-Porto e o aeroporto da Ota, forem para diante. Nenhum deles tem viabilidade económica própria. Nenhum deles contribui para o desenvolvimento do país. Ambos irão arruinar as infra-estruturas e sistemas já existentes e que precisam obviamente de ser melhorados. O desafio do CDS (apesar de pessoalmente desprezar este partido político) deveria ser seguido pelo PSD, Bloco de Esquerda e PCP. Não sei do que estão à espera...


Referências


#
Portugal tem de aproveitar a crise para mudar

Teodora Cardoso - Na questão do aeroporto, (...) também não tenho os dados todos. Mas, de qualquer maneira, façamos o que fizermos, a economia vai estar de certeza muito mais integrada na economia mundial. E há o turismo, para o qual o aeroporto é muito importante. O facto de o aeroporto ser dentro da cidade é horrível. Não me importo que esteja a 30 ou 40 quilómetros, desde que haja um bom caminho para lá chegar. Não quer dizer que eu seja a favor da Ota especificamente. Isso têm de ser os especialistas a dizer. Agora, pelos dados que vi, parece que um novo aeroporto é mesmo necessário.

Os economistas têm feito o balanço entre investimentos desta envergadura e consolidação orçamental...

TC - Mas não tem nada a ver. O problema não é orçamental, é um problema de aplicação de recursos do País. O aeroporto nunca será financiado pelo orçamento. Isso é o primeiro dado garantido: haverá um grupo de empresas que tratarão disso. É project finance puro. Mas se não for rentável, não valerá a pena fazer.

E o TGV?

TC - Do TGV, embora haja estudos a dizer que será rentável, não consigo perceber como. Não vejo como pode ser útil fazer um investimento brutal para ganhar, na melhor das hipóteses, meia hora entre Lisboa e Porto. E para Madrid também. O que percebo é a necessidade de apostar no comboio para movimentar mercadorias.

in Diário de Notícias, 02/01/07

#
Ryanair establecerá su tercera base en España en Reus (Tarragona)

La compañía de bajo coste Ryanair ha alcanzado un principio de acuerdo para establecer su tercera base de operaciones en Reus (Tarragona), confirmó a Europa Press la directora de Marketing y Ventas para España y Portugal de Ryanair, Maribel Rodríguez, quien destacó no obstante que 'todo depende' de que Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea (AENA) realice una ampliación del aeropuerto de la localidad catalana.

El aeródromo necesita una mejora de las infraestructuras y ampliar el espacio, para que pueda acoger a un mayor número de aviones de Ryanair que dormirán allí cuando la 'low cost' ponga en marcha la nueva base. 'Todo es cuestión de espacio' y de que AENA 'realice la ampliación' recalcó Rodríguez, que precisó que los requisitos para que Ryanair establezca una nueva base son un 'mínimo de tres aviones y de 14 rutas'.

Rodríguez había apuntado previamente en rueda de prensa que Ryanair 'necesitaba' una tercera base en España antes de finales de año, aunque entonces dijo que no podía asegurar que estuviera en territorio español ya que la compañía estaba estudiando 'también otros aeropuertos europeos'. Finalmente, confirmó a Europa Press que la tercera base se establecerá previsiblemente en Reus.

42,5 MILLONES DE PASAJEROS EN 2007

Por otra parte, Ryanair anunció que prevé alcanzar los 42,5 millones de pasajeros a lo largo del presente año, lo que supondría un incremento del 4,9% con respecto a los 40,5 millones de pasajeros con los que cerró 2006. Concretamente, la 'low cost' irlandesa estima que alcanzará los nueve millones de viajeros en el mercado español a partir del mes de marzo.

Rodríguez destacó que el objetivo de la compañía es 'ampliar tráfico y beneficios' hasta 2012, manteniendo las 'tarifas más bajas' --con la garantía de que no aplicarán ningún recargo por combustible-- y unos 'beneficios netos récord'.

Rodríguez recalcó que Ryanair cuenta con una flota de 120 Boeing 737-800, con una media de dos años de antigüedad. En este sentido, explicó que la compañía recibirá 21 nuevos aviones hasta finales de marzo, de los cuales cuatro están destinados a su base de Gerona, donde la aerolínea contará con un total de siete aparatos. Esto permitirá a la compañía operar 41 rutas y transportar cuatro millones de pasajeros desde la ciudad catalana, tras haber realizado una inversión de 280 millones de dólares (216 millones de euros).

En este sentido, Maribel Rodríguez señaló que la compañía inaugurará entre febrero y abril '19 nuevas rutas desde la base de operaciones de Gerona, así como muchas más desde diferentes puntos de España'.

En cuanto a la base de Madrid-Barajas, donde la compañía realizó una inversión de 210 millones de dólares (162 millones de euros), Ryanair tiene tres aviones con los que opera 15 rutas. La última en incorporarse será la que enlazará la capital con Roma a partir del próximo mes de abril.

La 'low cost', que estima que aproximadamente un millón de pasajeros de Ryanair pasarán cada año por el aeródromo madrileño, indicó que desde que inauguró la base de Madrid-Barajas han viajado más de 15.000 pasajeros y tiene 200.000 reservas para los próximos meses.

Última hora!

OAM #163 15 JAN 2007

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Aeroportos 13

O embuste da Ota

21 Questões sobre o Novo Aeroporto de Lisboa
e a Rede Ferroviária de Alta Velocidade

Luís Maria Gonçalves, arqº

1 - Porque é que o estudo elaborado pela ANA em 1994 (que identifica a Base Aérea do Montijo como a melhor localização para o novo aeroporto e que classifica a Ota como a pior e mais cara opção) não se encontra disponível no site da NAER?

2 - Porque é que o estudo elaborado pela Aeroports de Paris em 1999 (que recomenda a localização do NAL no Rio Frio e que classifica a Ota como pior opção) não justifica o facto de não ter sido sequer considerada a opção recomendada no estudo anterior?

3 - Porque é que todos os estudos e documentos disponibilizados, elaborados entre 1999 e 2005, incluindo o Plano Director de Desenvolvimento do Aeroporto, tiveram como premissa a localização na Ota, considerada nessa altura como a pior e mais cara opção?

4 - Porque é que o documento apresentado como suporte da decisão de localização na Ota é apenas um Estudo Preliminar de Impacto Ambiental, no qual questões determinantes para a localização de um aeroporto (operações aéreas, acessibilidades, impacto na economia) foram tratadas de um modo superficial, ou não foram sequer afloradas?

5 - Porque é que na ficha técnica do atrás referido Estudo Preliminar de Impacto Ambiental não constam especialistas na áreas da aeronáutica e dos transportes?

6 - Porque é que o Estudo Preliminar de Impacto Ambiental para o aeroporto na Ota usou os dados dos Censos de 1991 para calcular o impacto do ruído das aeronaves sobre a população, quando existiam dados de 2001 e uma das freguesias mais afectadas (Carregado) mais do que duplicou a sua população desde 1991?

7 - Em que documento é que são comparados objectivamente (com outras hipóteses de localização) os impactos económicos e ambientais associados à opção da Ota (desafectação de 517 hectares de Reserva Ecológica Nacional; abate de cerca de 5000 sobreiros; movimentação de 50 milhões de m3 de terra; encanamento de uma bacia de 1000 hectares a montante do aeroporto; impermeabilização de uma enorme zona húmida; necessidade de expropriar 1270 hectares)?

8 - Em que documento é que se encontra identificada a coincidência do enfiamento de uma das pistas da Ota com o parque de Aveiras da Companhia Logística de Combustíveis (a apenas 8 Km) e avaliadas as consequência de um possível desastre económico e ecológico decorrentes de desastre com uma aeronave?

9 - Em que documento é que se encontra a avaliação do impacto da deslocalização do aeroporto no turismo e na economia da cidade e da Área Metropolitana de Lisboa?

10 - Em que documento é que se encontra a avaliação do impacto urbanístico decorrente da deslocalização do aeroporto para um local a 45 km do centro da capital?

11 - Em que documento é que se encontra a avaliação do impacto da deslocalização dos empregos e serviços decorrente da mudança do aeroporto para a Ota?

12 - Em que documento é que se encontra equacionado o cenário da necessidade de construir um outro aeroporto daqui a 40 anos, quando o Aeroporto da Ota se encontrar saturado?

13 - Que medidas estão previstas para uma tributação especial das enormes mais-valias que terão os proprietários dos terrenos envolventes à zona do aeroporto (e não afectados pelas expropriações) que até ao momento estão classificados como Reserva Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional e passarão a ser terrenos urbanizáveis?

14 - Em que documento se encontra a explicação para ter sido considerada preferível uma localização para o novo aeroporto que "roubará" mercado ao Aeroporto Sá Carneiro em detrimento de captar o mercado da Extremadura espanhola?

15 - Porque é que a localização na Base Aérea do Montijo não foi sequer considerada, quando apresenta inúmeras vantagens (14 Km ao centro da cidade, posição central na Área Metropolitana, facilmente articulável com o TGV, possibilidade de ligações fluviais, urbanisticamente controlável)?

16 - Qual é a explicação para que a articulação entre as duas infra-estruturas construídas de raiz (Aeroporto da Ota e Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto) obrigue a um transbordo de passageiros numa estação a 2 Km da aerogare?

17 - Porque é que se optou por uma localização para o aeroporto que implicará um traçado da Rede de Alta Velocidade com duas entradas distintas em Lisboa, cada uma delas avaliada num valor da ordem de mil milhões de euros (percurso Lisboa/Carregado e Terceira Travessia do Tejo), quando um aeroporto localizado na margem Sul funcionaria perfeitamente só com a nova ponte?

18 - Qual é o valor do sobre-custo do traçado da Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto na margem direita do Tejo, por oposição ao traçado pela margem esquerda, fazendo a travessia na zona de Santarém?

19 - Porque é que a ligação ao Porto de Sines será construída em bitola ibérica, quando bastava que o traçado da linha Lisboa-Madrid passasse a Sul da Serra de Monfurado (um aumento de apenas 8 Km) para que fosse viável a construção de um ramal de AV para Sines (e posteriormente para o Algarve) a partir de um nó a localizar em Santa Susana (concelho de Alcácer do Sal)?

20 - Na análise custo-benefício do investimento da Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto foi considerada a concorrência do Alfa Pendular (na actual Linha do Norte), o facto de o traçado não permitir o transporte de mercadorias e a necessidade de mudança de transporte para percorrer a distância das estações intermédias aos centro das respectivas cidades (Leiria, Coimbra, Aveiro)?

21 - Por último, em que relatório se encontra a recomendação da Ota como melhor localização para o novo aeroporto por comparação com as outras alternativas possíveis (Rio Frio, Base Aérea do Montijo, Campo de Tiro de Alcochete, Poceirão)?

A insustentável leveza da Ota

Luís Gonçalves, arqº

Com uma discrição absolutamente inusitada, foi agora lançado o concurso para elaboração do projecto do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL). Passado mais de um ano sobre a tomada de decisão sobre localização do NAL, é altura de olhar para trás e procurar entender como é que foi possível que esta opção recaísse sobre a Ota, tendo contra ela a maioria dos estudos técnicos (que poucas pessoas leram) e a generalidade dos especialistas e operadores.

Nos últimos quinze anos foram elaborados dois estudos comparativos de diferentes localizações para NAL: um de 1994 da responsabilidade da ANA - Aeroportos e Navegação Aérea S.A., a pedido do Ministério das Obras Públicas; e um segundo em 1999, produzido pelo consórcio Aéroports de Paris / Profabril, para a NAER - Novo Aeroporto S.A. O estudo de 2005, apresentado como o documento definitivo, é apenas um Estudo Preliminar de Impacto Ambiental (EPIA).

O estudo de 1994 comparava quatro alternativas possíveis: Montijo A (orientação das pistas Norte/Sul), Montijo B (orientação das pistas Este/Oeste), Rio Frio e Ota. Na conclusão, as opções foram assim hierarquizadas: Montijo B, Montijo A, Rio Frio e por último a Ota, considerada simultaneamente a mais cara e a pior das localizações. Apesar da orientação do Governo no sentido da “transparência e divulgação pública”, este estudo não figura no rol de 26 documentos disponíveis para consulta no site da NAER. A posterior decisão de avançar com a rede ferroviária de alta velocidade (AV) e a terceira travessia do Tejo (TTT), entre Chelas e o Barreiro veio reforçar drasticamente as vantagens das localizações na margem sul do Tejo, em particular a opção do Montijo.

O estudo posterior, apresentado em 1999, comparava outras quatro alternativas: a SuperPortela (considerando a construção de uma nova pista paralela à existente), Rio Frio 17-35 (orientação das pistas Norte/Sul), Rio Frio 08-26 (orientação das pistas Este/Oeste) e Ota, não apresentando qualquer explicação para o facto de não ter sido considerada a localização mais bem classificada no estudo produzido apenas 5 anos antes.

Estas quatro opções foram classificadas, numa escala de 0 a 1000, à luz de diferentes critérios (operação aérea, acessibilidade terrestre, ambiente, custos de investimento, custo de exploração, etc.). As duas soluções para o Rio Frio obtiveram 728 pontos (E/O) e 675 pontos (N/S), tendo a Ota obtido a pior classificação (616 pontos), à semelhança do que tinha sucedido no estudo de 1994. A SuperPortela não chegou a ser valorizada por ter sido considerada um projecto com um impacto ambiental desmedido.

Entre 1999 e 2005 foram produzidos vários estudos (geológicos, geotécnicos, hidrológicos, movimentos de aves, caracterização da flora, etc.) para além do próprio “Plano Director de Referência de Desenvolvimento Conceptual do Aeroporto”. No entanto, todos estes documentos usaram, como premissa, a localização do NAL na Ota, apesar de esta ter sido, até então, sempre considerada a pior opção. Se outros estudos foram feitos, não foram divulgados.

Em 2005, são elaborados os EPIA para as localizações do NAL na Ota e em Rio Frio. Apesar de apresentada como a melhor localização, a lista de problemas associados à opção do NAL na Ota não deixa de impressionar:

- desafectação de 517 hectares de Reserva Ecológica Nacional (REN);
- destruição do coberto vegetal, incluindo o abate de cerca de 5000 sobreiros;
- movimentação de 50 milhões de m3 de terra (equivalente a cobrir o concelho de Lisboa com uma camada de 60 cm);
- desvio e “encanamento” da Ribeira do Alvarinho, com uma bacia de 1000 hectares a montante do aeroporto;
- destruição do Paúl da Ota e impermeabilização de uma enorme zona húmida que regularmente alaga durante o Inverno;
- necessidade de expropriar 1270 hectares.

Pelo facto de se tratar de um estudo de impacto ambiental, algumas questões determinantes para a localização de um aeroporto (operações aéreas, acessibilidades, impacto na economia) foram tratadas de um modo superficial, ou não foram sequer afloradas. Por essa razão vários problemas da localização na Ota não foram devidamente valorizados ou sequer identificados:

- aumento dos riscos operacionais das operações aéreas, decorrente da re-orientação das pistas a nor-nordeste, com a consequente existência de ventos laterais (os ventos dominantes são nor-noroeste);
- coincidência do enfiamento de uma das suas pistas com o parque de Aveiras da Companhia Logística de Combustíveis, com o risco de uma enorme catástrofe ecológica e económica em caso de acidente;
- continuação do sobrevoo a baixa altitude de áreas densamente povoadas da Área Metropolitana de Lisboa (AML);
- aumento da distância do aeroporto ao centro de Lisboa para 46 Km (pela actual A1, actualmente já muito congestionada), ou 56 Km (pela A10/A9/A8);
- aumento da distância média ponderada do aeroporto aos concelhos da AML para 56 Km por via rodoviária, e para 54 Km por via ferroviária;
- impossibilidade de incluir um serviço eficaz de shuttle através da actual Linha do Norte, que se encontra completamente saturada.
- deslocação de um grande número de pessoas afectas ao funcionamento do aeroporto e às actividades complementares;
- enorme aumento da pressão urbanística sobre a zona envolvente, pela necessidade de construir edifícios de serviços que complementem a actividade aeroportuária e para albergar os respectivos trabalhadores e os funcionários do aeroporto;
- quebra acentuada no “turismo de fim-de-semana” com consequências em várias actividades do sector (congressos, hotelaria, etc...);

Os problemas do erro da escolha da Ota já estão patentes no documento “Orientações Estratégicas - Sector Ferroviário”, apresentado pelo Ministro das Obras Públicas:

- os 30 km iniciais da linha de AV para o Porto atravessarão um canal profundamente urbanizado e muito acidentado cuja realização custará aproximadamente mil milhões de euros (um custo equivalente à TTT ou um terço do NAL);
- o percurso do TGV até Leiria terá de atravessar uma zona de tal modo acidentada que impossibilitará a utilização de comboios de mercadorias (um aeroporto a sul de Lisboa permitiria usar a margem esquerda do Tejo, muito mais plana e menos urbanizada e rentabilizar o investimento da TTT);
- um passageiro que saia de Lisboa utilizando um combóio de AV terá percorrer 45 km (distância que será gasta a arrancar e a travar a composição) e fazer um transbordo para percorrer os dois km entre a estação e a aerogare;
- será provocada uma concorrência lesiva ao aeroporto Sá Carneiro, acabando com os voos triangulares;
- será inviável a pretensão de conquistar, para o NAL, o mercado da Extremadura espanhola;
- será impossível articular o NAL, sob o ponto de vista logístico, com o Porto de Sines.

A alternativa de localização do NAL na actual Base Aérea n.º 6 do Montijo apresenta vantagens que justificariam, pelo menos, um estudo definitivo para comparação com as opção da Ota e de Rio Frio:

- permite a instalação de duas pistas paralelas de 3600 metros de comprimento (um layout semelhante ao proposto para a Ota), sem expropriações, utilizando a superfície da base aérea actual, à qual teriam apenas de ser acrescentadas plataformas para os extremos das pistas;
- essa orientação seria igual à da pista 18-36 da Portela, ideal sob o ponto de vista dos ventos dominantes;
- as rotas de aproximação e descolagem seriam compatíveis com a configuração da Ponte Vasco da Gama (conforme as normas do ICAO) e com a área restrita D10 do Campo de Tiro de Alcochete;
- os seus terrenos são praticamente planos, não têm cursos de água e estão incultos, resultando num reduzido impacto ambiental sobre o local;
- as infra-estruturas rodoviárias existentes (ou com execução prevista) colocariam o NAL a 12 Km do centro de Lisboa pela TTT, possuindo duas alternativas: a Ponte Vasco da Gama (24 km) e a Ponte 25 de Abril (40 Km), colocando o NAL a 32 Km de distância média ponderada aos concelhos da AML;
- o aproveitamento das infra-estruturas ferroviárias existentes (ou com execução prevista) permitiria integrar o aeroporto num anel abrangendo as duas margens do Tejo, colocando o NAL a 25 Km de distância média ponderada aos concelhos da AML;
- permitiria uma perfeita integração da rede do nacional do TGV com o aeroporto, pois a distância de 13 Km à Gare do Oriente transformaria a sua estação num novo centro direccional;
- reduziria o custo da construção da rede de TGV a construir, quer por uma questão de redução da extensão da linha para o Porto, quer pela oportunidade de desenvolver uma parte substancial do seu percurso na margem sul do Tejo, menos acidentada e menos povoada;
- a população afectada pelo ruído do sobrevoo das aeronaves seria sempre em número inferior à opção da Ota, independentemente do sentido de utilização das pistas e do volume de tráfego;
- a localização junto ao rio permitiria a construção de uma estação fluvial com ligações para Lisboa, fundamental para os períodos de congestionamento de trânsito;
- a sua localização numa península permitiria mais facilmente o controlo da pressão urbanística e aumentar a segurança do aeroporto;
- a chegada de avião a Lisboa em pleno estuário de Tejo seria um notável cartão de visita para o turismo da capital;
- a construção e existência de um equipamento com esta importância próximo de áreas urbanas deprimidas, permitiria usar o aeroporto como estímulo de reconversão e de desenvolvimento, abrindo a possibilidade de Lisboa passar a ser verdadeiramente uma cidade de duas margens.

Claro que a opção do NAL no Montijo apresenta também problemas com alguma relevância, nomeadamente:

- realojamento da Base Aérea n.º 6 (mas mais económica que as expropriações e a modelação dos terrenos da Ota);
- impacto ambiental decorrente do sobrevoo do Estuário do Tejo (o que também acontecerá na Ota, ainda que com menos intensidade);
- desafectação de uma área da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo, integrada na Rede Natura 2000 (mas muito inferior à área de REN necessária destruir no caso da Ota);
- existência de problemas relacionados com as aves (no entanto, o histórico de "incidentes" indicia um risco, para o Montijo, inferior ou equivalente ao da Ota);
- impossibilidade de recorrer a financiamento comunitário para o projecto (no entanto, o sobre custo global da solução na Ota, por comparação com o Montijo, será sempre muito superior ao montante da comparticipação Europeia);
- impossibilidade de expansão do aeroporto, por não existir hipótese de aumentar o número de pistas, como acontece na Ota. No entanto, se se verificar que dentro de 40 anos é necessário construir um novo aeroporto, será possível manter o Montijo como segundo aeroporto junto do centro da cidade, algo inviável no caso da Ota.

Por todas estas razões, é inevitável ficar com a sensação de que o desafio lançado pelo Primeiro Ministro aquando da apresentação da decisão definitiva — “Quem critica a Ota deve apresentar alternativas e estudos” — foi apenas uma questão de retórica. As alternativas e os estudos estão há muito na posse do Governo e a decisão política tomada foi contra todos esses mesmos estudos, valorizando a opção que, sobretudo, beneficiará todos aqueles que nos últimos anos compraram terrenos, classificados como REN, e que agora serão fundamentais para a gigantesca operação urbanística que se adivinha à volta do novo aeroporto.



Nota: o primeiro texto faz parte de uma mensagem enviada ao Ministro das Obras Públicas pelo arquitecto Luis Maria Gonçalves, com conhecimento para o Primeiro Ministro e outros membros do governo. Dada a relevância das questões nela colocadas decidi publicá-lo como contribuição para o verdadeiro livro negro que sugiro seja brevemente publicado sobre o maior embuste que o actual governo socialista e os seus inenarráveis ministros da economia e das obras públicas, pelos vistos, pretendem impingir aos portugueses. O segundo texto chegou-me às mãos em 15/91/07 e revea o que ainda há que fazer para parar a estupidez do actual governo relativamente à Ota.

Última hora!

OAM #162 12 JAN 2007

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Aeroportos 12

Ryanair-Girona
Mapa das rotas da Ryanair disponíveis a partir de Girona.
A 100Km de Barcelona, serve o grande atractor catalão e toda a Costa Brava.
Autocarro Girona-Barcelona: 1h10mn. Imagine uma extensão da Portela em Montemor-o-Novo ou em Évora...

O fim da Ota... e da TAP


Quem ouviu bem o que o ministro das obras públicas a dado momento deixou cair a propósito do aeroporto da Ota, na entrevista televisiva de ontem ("Diga Lá Excelência", RTP 2), terá ficado com a sensação de que o homem deu mesmo o primeiro passo subtil para deixar cair a idiotia betoneira por que clamam todos aqueles, e foram muitos, e muito poderosos, que andaram por lá a comprar terrenos ao desbarato, sem terem tido o cuidado de avaliar se a coisa tinha pernas para andar. Maria vai com as outras, como é timbre da nossa burguesia compradora, ignorante e preguiçosa, e das centenas de aparatchics bem informados e oleados da casa pública, eis que estavamos supostamente diante de uma fatalidade, algo que não podia deixar de ser! A Portela estava a rebentar pelas costuras e era preciso marchar urgentemente para a Ota, apesar de os nevoeiros persistentes não permitirem ver um palmo à frente do nariz, apesar de passarem por lá três rios (que seria preciso enterrar!), apesar da necessidade de remover uma montanha inteirinha para ganhar espaço de manobra para as aeronaves, apesar de as duas pistas previstas apenas poderem funcionar como pista e meia, apesar de não haver acessibilidades decentes ao centro de Lisboa (e novas que se fizessem, deverem sair do bolso falido de todos nós), apesar de o TGV Lisboa-Porto, que serviria supostamente a Ota, não fazer qualquer sentido estratégico (1) e ser uma prometida ruína financeira para o país, apesar de estar demonstrado que um novo hipotético aeroporto na Ota, que nos enterraria a todos (menos aos bancos drácula, que sempre souberam lucrar com a estupidez alheia), ficaria ele próprio saturado poucos anos depois de inaugurar! Por causa de todo este consenso fabricado sobre a pseudo-saturação da Portela e a inevitabilidade da Ota, deixaram degradar o aeroporto principal do país até níveis inqualificáveis. Mas eis que de repente ocorre um fenómeno meteórico chamado Low Cost, em cima de outras inesperadas ocorrências...

Enquanto os nossos iluminados estrategas macro-económicos e a nossa élite político-partidária continuavam a sonhar com a borlas da TAP e da CP, sucederam seis coisas dramáticas: o país afundou-se economicamente, o preço do petróleo disparou, o dólar entrou numa rampa declinante de que dificilmente sairá tão cedo, a Espanha decidiu dar prioridade acelerada à rede ferroviária de transporte rápido e ultrarápido (VE/AV) e, finalmente, um novo modelo de negócio aeronáutico emergiu da crise: as Low Cost.

Este modelo, assente na combinação inovadora entre voos baratos, ligações ponto-a-ponto, aeronaves comerciais de última geração (com grande eficiência energética e baixa intrusividade sonora), relações públicas inovadoras e uma panóplia de serviços complementares irresistíveis - carros, hoteis, pensões, programas de férias e casinos virtuais, como o divertido Ryanair Bingo -, tudo isto, suportado por impecáveis interfaces electrónicas (que só na aparência se parecem com os emperrados portais web da TAP ou da Ibéria), veio revolucionar de forma imprevista todo o negócio do transporte aéreo europeu para os próximos vinte anos. Empresas da dimensão da Ibéria estão fortemente ameaçadas por este incrível fenómeno. Que dizer então da pequena TAP e da minúscula PGA, debaixo desta inesperada intempérie de falências anunciadas e OPAs irrecusáveis? Resistirão? Acolher-se-ão ambas sob o chapéu protector do Estado? A que preço? Quem paga? Nós? Mas então o déficit? Mas então o ataque sem precendentes ao Estado Providência, e que ainda vai no adro, não tem uma causa nobre?

Há coisas que não têm solução, a não ser que seja radical. Por exemplo, como é que um putativo grupo como a TAP+PGA pode aguentar-se na competição europeia pela concentração do sector aerotransportador, quando os três maiores operadores de Low Cost europeus - Ryanair, Easy Jet e Air Berlin -, que movimentam conjuntamente mais de 87 milhões de passageiros/ano, têm menos assalariados ao seu serviço do que a TAP+PGA (9.945 contra 10.110), que, por sua vez, movimenta menos de um décimo daquele número de passageiros?!

Em nome, pois, de quê, vai o Estado nacionalizar uma PGA que o BES, pelos vistos, não consegue impingir a mais ninguém (pelos mesmos 144 milhões de euros que exigiu ao Estado)? Só se for em nome dos seus 750 empregados. Mas e então o déficit? E a racionalidade? Só se for por causa do flop da Ota. Mas isso seria gravíssimo!

Em nome de que história da Carochinha vai depois o mesmo Estado privatizar a TAP? Quem quer uma TAP pequenina, a abarrotar de administradores bem pagos e milhares de assalariados sindicalmente protegidos, com aviões velhinhos (consumidores de energia, ruidosos e produtores de CO2 em demasia), hábitos de gestão ultrapassados e sem qualquer estratégica sustentável? Quem, não me dizem? Se ainda por cima o pouco dinheiro existente se gasta na compra de sucata, em vez de novos aviões de médio curso adequados à nova era, que pode alguém de bom senso esperar da futura privatização da TAP? Nada. Mesmo nada, meu caro Sócrates!

Metade do negócio ou mais da TAP está na Europa. Na Europa, as principais empresas de Low Cost - Ryanair, Easy Jet e Air Berlin - preparam-se para tomar de assalto boa parte do negócio desactualizado das chamadas companhias de bandeira, quase todas elas públicas, despesistas, caras e obsoletas do ponto de vista da globalização, onde, ao que parece, a Europa também quer entrar. Basta observar o quadro abaixo para perceber por onde vão os tiros imediatos do transporte aéreo de passageiros na Europa nos próximos anos.

Tabela Low Cost vs TAP/PGA

Em 2012, os 600 aviões de última geração da Ryanair, Easy Jet e Air Berlin, poderão muito bem assegurar a esmagadora maioria dos voos baratos da Europa, transportando por ano mais de 100 milhões de passageiros entre várias capitais e largas dezenas de cidades europeias. Um dos aspectos cruciais da nova era do transporte aéreo é que ele dispensa aeroportos de luxo. Qualquer aeródromo com duas pistas, ou até uma, com 2500m de comprimento por 40m de largura, e um bom barracão, servem para uma Low Cost transportar milhões de passageiros/ano. Por outro lado, a rede ferroviária ibérica de Alta Velocidade e de Velocidade Elevada, que avança a ritmo acelerado (e a que Portugal não se poderá eximir, sob pena dum descrédito ibérico e internacional sem precedentes), irá retirar uma fatia decisiva do mercado de transporte aéreo nalguns dos eixos que hoje são precisamente preenchidos pela TAP, Iberia, etc.: Lisboa-Porto-Lisboa, Lisboa-Madrid-Lisboa, Madrid-Barcelona-Madrid, Madrid-Valencia-Madrid, etc., tal como sucedeu aliás com a rota Madrid-Sevilha, onde o Ave inviabilzou boa parte das ligações aéreas entre as duas cidades.

Teremos assim, se houver juízo, um Novo Aeroporto Internacional de Lisboa com o centro operacional na velha Portela, dedicado aos voos intercontinentais, mas extensível até ao Montijo, ou até Évora, para as suas ligações europeias ponto-a-ponto. Tudo isto sem precisar, nem da Ota nem de Rio Frio. Uma poupança assinalável.


Notas

1 -- A tomada de consciência da gravidade da actual emergência energética na Europa vai provavelmente conduzir a uma revisão do actual programa ferroviário europeu, favorecendo novas soluções menos dispendiosas e com grande enfoque nas redes de suburbanos. Exige-se pois, no caso português, o abandono imediato da megalomania chamada AV Lisboa-Porto, e que ponham os actuais Alfas pendulares a circular a 230Km, como podem, mas não circulam, por mero cálculo político e pressão dos lóbis betoneiros que teleguiam o actual vizir das obras públicas. Leia-se, a propósito da provável mudança de agulha na estratégia europeia para a ferrovia, o artigo publicado pelo EuroActiv, "EU railway rules 'bad for commuters'". 10-01-2007.
Focusing on "glossy" international rail projects could hinder the development of suburban railways that are essential to tackle congestion and environmental problems in European cities, according to new research. Link

Última hora!


OAM #161 8 JAN 2007

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Carcavelos

A minha praia tropical


Carcavelos, Portugal, 06-01-05, surf e bodyboard
Jan 5, 2007: mais de 200 pranchas rolando nas ondas de Carcavelos

Vivo há 38 anos em Carcavelos e não tenciono abandonar esta vila e esta praia. Gosto muito da região do Douro, de onde vem parte substancial do meu património genético, e onde vou regularmente sonhar com quintas biológicas. Mas dispensar o mar, os horizontes amplos e mutantes do grande estuário, os barcos que passam, as acrobacias do Pitt Special que sobrevoa o terraço da casa em direcção ao mar, os pachorrentos Retrievers que tomam conta das esplanadas e centros de Surf, o disputadíssimo bar dos gémeos e a sua música calma, as caminhadas pelo paredão, as meninas e os meninos que passeiam e, impossível ignorá-lo, o rebanho negro de surfistas e bodibordistas que não pára de aumentar, de todas as idades, raças e sexos, com a tez sempre dourada e olhos de água, está fora de causa.

Ainda jovem, em Setembro, quando as marés davam por finda a estação balnear, costumava fazer carreiras nas ondas de Carcavelos, transformando o meu próprio corpo numa prancha. Era uma tradição dos finais da década de 60 e princípios da de 70, muito antes de a fibra de vidro se ter democratizado. Banhos em Janeiro era coisa de televisão, de uns maduros e barrigudos que sempre vinham de Sassoeiros, de Talaíde ou da Madorna, para celebrar a entrada de cada novo ano. Mergulhavam ao desafio, tremiam nas toalhas e encharcavam-se em bagaço branco. O povo inteiro assistia na RTP.

Hoje, dia 5 de Janeiro de 2007, com o ar a rondar os 18ºC (apesar de o Instituto Meteorológico não ir além dos 16,4ºC nas suas medições, na Avenida Gago Coutinho!), e uma temperatura de mar de 16ºC, contei mais de duzentos entusiastas dentro de água e pelo menos metade deste número entretida em manobras preparatórias ou de retirada. Os rapazes despem-se e vestem-se com um à-vontade próprio da idade. As raparigas, que a borracha dos fatos transforma espontaneamente em sereias, para se mudarem, desenvolvem divertidos e sedutores contorcionismos com as suas grandes toalhas de turco. Os mais velhos, costumam preferir os carros para a mudança de traje. A moda surf e body board exibe-se na praia de Carcavelos em todo o seu esplendor. Às vezes penso, onde irão buscar tanto tempo livre. Depois volto a pensar, afinal são só duas horitas de ar livre e descontracção. Uma dose q.b. de adrenalina e jogos de sedução. Todo este frenesim provoca o incremento da actividade económica local. Que mais pode um carcavelense de adopção desejar para a sua vila?

A época balnear, como as estações, estão a desaparecer. Mesmo quando chovia sem parar, em Outubro e Novembro passados, lá estavam os surfistas mais destemidos, aproveitando cada aberta, mesmo que ténue e passageira, provando que a praia não tem épocas. Costumo não dispensar uma ou duas semanas das areias e do mar mais quentes das falésias algarvias, mas morreria de tédio, ou de estupidez, se por lá vivesse todo o ano. Quem me tira a praia de Carcavelos, mesmo sofrendo obras que nunca mais acabam, mesmo atulhada de automóveis que insistem em descer até ao paredão, mesmo cheia de alfacinhas que continuamos a deixar pisar o areal sem pagarem uma mais do que justa portagem, mesmo tropeçando naqueles cadáveres escanzelados e sarnentos de velho motel de engates e de antigo restaurante de bodas, a que chamam Narciso e Fateixa, tira-me muita coisa. Não dispenso a minha praia, cada vez mais tropical, nem os inesquecíveis pores-do-Sol de Outono, nem a filosófica Avenida Jorge V que me leva e trás de lá, nem, sobretudo, a linha do horizonte. Acarinho em silêncio os artistas clandestinos do graffiti e divirto-me com o sentido de humor daquele aviso inscrito no fim do passeio que dá acesso à praia: "arrastão a 500m".

Reparei este ano na abundância de melros na avenida, e de moscas teimando entrar no meu apartamento. Em Sevilha e depois em Barcelona, surpreendi-me com bandos de grandes periquitos verdes e dourados, que pelos vistos também voam e berram pelos jardins da Estrela e do Campo Grande. Passando por Tarragona, observei manchas negras de estorninhos, escurecendo o céu e demandando as árvores de uma cidade desesperada, que propagava megafonias anti-estorninhos, para susto de todos nós. Dizem-me que as cegonhas se estabeleceram definitivamente na Extremadura espanhola. As andorinhas partem cada vez mais tarde da península. A desertificação saariana avança a passos largos. Veremos talvez, em uma ou duas décadas, uma nova Carcavelos, tropicalíssima, com cada vez mais pranchas à espera de uma boa onda. A Caparica ir-se-à desmoronando. Depois, não sei. Há quem tema o pior.

OAM #160 5 JAN 2007

domingo, dezembro 31, 2006

2007

Esquilo, Chicago, 2006
Esquilo, Chicago, Dezembro 2006. Foto: Chica Hipnótica.

Piorar para melhorar?


Nenhuma espécie biológica pode duplicar a sua população indefinidamente, sobretudo quando essa duplicação depende do uso igualmente exponencial de recursos não-renováveis limitados, tais como o petróleo, o ferro ou o cobre, da exploração intensiva de solos que inevitavelmente se degradam, ou da exaustão dos recursos hídricos potáveis, cuja renovação obedece a ritmos muito mais lentos do que os da voragem imposta ao planeta Terra pela ideologia do crescimento eterno da economia.

M. King Hubbert, o grande geólogo norte-americano que previu o pico petrolífero dos Estados Unidos e em geral os limites da exploração dos recursos finitos não-renováveis, afirmou em 1974, numa audiência promovida pela Câmara dos Representantes (a propósito do National Energy Conservation Policy Act of 1974) o seguinte:
Our institutions, our legal system, our financial system, and our most cherished folkways and beliefs are all based upon the premise of continuing growth. Since physical and biological constraints make it impossible to continue such rates of growth indefinitely, it is inevitable that with the slowing down in the rates of physical growth cultural adjustments must be made. (Link)

É precisamente nesta fase de ajustamento que o mundo se encontra. É um momento perigoso, nomeadamente por causa das assimetrias económicas, sociais, políticas e militares existentes e que tenderão a agravar-se ao longo desta primeira década do século 21. Os actuais crescimentos exponenciais de países como a China e a India irão provocar inevitavelmente enormes dores de cabeça. O número crescente de estados falhados que se perfila num horizonte de uma a duas décadas é, pura e simplesmente, assustador, sobretudo se se tiver em conta que alguns deles dispõem ou tencionam dispôr de consideráveis capacidades de dissuasão militar de tipo nuclear, electrónica, química e biológica. Por fim, a inércia ideológica do Ocidente (sobretudo os Estados Unidos e a Europa), não augura nada de bom do ponto de vista da necessária metamorfose por que teremos que passar para nos adaptarmos a um mundo tecnológico de baixo crescimento e justiça distributiva assegurada.

O modelo actual de crescimento exponencial da massa monetária e abrandamento global da taxa de crescimento da produção de bens materiais vai conduzir-nos necessariamente ao abismo. Talvez seja a única alternativa que nos resta: piorar, para depois melhorar.

Bom ano!

OAM #159 31 DEZ 2006