José Sócrates lidera sondagens. A dois anos do poder.
O-A-M
#35
26 Julho 2004
O Professor Marcelo pareceu-me murcho e inquieto no show de ontem, depois do empate do Benfica contra o Real Madrid. Mostrou-se incomodado pela unanimidade das críticas dirigidas pela generalidade dos opinadores políticos do País ao desastrado Santana Lopes. Até o Alberto João zurziu forte e feio no Paulinho, como se este não fosse um Ministro da República! Em suma, que poderá o Professor Marcelo fazer por "Santanás" (a expressão começou a correr numa reedição paródica da Nau Catrineta) perante tamanho estado de desgraça? Pouco. Mas lá foi adiantando que ninguém, nem sequer a Oposição responsável (quer dizer o PS), deveria desejar a infelicidade ao actual Governo, pois se tal viesse a suceder, as vítimas seríamos todos nós. Queria ele dizer na sua que o próprio José Sócrates, actual candidato favorito à liderança do Partido Socialista, perderia com uma interrupção abrupta do Santanismo. Sócrates, nas palavras do Professor Marcelo, precisa de tempo para definir as suas próprias ideias, as quais, pelos vistos e por enquanto (o Professor leu atentamente a entrevista dada por Sócrates ao Expresso) não existem.
Lá me dei ao trabalho de ler a Única, para conferir a opinião do Professor Marcelo com a realidade...
De facto, Sócrates não apresenta nenhum programa de Governo durante a entrevista conduzida por Cristina Figueiredo e Vítor Rainho. Mas poderia?! Olhem só para algumas (a maioria) das perguntas:
"Que recorda da infância?"; "Até quando viveu na Covilhã?"; "Como foi parar a Engenharia?"; "Quando se começou a interessar por política?"; "Qual era a sua visão do mundo aos 16 anos? Viajava?"; "A sua vida é só política? É assim tão desinteressante? Em jovem teve carro?"; "Nunca teve desilusões amorosas?"; "Até essa altura nunca foi confrontado com a morte de alguém próximo?"; "Há quem diga que aceita mal as críticas"; "Como foi parar à JSD?"; "Mas foi para a JSD por ser betinho ?"; "É um carreirista?"; "Imagina-se a fazer outra coisa sem ser política?"; "Voltou a conduzir?"; "Não admite que se urbanizou?"; "Há pessoas que o acusam de só ter imagem"; "Uma pessoa pode ser excelente político, mas se tiver uma péssima imagem não vai longe"; "Compra a sua roupa?"; "Gasta dinheiro em produtos para a pele?"; "Como se começa a interessar pelas questões do Ambiente?"; "Ainda se recorda do seu primeiro discurso? Estava muito nervoso?"; "Também fica nervoso quando tem de entrar em directo na televisão?"; "O que distingue, hoje o PS do PSD?"; "Qual é a sua posição sobre a liberalização das drogas?"; "Nunca fumou um charro na juventude?"; "Acha que os políticos ganham mal?"; "Diz que ficou marcado pelo divórcio dos seus pais. É divorciado. Acha que os seus filhos também sofreram?"; "No dia do seu casamento, chegou à portagem da auto-estrada e não tinha dinheiro nos bolsos..."; "Defende a adopção de crianças por casais homossexuais?"; "Se tudo correr como o previsto vamos ter dois candidatos a primeiro-ministro em 2006 que são divorciados'"; "Já alguma vez se olhou ao espelho e reconheceu nos seus olhos 'aquele brilhosinho' que dizia ver em Guterres e que, na sua opinião, distingue os grandes políticos?"; "Sabe cozinhar?"; "Vai à missa?"; "E ao futebol?"; "Lê banda desenhada?"; "Beleza, para si, é fundamental?"
As respostas, para serem lidas obviamente entre um banho de praia e umas boas fatias de melão, não poderiam, nem deveriam, esclarecer o Professor Marcelo sobre as suas angustiantes dúvidas quanto ao programa do futuro governo socialista. Até porque o mesmo, a confirmar-se, vem longe. Muito antes disso, o jovem líder tem que conquistar o coração e a cabeça do Partido Socialista. Tem que fazer germinar, no espaço e no tempo, as suas ideias gerais e convicções profundas, tendo em conta os horizontes concretos deste País (que não são nada risonhos). Não pode, do pé p'rá mão, andar por aí a esclarecer tudo e todos sobre o que vai fazer, como se todos nós já tivéssemos adquirido a ideia de que o actual Governo não existe. O Santanismo existe e a sua procissão ainda vai no adro. Vamos pois dar tempo ao tempo, para que, se possível antes das próximas eleições legislativas (mas depois da derrota esclarecedora da actual coligação não legitimada pelo voto popular nas próximas eleições autárquicas), o PPD/PSD exiba as suas dilacerantes mal-formações genéticas, o PP radicalize a sua acção catalizadora sobre a atarantada corte de Santana Lopes, e o Partido Socialista, por sua vez, consiga renovar-se enquanto partido político, na forma de uma organização partidária polarizada entre duas tendências politicamente claras: a social-democrata e a socialista. Estamos a assistir ao início de uma metamorfose dolorosa das duas principais forças partidárias portuguesas. Estou convicto de que a mesma, se correr bem, trará benefícios ao nosso sistema político. Mas para chegarmos a essa fase, vamos ter todos que dar uma ajudinha. Diabolizar Santana Lopes de aqui em diante não será a melhor estratégia. Talvez fosse isso que o Professor quis dizer ontem à noite. Faltaram-lhe tão só as palavras certas. -- AC-P