First we take Cairo...
Al Jazeera acompanha de perto a evolução dos acontecimentos. LINK
Podemos enganar alguns jovens durante algum tempo. Mas não podemos enganar todos os jovens ao mesmo tempo, todo o tempo. A revolução em curso na margem sul do Mediterrâneo é sobretudo uma revolta da juventude letrada e sem emprego contra o cinismo egoísta da meia idade. Não tem nada que ver com o fundamentalismo islâmico, nem com o terrorismo, nem com o fantasma de Bin Laden. E por isto mesmo é um aviso muito mais sério à Europa, aos Estados Unidos, à Rússia e à China — regiões em acelerado processo de envelhecimento e cercados de povos jovens, letrados e munidos de tecnologia inteligente suficiente para colocar em causa países inteiros em menos de uma semana.
A idade da revolução: este mapa vale mais do que mil palavras (ampliar) |
Mubarak teve trinta anos para fazer algo pelo seu povo, e não fez — respondia à Al Jazeera um dos muitos milhões de manifestantes que há dias exigem uma mudança democrática no Egipto. Agora, só lhe resta uma opção: sair. Esta mesma frase, mudando o que há a mudar, começa a fazer sentido em relação à caldeirada parlamentar e presidencial que governa Portugal desde 1976. Como filosofava David Li (director do Center for China in the World Economy), durante um dos debates públicos promovidos pelo World Economic Forum, em Davos (Suíça), a noção ocidental de democracia é porventura mais ilusória do que parece, e certamente mal preparada para lidar com a complexidade e urgência da evolução humana actual. Mais do que inocentar a acção política através da introdução de formalismos eleitorais aparentemente democráticos, Li sugeriu subtilmente que talvez seja mais prudente, pelo menos em países com uma longa história, os sistemas de poder existentes assumirem a responsabilidade de estabelecer uma governação inclusiva, especialmente atenta às modulações das expectativas, dificuldades, reclamações e direitos das populações. O laivo paternalista da proposta, na medida em que supõe um poder supra-democrático, é difícil de engolir, pelo menos na ponta ocidental da Eurásia. Mas nem por isso o seu argumento sobre a falácia democrática militantemente promovida pela Europa e pelos Estados Unidos, deixa de ter sentido. Foi seguramente este género de soft-power supra-democrático, mas que não rejeita os sinais telúricos da soberania popular, que levou as autoridades de Pequim a vedarem o acesso ao termo "Egipto" no popular micro-blogue Sina — espécie de Twitter chinês. A China não censura as notícias sobre o "caos no Egipto" (Xinhua News), apenas evita a dispersão perigosa da sua iconografia junto da igualmente inquieta juventude chinesa...
Um número crescente de democracias ocidentais ouve cada vez menos a voz do povo, e obedece cada vez mais às exigências dos especuladores, das nomenclaturas e dos burocratas pendurados no endividamento e envelhecimento imparável destes regimes. À medida que envelhecem e vêem subir as remunerações pelo trabalho, mas também pelo não-trabalho, das suas bases sociais de apoio, as democracias burocráticas europeias tendem a apostar cada vez mais na automação tecnológica, na exportação das indústrias para países sem grandes protecções sociais e com trabalho barato, ao mesmo tempo que vão enredando as suas juventudes no logro da educação permanente e da cultura popular urbana, ou seja, naquilo a que Guy Débord (em 1967) chamou, com grande precisão, a sociedade do espectáculo. Pão e circo, diziam os romanos — Panem et circenses [ludos].
No Egipto que nestes momentos passa pela adrenalina épica de uma verdadeira revolução democrática, quarenta por cento da sua população tem menos de trinta anos, e de toda esta gente jovem, cinquenta por cento não tem nem emprego, nem perspectivas de arranjar emprego. No entanto, dezenas ou centenas de milhar destes jovens têm estudos secundários e universitários, e sobretudo incorporaram já no seu dia a dia cultural o paradigma das novas redes sociais electrónicas. Era uma questão de tempo até que a improvável rebelião democrática e laica das massas muçulmanas controladas pelas ditaduras da margem sul do Mediterrâneo, do Magrebe ao Suez, irrompesse como um vulcão adormecido.
Também nas democracias europeias e norte-americana o egoísmo dos baby boomers atirou para um limbo sem futuro milhões e milhões de jovens. Em Espanha, o peso do desemprego de longa duração entre os jovens desempregados da mesma faixa etária —entre os 15 e os 30 anos— é de 42% para os desempregados sem o ensino secundário e 39% para os diplomados universitários. E entre os jovens dos 14 aos 24 anos de idade a taxa de desemprego é de 43%. Em Portugal, por exemplo, a falta de emprego de longa duração afecta 51% dos jovens portugueses com "canudo" e idades entre os 25 e os 34 anos. E na média dos países da OCDE, esta taxa é de 42%. Curiosamente, a esmagadora maioria dos países da OCDE encontra-se num processo de estagnação demográfica por envelhecimento e menor fertilidade (Wikipedia), ao contrário da Tunísia, do Egipto, do Iémene ou do Afeganistão...
As razões da revolta em curso no norte de África —desemprego eterno entre os jovens com formação escolar básica, média ou superior, e queda do rendimento per capita por efeito da inflação mundial induzida pela subida imparável dos preços da energia— são as mesmas que afectam hoje a juventude europeia. Por que motivo, então, esta não se revolta? Uma das explicações possíveis estará nas margens de conforto ainda disponíveis nos orçamentos sociais dos estados e das famílias para subsidiar a falta de emprego dos jovens. Esta vantagem encontra-se, porém, seriamente ameaçada pelas explosões sucessivas das dívidas públicas, empresariais e pessoais acumuladas ao longo das duas últimas duas décadas. Ou seja, esta válvula de segurança tem um prazo de validade que expirará em breve: 2012, 2015, 2020? Outra explicação para a impotência aparente das gerações X e Y face ao flagelo que as atinge advém da sua declinante proporção relativamente à população total. No entanto, quando as duas pontas da crise demográfica se unirem, dando lugar a um tríptico socialmente explosivo —avós com reformas comidas pela inflação, pais no desemprego de longa duração e filhos sem emprego à vista—, aí, ou me engano muito, ou teremos uma fusão revolucionária entre os democratas muçulmanos e os democratas católicos e laicos de ambas as margens do Mediterrâneo.