sábado, janeiro 29, 2011

A farsa do TGV

Futura plataforma logística da Mota-Engil no Poceirão interessa a quem?



Novas rotas dos navios “New Panamax”
Canal do Panamá alargado em 2014 é oportunidade para porto de Sines

A ampliação do Canal do Panamá vai alterar as rotas dos navios “New Panamax” com a consequente redução de custos do transporte, entre os diferentes pontos do mundo, sobretudo entre a América e a Ásia. O porto de Sines poderá tornar-se um dos nós de ligação entre as rotas marítimas mercantes Oeste-Leste e Norte-Sul. Se… — Rui Rodrigues, Público/Cargas &Transportes, 2011-01-16.
Em 2014, se não houver nenhum atraso, abrirão as novas eclusas do Canal do Panamá, inaugurando-se uma nova era no transporte marítimo de mercadorias entre o Pacífico e o Atlântico. O trânsito de gigantescos navios porta-contentores (Post-Panamax) fará previsivelmente a diferença num mundo cada vez mais ameaçado pela escassez relativa de petróleo.

A China, mas também a Índia e o Japão, e os seus principais parceiros comerciais (Estados Unidos, Brasil e Europa) serão os grandes beneficiários desta espécie de alargamento do Canal do Panamá. Os principais portos de águas profundas portugueses, Sines e Setúbal, são candidatos naturais a receber e processar as cargas destes navios, mas só na condição de estarem preparados para descarregar (e carregar...) os novos gigantes do mar desenhados para ligar continentes. Porta-contentores mais pequenos e ágeis, de cabotagem se chamam, farão o trabalho ao longo das periferias continentais.

Ora bem, para que os grandes terminais portuários possam cumprir a sua missão estratégica terão que ser plataformas multimodais, i.e. preparadas para mover mercadorias em quantidade, rapidamente e a preço competitivo, entre os porões dos navios e os sistemas de transporte complementares, prioritariamente ferroviários e rodoviários. No caso da Península Ibéria, e no que se refere ao transporte ferroviário (cujo preço será em breve imbatível quando comparado com o dos TIR), há uma exigência especial e suplementar: precisam de aceder simultaneamente a redes de bitola ibérica e a redes de bitola europeia (1) —sem o que perderão posição para portos próximos que ofereçam esta facilidade. Por exemplo, se os portos de Sines e de Setúbal continuarem limitados, como actualmente estão, à bitola ibérica, o mais certo é vermos no futuro os super Panamax dirigirem-se para os portos de Huelva ou de Algeciras ("uno de los más importantes de España y de mayor crecimiento del mundo, particularmente en cuanto a tráfico de contenedores"), onde então, se a manobra da Mota-Engil triunfar, o grosso das cargas e descargas intercontinentais será realizado, tornando os principais portos de águas profundas portugueses em plataformas subsidiárias, ou de mera cabotagem!

A solução que nos convém (2) é simples: basta ligar, aproveitando o espaço-canal existente, os portos de Sines e de Setúbal, com vias únicas de bitola europeia, ao Poceirão, por onde passará a futura ligação ferroviária de Alta Velocidade entre Lisboa e Madrid —na realidade, entre Lisboa e a segunda maior rede de Alta Velocidade do mundo, actualmente com 2600 Km ao serviço de passageiros e mercadorias, que acaba de se ligar a França por Barcelona, mas que antes de 2020 terá três portas de saída/entrada para a Europa: País Basco, Pirinéus e Catalunha.

A solução menos cara e mais lógica, traçada a negro.
Olhando para o mapa que risquei sobre a informação da degenerada empresa pública Refer, torna-se evidente que a solução defendida pelo governo (uma nova linha em bitola ibérica entre Sines e Badajoz, e duas estações ferroviárias em Évora!) serve apenas o interesse preguiçoso da Mota-Engil. O que esta empresa dirigida pelo "socialista" Jorge Coelho pretende é fácil de explicar: transformar o Poceirão numa alfândega entre bitola ibérica e bitola europeia!

Ou seja, as mercadorias que chegam a Setúbal e Sines, ou saem de Sines e Setúbal, terão que sofrer uma ruptura de carga, com pelo menos uma hora de transbordo, na plataforma-alfândega do Poceirão. Ou seja, em vez da circulação de uma, duas ou mesmo três centenas de comboios de mercadorias por dia, entre os estratégicos portos portugueses de águas profundas e a Espanha e resto da Europa, teremos, no máximo, dez comboios diários! Cada frete ferroviário, por sua vez, por causa do tal transbordo que o Coelho da Mota-Engil impôs ao governo, custará em média mais 30% do que um frete racional. É de tal modo estúpido este esquema aninhado à mesa do Orçamento, que o resultado só poderá ser um: o valor estratégico potencial dos portos de Setúbal, e sobretudo de Sines, será capturado pelos portos de Huelva e de Algeciras. Perante tanta cegueira e ganância de curto-prazo por parte da caldeirada lusitana, os espanhóis da Moncloa e da Zarzuela só podem rir-se a bandeiras despregadas e esfregar as mãos.

A miopia da Mota-Engil, obcecada com o ganho fácil e rápido, como se estivesse a assaltar uma casa-forte (de facto está) é sobretudo grave, para não dizer criminosa, porque coloca literalmente em causa o futuro estratégico dos portos de Sines e de Setúbal enquanto portas naturalmente privilegiadas de ligação do emergente Brasil, dos Estados Unidos, do Japão e da China à Europa!


POST SCRIPTUM

A empresa pública espanhola Administrador de Infraestructuras Ferroviarias (ADIF), concreta e oficialmente desmente o Governo e a RAVE. O Governo português dizia que só daqui a 30 anos a Espanha se ligaria, em bitola europeia, à União Europeia — e que por ser assim, afirmavam, as ligações a Espanha teriam que ser realizadas usando a velha bitola ibérica. Este era, aliás, o único argumento que justificava o negócio da Linha Sines-Badajoz em bitola ibérica, a favor exclusivamente da preguiçosa e corrupta Mota-Engil. A obra que foi insidiosamente posta em marcha perante a miopia alegre do parlamento e dos seus ridículos personagens. Mas a democracia tem o poder e o dever de parar o que é manifestamente inaceitável. Espero que se faça!
Os contentores há muito que viajam entre Sines e Madrid via Sines-Vendas Novas-Entrocamento-Abrantes-Madrid. Logo, nada justifica uma segunda linha em bitola ibérica para fazer o mesmo serviço. Pelo contrário, basta ligar Poceirão aos portos de Sines e Setúbal, construindo duas novas vias únicas em bitola europeia que Sines-Badajoz, para não desperdiçar completamente as vantagens evidentes que os portos de Sines e Setúbal — o que acontecerá se a decisão corrupta do governo "socialista" se concretizar.

Após o minuto 3 do vídeo fala-se da 1ª linha de AV mista para mercadorias e passageiros. No final há um mapa. A rede UIC (bitola europeia) irá ao longo do Mediterrâneo até Algeciras.

NOTAS
  1. Como será efectuado o transporte de contentores para Espanha e resto da Europa (e vice-versa) tendo em conta que os portos de Sines e Setúbal estão desligados da Rede ferroviária de bitola europeia, que em breve chegará a Badajoz-Elvas (mais precisamente ao Caia)?
    Migrar as plataformas de bitola ibérica para bitola europeia é totalmente impossível no eixo Norte-Sul. Não construir ao lado das actuais vias únicas em bitola europeia que ligam os portos de Setúbal e de Sines ao Poceirão, uma via única em bitola europeia ligando cada um destes portos ao Poceirão é um verdadeiro crime económico, e os seus responsáveis, a comprovar-se o crime, deveriam pagar pela sua ganância sem limites nem moral. Como argumenta Rui Rodrigues, "O Governo ainda não percebeu que Portugal vai precisar de duas redes ferroviárias independentes (ibérica e europeia), mas com estações, portos e plataformas logísticas comuns.
  2. Escrevemos noutro postal, com base em fontes bem informadas, que o governo depenado de Sócrates estará a preparar sorrateiramente um arremedo do género: bitola ibérica de Lisboa a Évora e nova linha em bitola europeia de Évora ao Caia. O porto de Setúbal ficaria ligado pela existente bitola ibérica até Évora via Poceirão, e o porto de Sines teria uma nova linha (500M€) até Évora. Em Évora, das duas uma: ou os contentores fariam longas bichas de espera para mudar de comboio (de bitola ibérica para bitola europeia), ou então encolheriam os eixos por forma a entrar na nova linha de bitola europeia entre Évora e Caia — o que significa material circulante novo e adaptado a esta solução. Sabe-se, no entanto, que o governo falido de Sócrates, por conveniência do senhor Jorge Coelho e da Mota-Engil, se prepara para ter duas estações ferroviárias em Évora — uma para o "TGV" e outra para o trânsito em bitola ibérica! Para além do mal que isto cheira, se se concretizar, então só uma das duas hipóteses mencionadas será certa. E qual é? Pois a do transbordo de contentores entre plataformas!! Ou seja, Poceirão e Évora serão duas novas vacarias ao serviço do oligopólio Mota-Engil, contra toda a racionalidade, contra os interesses elementares da economia portuguesa, e desafiando ainda as mais elementares providências em matéria de transparência democrática e luta contra a corrupção.

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