domingo, junho 01, 2008

PPD-PSD-10

Decisões difíceis

A vitória tangencial de Manuela Ferreira Leite nas eleições directas do PPD-PSD deixou o partido dividido em três bocados, agora mais evidentes e consolidados que nunca: o bocado populista (Santana Lopes e Menezes), o bocado neoliberal (Passos Coelho, Relvas, Marco António) e o bocado social-democrata (Manuela Ferreira Leite e... Cavaco Silva!)

O primeiro problema que Manuela Ferreira Leite vai ter que enfrentar é o da ameaça de turbulência, ou mesmo de separatismo, por parte dos populistas de norte a sul do país. O segundo problema será o presente envenenado que uma excessiva solicitude de Pedro Passos Coelho poderá representar para o aproveitamento da janela de oportunidade que se abriu, por breves momentos, com esta sua vitória. Na realidade, se quiser levar o PSD a vencer José Sócrates, Manuela Ferreira Leite deverá evitar subtilmente estes obstáculos iniciais. Terá, no entanto, que estar preparada para uma provável cisão do PPD-PSD, antes ou depois das eleições legislativas de 2009. Tudo dependerá da natureza e intensidade das feridas abertas nas últimas semanas, e ainda da evolução da crise aberta no PS pelas mais recentes e quase simultâneas iniciativas de Mário Soares e Manuel Alegre.

Como observava um amigo meu, a moção de censura avançada pelo PP poderá ter sido combinada com José Sócrates, visando criar uma oportunidade inesperada para este se demitir, forçando Cavaco Silva a antecipar as eleições. Bastaria para isso que toda a Oposição votasse a favor da moção e alguns deputados socialistas se ausentassem para tomar café. Não sei se a coisa é verosímil, mas que o actual primeiro ministro anda desesperadamente à procura de uma saída para a agonia longa e humilhante que o espera, disso não tenho dúvidas. Na realidade, se isto fosse possível, nem Manuela Ferreira Leite teria tempo para derrotar Sócrates, nem este teria que temer a conspiração aberta contra si por toda a esquerda portuguesa, incluindo os socialistas que existem e dão nome ao partido que o levou ao poder. Por fim, a actual conjuntura aponta para a extinção eleitoral pura e simples do PP, mas se houvesse um golpe de rins semelhante ao descrito, o "partido do táxi" ganharia ainda mais uns anos de vida.

Prefiro, no entanto, olhar para os próximos dois ciclos legislativos que previsivelmente se sucederão: 2009-2012 e 2013-2016. O que vejo não é nada bom. A crise energética mundial vai continuar a agravar-se (bye bye NAL de Alcochete!); a crise financeira continuará indomável (bye bye TTT Chelas-Barreiro!); a crise alimentar tenderá a piorar à medida que aumentar a produção dos agro-combustíveis; o descalabro ecológico estará longe de ser mitigado. Ou seja, Portugal, cuja classe média tem vindo a desaparecer a um ritmo fulminante, estará em piores lençóis do que hoje e por conseguinte mais do que disponível para acolher alternativas populistas ao apodrecido presente político-partidário. O surgimento de novos partidos tem pois o caminho aberto, antes ou depois das próximas eleições legislativas.

Não faz sentido, a não ser por pura cobardia política, vermos os populistas do PPD agora derrotados permanecerem hipocritamente num partido que precisa urgentemente de cortar a ligação siamesa existente entre o PPD e o PSD, para assim poder dar lugar a duas formações ideologicamente mais bem delimitadas e com lugar seguro numa refundada geometria eleitoral. Quanto ao PS, passa-se algo semelhante. Socialistas e neoliberais disfarçados não podem continuar a conviver com a mesma rosa ao peito. Onde votarão Mário Soares e Manuel Alegre nas próximas eleições? Responder a esta pergunta é dizer que algo decisivo irá acontecer proximamente na esquerda portuguesa. Tomar as declarações de Mário Soares e as iniciativas de Manuel Alegre e de Francisco Louçã como meras manobras tácticas para enganar algumas dezenas de milhar de eleitores ingénuos em 2009 seria um erro de avaliação crasso. O eleitorado de esquerda não irá dar um voto que seja ao pinóquio que nos governa, sobretudo depois de o maior partido da oposição ter eleito para sua líder uma social-democrata declaradamente preocupada com a crise social estrutural que temos pela frente, por tempo indeterminado. Não me admiraria nada que a tríade de Macau estivesse a pressionar José Sócrates para fazer alguma coisa...


OAM 373 01-06-2008, 01:01

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