quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Tempos de ira

O Egipto não está assim tão longe.... 




A minha equação é esta: quando os avós virem as suas reformas perder 30, 40, 50% do poder compra que tinham em 2007 e os pais entrarem no exército do desemprego de longa duração, os netos que hoje vivem em casa dos pais ou dos avós, sairão à rua... e aí creio que os avós, pais e netos expoliados, desiludidos e furiosos deste país farão uma nova revolução. Os que hoje monopolizam a cena pública irresponsavelmente, sem uma réstia de ética, nem ponta de coragem —do parlamento às televisões, rádios e jornais; das secretarias de estado aos municípios e agências governamentais; dos bancos e oligopólios públicos e privados encostados à democracia burocrática e populista que se foi instalando nos últimos trinta anos— não digam, quando este tempo de ira chegar, que não sabiam, nem foram avisados. Estão avisados!



Paulo Portas é um homem inteligente agarrado a uma causa serôdia. Não percebeu, durante muitos anos (lembro-me do tempo em que eu escrevia no Independente e nos mantínhamos a uma cordial distância), que ser conservador em Portugal meio século depois de um regime defensivo, anti-democrático e culturalmente reaccionário que acabaria por cair de podre no momento em que julgou poder "liberalizar-se", não implica abraçar os fantasmas da segurança e do moralismo reaccionário e hipócrita dos tempos clericais e monárquicos. Bastava olhar para a Holanda, ou para o Reino Unido, digo para os partidos conservadores desses lugares, para perceber que não só é possível, como aliás é vital para a sobrevivência da democracia, a existência de uma direita laica e arejada no nosso país. Sem uma direita pragmática, ideológica por razões de estratégia e não por empenhos de conveniência, construtiva e aberta à sociedade, o resultado foi o que está à vista: a ocupação burocrática da democracia por um bloco central de interesses, estúpido e ganancioso, apoiado nos cadáveres surrealistas de Marx.

Mas depois do que Paulo Portas disse a Mário Crespo no dia 31 de Janeiro, o debate político vai necessariamente mudar. Por um lado, o buraco do nosso endividamento é pela primeira vez reconhecido sem subterfúgios por um líder partidário. Por outro, Portas reconhece, também pela primeira vez, que sem uma abertura dos partidos à sociedade democrática que vive e sofre fora do círculo protegido pela nomenclatura partidária (65% do eleitorado!), o regime corre sérios riscos de explodir — e não num horizonte demasiado longínquo. Quando fala de uma "sociedade pós-partidária", Paulo Portas revela sensibilidade política. Resta-lhe daqui em diante arrumar as ideias num programa claro, realizável e sem teias no sótão cultural, impeditivas, como está completamente provado, de uma maior adesão popular ao crescimento deste partido.

Mas o mais importante desta entrevista é a sua proposta da reforma do regime. Que pensam Manuel Maria Carrilho, António José Seguro ou Francisco Assis, disto? Que pensa Pedro Santana Lopes desta ideia? Será aceitável, do ponto de vista democrático, assistirmos à entronização do senhor Sócrates no próximo congresso do PS? Que autoridade poderá depois invocar qualquer socialista que agora nada faça para desafiar o pedestal de onde inevitavelmente cairá o actual e imprestável líder "socialista"? E poderá o PP crescer rapidamente sem o PPD de Santana Lopes?

Quando vejo o Mubarak resistir à sua saída do poleiro, o fantasma da política portuguesa e sobretudo a figura cada vez mais caricata de Sócrates surgem inevitavelmente como sombras projectadas de um futuro mais previsível do que queremos e tememos.

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