Corruptus Lusitanus
Enquanto não virmos um político, um banqueiro, dois ou três presidentes de câmara e um ou outro alto dirigente do futebol na cadeia, o nosso País não acredita que a Justiça seja igual para todos. Foi também assim em Espanha, até que os casos Filesa, Rumasa, Banesto, com o rol de personalidades a contas com a Justiça —Jesús Gil y Gil (alcaide de Marbella e dirigente do Atlético de Madrid), Luís Roldán (antigo chefe máximo da Guardia Civil), Mario Conde (o mais famoso banqueiro e yuppy da España durante a primeira era PSOE) e Mariano Rubio (nada mais nada menos do que o governador do Banco de Espanha, apanhado nas malhas do caso Iberdrola)— mudaram a percepção pública da efectividade da Lei na monarquia espanhola.
Eu vivia na Corunha quando um famoso humorista e uma não menos famosa cantante, ambos adorados pelos respectivos públicos, foram entalados publicamente pela Hacienda, por causa dos milhões de pesetas devidos ao fisco. E também assisti ao diz que diz sobre a intocabilidade de gente tão rica e poderosa como era então Mario Conde (que acabaria por ver a sua pena de prisão agravada de 10 para 20 anos). As coisas mudaram de facto. O que não significa que a corrupção e as facilidades fiscais se tenham esfumado de vez no país vizinho. Mas que o cutelo da Justiça pode mesmo cair sobre o pescoço de qualquer cidadão (salvo o Rei, creio) independentemente da sua notoriedade institucional, pode, pode!
Em Portugal, a abundância de casos que, tresandando a corrupção e impunidade, dizem respeito a políticos profissionais, ou agora, a poderes fácticos só aparentemente acima de toda a suspeita (a banca e os seus impenetráveis fundos de investimento), está, de facto, a apodrecer o país. Sucede que quem tem as polícias e os juízes nas mãos é o Partido Socialista, ou melhor dito, algumas pessoas desse partido respeitável. No caso da Justiça, o chamado episódio de Macau seria suficiente, em qualquer democracia digna desse nome (por exemplo, e apesar de tudo, nos Estados Unidos), para levar o respectivo ministro a demitir-se. Temo bem que entre nós o caso seja abafado por uma série de cortinas de fumo acenadas com muita determinação pelo nosso Primeiro. É pena, e um sinal preocupante de que afinal os juízes sempre têm razões de sobra para afirmar que a sua greve é uma forma de defender o prestígio e a independência da sua função de soberania.
O nosso Estado caminha a passos largos para a insolvência. Em breve, depois de ter vendido não apenas as jóias, mas boa parte da propriedade pública mais inalienável (os baldios municipais, a água e a luz), entregar-se-à, como qualquer vulgar toxicodependente, à espiral dos impostos directos e indirectos. Tudo isto acontecerá no meio de uma balbúrdia crescente de casos e contra-casos policiais, fogos postos, raptos, chantagens e o mais que se verá. Não é demais lembrar, antes de chegarmos a este previsível coma terminal, o que sucedeu um dia aos habitantes da ilha de Páscoa, ou o que está neste momento a suceder aos pobres habitantes do Zimbabué do Sr Mugabe. Talvez seja mesmo o momento de saber com que políticos podemos contar.
O-A-M #95 30 Out 2005
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