Turquia; praia de Damlatas depois da tempestade, 2006 (Foto:Eugenio Hackbart). |
Que Europa queremos?
A presidência portuguesa da União Europeia teve início no passado dia 1 de Julho e decorrerá até ao fim de 2007. As prioridades definidas pelo governo de maioria socialista, dirigido por José Sócrates, são as seguintes:
1 - Reforma dos tratados.
O objectivo desta reforma é conseguir a aprovação, por parte de todos os governos da União, e até ao fim do corrente ano, do novo documento-base da identidade europeia. O conteúdo do novo documento, intensamente negociado durante a presidência alemã, retoma 80% do conteúdo do tratado constitucional chumbado em 2005 pelos referendos da França e da Holanda. Ficam de fora os símbolos e porventura algo mais: a dinâmica federalista (1), a possibilidade de uma política externa realmente comum e a criação de umas forças armadas europeias sob comando unificado. Quanto à divergência entre os defensores do referendo e o pragmatismo de caminhar para uma solução negociada entre os governos, creio que o melhor ângulo para ver tal questão com clareza é este: quem não está interessado no avanço deste capítulo do projecto europeu? Eu respondo: os Estados Unidos, o Reino Unido e alguns países traumatizados pelo estalinismo. Dá outra vez que pensar...
2 - Início de cimeiras regulares entre a Europa e o Brasil.
Sendo o Brasil uma das potências emergentes da actualidade, com um enorme potencial energético e alimentar, compreende-se a aplaude-se a iniciativa portuguesa de colocar este país-continente nas prioridades da política de alianças europeia. Uma boa aposta da presidência portuguesa, porventura menos complexa do que a iniciativa promovida pela Espanha relativamente aos países americanos outrora colónias espanholas.
3 - A realização da primeira Cimeira Europa-África dos últimos sete anos.
Não deixa de ser irónico que esta iniciativa possa vir a ser prejudicada pelas teias neo-colonialistas que ainda prendem o Reino Unido à sua antiga colónia, o Zimbabué -- o território que outrora, conjugado com o que viria a ser a Zâmbia e o Malavi, fizera parte do tristemente célebre Mapa cor-de-rosa. Outro factor que poderá perturbar a cimeira é a anunciada interdição dos voos da TAAG sobre o continente europeu. Terá a TAP aviões suficientes para colmatar tamanho buraco?
4 - Retomar a discussão da adesão da Turquia à União Europeia.
A França diz que a Turquia não pertence à Europa. Mas toda a gente sabe que pertence à Eurásia. E é precisamente a Eurásia que preocupa os norte-americanos, pela negativa, e deveria motivar os europeus pela positiva, pois é a única geografia que pode garantir um certo equilíbrio entre as placas tectónicas da globalização. A Turquia, tal como os países do norte de África, pela sua proximidade geográfica, e ainda por factores ideológicos com os quais teremos que aprender a conviver, não podem ficar fora de um desenho sábio da nova coerência geo-estratégica europeia (2).
5 - Obtenção de um consenso europeu sobre o Cosovo.
Em que sentido? No da independência do Cosovo, como querem os falcões dos EUA? Mas sob que pretexto? Se a Europa concordar com a secessão do Cosovo, que argumentos lhe restam depois para impedir a independência do País Basco, da Escócia ou dos Flamengos da Bélgica?
6 - Coordenação das políticas europeias e reactivação da Agenda de Lisboa.
Não podemos estar mais de acordo com este item da agenda. Mas Portugal tem que começar por fazer, neste particular, o seu próprio trabalho de casa!
Os europeus andam muito desconfiados da burocracia e dos directórios confortavelmente sentados em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. Até agora têm assistido a uma corrida desenfreada do capitalismo em direcção à concentração, à maximização dos lucros e à globalização. Em contraponto indesejável a este liberalismo radical, têm igualmente assistido à desintegração paulatina dos seus direitos e conquistas sociais. Esta equação é insustentável e tende a tornar-se explosiva. Veremos em breve, muito provavelmente antes do fim do corrente ano, o que nos trará a iminente hecatombe da economia americana.
Uma trégua para José Sócrates? Se tudo dependesse da agenda da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, com certeza! Mas o busílis da questão é que não depende...
Notas
1 - Adriano Moreira tem vindo a chamar a atenção para o perigo de, embrulhado com o federalismo, vir associado, sem que os povos da Europa disso se dêem conta, um directório com poderes e direitos especiais. Estou de acordo com ele quando afirma que tal hipótese seria uma desastre para o projecto europeu. Para se ter uma ideia do tamanho do desastre, Adriano Moreira cita o caso da inoperância da ONU e das asneiras e injustiças que o respectivo Conselho de Segurança tem levado a cabo ao longo dos últimos cinquenta anos. Que o peso demográfico dos estados se traduza no peso político relativo dos mesmos, parece-me lógico. Mas que daí decorram direitos especiais ou coutadas de acesso reservado, vai uma distância intolerável.
2 - Neste ponto não estou de acordo com o mesmo Adriano Moreira, que prefere ver a Turquia como uma almofada entre a futura federação europeia e o Islão, comparando-a a Marrocos e aos demais países da África mediterrânica. Na minha opinião, um tal defensismo estratégico apenas atrasará o difícil e longo caminho do Islão em direcção à democracia. Se, pelo contrário, ousarmos abrir as portas da Europa a uma Turquia democrática e laica, ganharemos um inestimável aliado da paz que a todo o custo deveremos procurar obter de novo entre todos os países que bordejam o Mediterrâneo.
OAM #221 01 JUL 2007
2 comentários:
E que dizer do Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso?
Durão Barroso - um indivíduo com as mãos sujas de sangue
Bravo
Artigo reproduzido em
http://www.somosportugueses.com/modules/articles/article.php?id=198
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