Rede espanhola Alta Velocidade ferroviária. Falta conhecer o que querem os indecisos lusitanos. |
Depois da Ota, em que ficamos?
Um passeio pelo Norte acompanhado de reflexões estratégicas.
Dei a conhecer uma parte do norte do país a uns velhos amigos galegos da Corunha. O primeiro cartão de visita gastronómico, depois das Imperiais e Tapas da praxe no Lais de Guia, uma das melhores esplanadas que conheço para gozar um pôr-de-Sol outonal, foram as Douradas e os Linguados frescos, acompanhados pelo tinto transmontano da Adega Cooperativa de Freixo de Espada à Cinta (Montes Hermos), alegremente consumidos no Salta o Muro, acolhedor, barato e muito estimado restaurante de Matosinhos. Se a ASAE intentar algo de mau contra este exemplar maior do nosso património de hospitalidade e bem confraternizar sob os auspícios de Baco, contem comigo para umas pauladas no fumador do Casino da tríade!
Um passeio a pé pela avenida da praia, espreitando as obras e os preços dos apartamentos à venda, antecedeu o percurso automóvel pela marginal Norte da foz do rio Douro até ao remodelado cais de Gaia, que viria a encerrar com chave de ouro uma manhã surpreendente.
Seguimos depois para Cinfães do Douro pela velha estrada marginal, cheia de curvas e aceleras malucos, mas belíssima como dantes. Pena foram os desvios forçados e sem aviso pelas obras que ainda decorrem à volta das duas novas pontes de Entre-os-Rios. Como sempre, a sinalização ausente permanece uma marca distintiva dos idiotas que pontificam nas Estradas de Portugal e um típico sinal de indolência da maioria dos autarcas. Enfim, por entre buracos e curvas apertadas, lá chegámos à Casa do Lódão, situada numa pequeníssima e muito antiga aldeia chamada Boassas, a meio caminho entre Porto Antigo e a vila de Cinfães. Um dos bons projectos de turismo rural da região, como que anunciando uma vocação em pleno desenvolvimento, de que há que destacar a Estalagem Porto Antigo, a Quinta de Ventuzela e o futuro Douro Palace Hotel em Santa Cruz do Douro, Baião. Chegámos já ao fim da tarde. Inspeccionámos a casa de caseiros remodelada onde iríamos passar duas noites e duas manhãs, o jardim, a quinta e as soberbas vistas sobre o rio Bestança, um dos poucos que até hoje sobreviveu à voragem hídrica do país.
O jantar no restaurante O Meu Gatinho, situado na horrenda zona nova da vila de Cinfães (só lá vou à noite!), faria as honras de encerrar o primeiro dia desta escapadela por entre terras do Douro Litoral e Vinhateiro. Pataniscas de bacalhau para acompanhar as clássicas Imperiais de abertura. Enquanto esperávamos pelo Polvo à Lagareiro e pelos Nacos e Postas de Vitela Arouquesa, abriram-se e puseram-se a arejar duas garrafas de tinto Churchill Estates 2004, enquanto íamos elogiando o Grande Porto, sobretudo a sua nova rede de metro (com estações desenhadas por Eduardo Souto Moura) e o remodelado Aeroporto Sá Carneiro (3.986.748 passageiros em 2007), a robustez da respectiva estrutura urbana, o Funicular dos Guindais e os novos ícones arquitectónicos da cidade: Casa da Música (Rem Koolhaas), Museu de Serralves (Siza Vieira), a Torre Burgo (Eduardo Souto Moura). A Mousse de Limão e um fofinho bolo de chocolate muito húmido fizeram ainda companhia ao Churchill que resistiu durante toda a degustação, apesar do depósito algo irritante detectado numa das garrafas. Claro que o café, num tão fino e inesperado restaurante, só poderia ser bom e adequadamente tirado. Pedi duas Italianas rigorosamente curtas. Souberam-me pela vida. Como sempre faço, reservei meio copo de tinto para o fecho definitivo do pequeno banquete. Resistiu!
O dia seguinte foi dedicado a uma visita à Quinta de Ventozelo, em São João da Pesqueira, responsável pela produção de dois notáveis Vinhos do Porto, o Tawny Reserva e o Vintage, além de um dos meus vinhos correntes, o tinto Cister da Ribeira, e do recomendado tinto Vinzelo 2005, que mereceu em 2007, tal como o Churchill bebido na noite anterior, uma merecida recomendação "TOP VALUE" do Wine Spectator. Um 4R levou-nos pelos estreitos socalcos das vinhas, feitos do interminável xisto da região. A paisagem, sobretudo no Inverno, quando as plantas despidas deixam ver as cicatrizes do labor humano naqueles solos montanhoso, é impressionante. Com imenso respeito acedemos aos lagares onde as uvas são pisadas, primeiro por homens, e depois por mulheres, durante três dias seguidos. Nada de "Robots"! Que os há para este efeito, mas ainda sem a fina sensibilidade das palmas dos pés humanos, que detectam a mais pequena grainha e aliviam instantaneamente a pressão da pisa, evitando que o esmagamento das sementes aumente desnecessariamente o tanino do vinho. No gabinete de prova, onde centenas de copos com anotações se arrumam por prateleiras e por um balcão em L, fomos convidados a provar quatro tintos: Vinzelo 2005, Cister da Ribeira, Quinta de Ventozelo DOC 2000 e o monovarietal Touriga Nacional. Seguimos depois para a adega onde se envelhecem os Portos. Provámos o Ruby Reserva, o Tawny Reserva, o Late Bottled Vintage (LBV) e o Vintage, ouvindo atentamente as explicações da responsável pelas relações públicas da quinta. Com calma e muito agradecimento, depois de adquiridas algumas garrafas, partimos para um almoço na Casa Regional O Forno, em São João da Pesqueira. Alheiras tradicionais com grelos, cabrito, anho, arroz de forno e vinho da região, mais águas, leite-creme e cafés deixaram-nos arrumados para a viagem de regresso a Cinfães.
A manhã do dia seguinte serviu para passeios e visitas locais, ao Penedo de São João, às campas neolíticas a céu aberto, e a algumas quintas particulares. Durante estes passeios falou-se do Noroeste peninsular: a Galiza e o Norte de Portugal somam mais de 7,7 milhões de habitantes, i.e. uma inter-região bem maior e mais populosa do que a Catalunha!
Os aeroportos galegos têm (não havia pensado nisso) um inconveniente: servem cidades que não chegam a ter, nenhuma delas, 1/3 da população do Grande Porto, e a maioria das ligações destinam-se a cidades espanholas, pelo que exceptuando as Low Cost e uma ou outra companhia de bandeira estrangeira, os voos internacionais são monopolizados e centralizados pela Ibéria, e os que interessam à Galiza passam todos pelo hub de Madrid!
Ou seja, com as actuais vias rápidas rodoviárias e as prioridades já assentes na prossecução dos projectos da Alta Velocidade ferroviária (Ferrol - Corunha - Santiago - Vigo; Corunha - Lugo - Ourense - Vigo; Vigo - Viana do Castelo - Porto), o Porto-região, com o seu aeroporto a crescer a 17,2% ao ano, está a tornar-se na grande plataforma da mobilidade rápida e pólo económico e cosmopolita do Noroeste peninsular! A ligação ferroviária de Velocidade Elevada, para passageiros e mercadorias, entre Vigo e Porto, é pois a mais importante prioridade estratégica para o desenvolvimento do Norte do país e da própria Galiza, dando de barato que o aeroporto Sá Carneiro irá conseguir tirar todo o partido das suas extraordinárias potencialidades.
A este respeito, duas reivindicações parecem lógicas, à vista, e inteiramente justas:
- a redefinição das funções da ANA (separar o controlo aéreo e navegação, da administração aeroportuária) e a partição da ANA-aeroportos em três entidades autónomas (Algarve; Alentejo, Lisboa, Centro e Ilhas; e Porto-Norte)
- a expansão do Taxiway do aeroporto Sá Carneiro, por forma a permitir mais movimentos do que actualmente; e a instalação do necessário equipamento de ajuda à aproximação às pistas, ainda escandalosamente em falta (ILS).
Regressei à capital. Alcochete é porventura a única resposta à altura do desafio criado pelas Low Cost no Porto e pela lógica ponto-a-ponto intercontinental a introduzir brevemente pelas actuais companhias Low Cost com o novo Boeing 787 Dreamliner. O desafio é também, necessariamente, ibérico: Lisboa, Madrid, Porto e Barcelona serão, se não formos burros, as quatro grandes plataformas aeroportuárias da Península. Faz sentido um novo e grande aeroporto vocacionado para o Atlântico, para a África e para a Ásia, especializados em ligações ponto-a-ponto? Se o pico petrolífero assim o permitir (o que duvido), sim! Mas até que tal sonho tenha pernas para andar, seria uma estupidez fechar a janela de oportunidade que as Low Cost estão dispostas a abrir desde já na capital do país. A recomendação continua pois a ser a mesma de há muito: reformar a Portela com pés e cabeça; activar o Montijo com custos mínimos se for preciso reforçar a Portela antes de 2013; e finalmente avançar com a opção do Campo de Tiro de Alcochete se o impacto da crise energética não tiver entretanto forçado a pensar noutros paradigmas de transporte e mobilidade.
Mas a par da correcção da actual política aérea, teremos que não perder um minuto na redefinição estratégica do modo de transporte ferroviário (1) para pessoas e mercadorias, nem na salvaguarda e adaptação agressiva dos portos de mar aos tremendos desafios que aí vêm. A multimodalidade e o espírito de rede (de redes fluídas não hierarquizadas, ou seja, o contrário da filosofia centralista dos hubs) é o segredo da competitividade futura. Quanto às estradas, há que reduzir os investimentos ao estritamente necessário: ligação Lisboa-Beja-Sevilha, e pouco mais (fazendo de vez frente ao pouco sofisticado e chulo lóbi da rodovia).
Uma nota final sobre as compensações à zona do Oeste. Basta olhar para o mapa da Alta Velocidade/Velocidade Elevada, para o mapa dos Itinerários Principais rodoviários e para a pujança do desenvolvimento na Ria de Aveiro (por contraposição à estagnação burocrática de Coimbra) para decidir sem hesitação onde deverá nascer um aeroporto de apoio à região e complementar dos aeroportos internacionais de Lisboa e Porto: Aveiro! Não se perca tempo e avance-se rapidamente e em força para uma pista com 3600 metros de comprimento e 60 metros de largura no lugar onde o futuro AVE Aveiro-Salamanca ancorar a sua estação.
NOTAS
- Mas para isto é preciso refundar a REFER e prender alguns ladrões! Alfobre de financiamentos partidários escandalosos camuflados e nunca investigados a sério, antro de roubalheira e incompetência sem fim, esta empresa pública só poderá cumprir os exigentes desafios que tem pela frente se for objecto de atenção pública minuciosa e exigente. Estações como as de Castanheira do Ribatejo (às moscas), ou Braga: vinte milhões de contos enterrados num beco sem saída, incapaz de se ligar ao AVE que virá de Vigo, já para não voltar às enormidades feitas na Linha do Norte, são alguns dos exemplos de bradar aos céus que não podem voltar a repetir-se. Caro dromedário-mor do reino, estaremos muito atentos!!
OAM 309 23-01-2008, 03:05 (actualização 11:52)
1 comentário:
Vejo que gostou muito do passeio pelo Douro. Aqui deixo uma sugestão para quando cá voltar: visite a Casa do Lavrador e se trouxer um grupo de amigos sugriro que reserve, previamente, um jantar neste museu etnografico. A Casa do Lavrador fica em Santa Cruz do Douro, Baião. Para mais informações pode consultar http://www.acrsantacruzdouro.org/
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