segunda-feira, maio 26, 2008

Petroleo 16

Refinaria da GALP, Sines
GALP, Refinaria de Sines. Para onde vai a gasolina refinada em excesso?

Cartel, ganância e falta de regulação

O mundo caminha para uma mutação dramática do seu modelo energético. Deixaremos em breve o paradigma do desenvolvimento e do progresso assentes na afluência de energias baratas. Vale a pena ler, a este propósito, The Oil Depletion Protocol, proposto à discussão por Richard Heinberg. No mundo que espreita ao virar da esquina teremos que saber redefinir drástica e corajosamente o sentido da vida e as nossas metafísicas. - in O António Maria, 01-12-2005.

O facto de a especulação petrolífera ser um fenómeno geral nos países que privatizaram e liberalizaram este negócio (mas não na Rússia, nem na China, nem no Irão, nem nos Emiratos Árabes Unidos, nem na Venezuela...), não impede que desmontemos os estratagemas da formação dos lucros escandalosos e ilegítimos da GALP e demais fornecedores de gasolina e gasóleo a operar no nosso país. O economista Eugénio Rosa, do PCP, fê-lo de forma clara e sucinta em dois documentos, respectivamente publicados em março e maio deste ano.

No essencial, ficamos a saber três novidades muito importantes, e que deveriam ser as principais bases de interpelação ao governo:
  1. que os preços do gasóleo e da gasolina produzidos em Sines são, antes de lhes serem aplicados quaisquer impostos, mais caros em Portugal do que na média da União Europeia a 15 (UE15);
  2. que os preços destes produtos, depois de lhes serem aplicados os impostos e taxas, continuam a ser mais caros no nosso país do que na média da UE15, não só porque os produtos refinados em Sines saem mais caros, mas ainda porque a nossa fiscalidade energética (e em especial petrolífera) é em regra mais gravosa que a da média da UE15;
  3. que pelo menos a GALP especula com a subida dos preços do crude, tendo ficado demonstrado já que essa especulação lhe valeu um sobre-lucro de 21 milhões de euros no primeiro trimestre de 2007, e um sobre-lucro de 69 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano. Ou seja, o tal "efeito stock" -- i.e., "a diferença entre o preço a que a GALP adquiriu o barril de petróleo, muito mais baixo porque foi comprado cerca de 2,5 meses antes da sua utilização, e o preço a que depois foi considerado para cálculo do preço de venda de combustíveis aos portugueses" (Eugénio Rosa) -- traduziu-se, entre o primeiro trimestre de 2007 e o primeiro trimestre de 2008, num aumento dos sobre-lucros de 286% !
Se pensarmos que um dos factores de produção que influi na formação do preços finais dos carburantes (refinação, transporte, distribuição, gestão e publicidade) advem dos salários de quem trabalha na GALP e para a GALP, os quais, à excepção das remunerações dos altos funcionários da empresa, correspondem a metade ou mesmo menos de metade da factura social das demais congéneres europeias, ninguém consegue entender como podem o gasóleo e a gasolina, antes de qualquer imposto, custar mais em Portugal do que na França, na Alemanha, no Reino Unido e na média dos países da UE15!

Sabendo-se, por outro lado, que a refinação do crude gera, por exemplo, mais gasolina daquela que conseguimos consumir, e que portanto um tal excedente é vendido a terceiros países (nomeadamente aos Estados Unidos), sempre gostaríamos de saber a que preços saem as gasolinas de 95 e 98 octanas para tais clientes.

Provada a actividade especulativa da GALP (enfim falta que a famigerada entidade reguladora e fiscalizadora o faça!), não resta outro caminho democrático que não seja aplicar a lei ao que não poderá deixar de ser considerada uma actividade ilícita, danosa para o país e sobretudo reveladora da mais escandalosa insensibilidade de um monopólio onde o Estado português está presente com uma participação acumulada significativa: Parpública - Participações Públicas (SGPS), S.A. - 7%; e Caixa Geral de Depósitos, S.A. - 1% .

Para além deste aspecto do problema -- o preço antes de impostos é descaradamente abusivo e especulativo --, temos ainda que atacar a questão da fiscalidade.

O Estado precisa de dinheiro. Pois precisa... Resta saber para fazer o quê!
A fiscalidade imposta aos carburantes tem servido ao que parece para financiar o descalabro das SCUTs. Se o petróleo estivesse a 20 euros, com tendência para descer, ainda se poderia equacionar a ideia de usar o ISP para continuar a financiar as nossas redes de estradas e auto-estradas. Mas no panorama em que estamos, e que não vai melhorar, antes irá piorar daqui para a frente, tal ideia só poderá conduzir a péssimos resultados e sucessivos embaraços. Na situação em que nos encontramos, é realmente complicado baixar a carga fiscal aplicada aos carburantes, não aumentando em compensação outros impostos correlacionados com o transporte rodoviário... Mas uma coisa, pelo menos, devemos aprender de uma vez por todas: não é possível continuar a construir autoestradas por esse país fora, sem previamente saber se as ditas são ou não absolutamente imprescindíveis e bancáveis.

Como dizia e bem Manuela Ferreira Leite, o país precisa de atrair investimento, muito investimento. Ora investimento é precisamente coisa que neste momento não existe em nenhuma parte do planeta que não disponha de riqueza acumulada e dos famosos Fundos Soberanos! Muito menos num país depenado como o nosso. A banca está seca que nem um carapau. Temos uma dívida pública astronómica para a nossa dimensão. As corporações da justiça e da medicina são verdadeiros cancros que matam o país por dentro. Em suma, sem uma fiscalidade minimamente competitiva, não vamos a parte nenhuma. São, como diz uma crítica americana que adoro ler (Elaine Meinel Supkis) os Cornos do Dilema!

Tabela

Manuela Ferreira Leite não subscreve redução do ISP
«A redução do imposto sobre as petrolíferas é algo que parece muito fácil, mas para que o Estado o consiga tem duas hipóteses - ou vai criar outro imposto ou vai reduzir uma despesa, que não se está a ver qual é» -- Manuela Ferreira Leite, 26-05-2008 - 09:00 Lusa, Sol.

Custa admiti-lo, mas Manuela Ferreira Leite tem absoluta razão no que diz sobre o ISP.
  1. O problema da especulação sobre o petróleo veio para ficar e é estrutural. O pico petrolífero foi atingido mais cedo do que se previa, nomeadamente no México, no Mar do Norte e na Rússia!
  2. Se for aliviado o ISP, qualquer governo irá buscar noutro canto a receita fiscal perdida, estimulando as condições para uma guerra fiscal no seio da sociedade!
  3. Podemos actuar sobre a especulação da GALP, por razões de moralidade pública, e devemos fazê-lo; mas os resultados úteis serão ainda assim parcos no preço final de um bem cada vez mais escasso, que vai continuar a encarecer, e que não tem alternativas comerciais (i.e. mais baratas) à vista.
  4. Temos que aproveitar esta crise para uma revolução na eficiência energética do país, único caminho seguro para evitar o desastre. Esta alternativa política e cultural afectará tudo e todos, e será em muitos casos uma boa oportunidade para a criatividade, para a produção, para o trabalho e para novas trocas comerciais;
  5. Apesar de criticar asperamente o governo PS em muitos domínios, devo reconhecer que tem sido muito ágil na negociação da nossa segurança energética para o intervalo decisivo da metamorfose energética que agora começa, e que se prolongará convulsivamente até 2020, 2030... e 2050. Ano em que muita coisa terá mudado à face da Terra.
  6. Aos consumidores, sejam eles quais forem, uma recomendação: façam uma tabela dos gastos com gasóleo e/ou gasolina e eliminem imediatamente todas as deslocações supérfulas; depois estudem e busquem soluções que possam optimizar na vida doméstica e na vida profissional o tamanho da pegada ecológica, modificando progressivamente o modus operandi da casa, do emprego, da empresa e dos negócios.
  7. Manuela Ferreira Leite demonstrou na resposta que deu à questão do momento ser a personalidade credível e responsável que o PSD merece para regressar ao planalto do poder, de onde foi sendo expulso por demasiados acidentes e disparates de percurso.
Mais petróleo em Tupi, com Galp pelo meio!
  • Continua a ser descoberto mais petróleo nos lençóis de profundidade do campo Tupi (desta vez a 6.773 metros), situado em pleno Atlântico, na ZEE brasileira, a 250 Km do Estado de São Paulo. Tupi é a maior reserva petrolífera encontrada no Hemisfério Ocidental desde que foi descoberto, em 1976, o grande poço de Cantarell, no Golfo do México, que entretanto já atingiu o respectivo pico produtivo.
  • Petrobras detem 66% da nova parcela descoberta, a Royal Dutch Shell PLC detem 20% e a Galp Energia, 14%. -- in Steel Guru.
  • Receita: faça um plano de emergência energética pessoal, reduza de forma consciente e ponderada as despesas com energia, invista o resultado da poupança em acções da Galp Energia. Não venda nos próximos anos nenhuma destas acções!

OAM 369 26-05-2008, 03:036 (última actualização 27-12-2008 23:03)

8 comentários:

José M. Sousa disse...

Mário Crespo no JN,


Por que não nacionalizar?

Diogo disse...

1 - «A redução do imposto sobre as petrolíferas é algo que parece muito fácil, mas para que o Estado o consiga tem duas hipóteses - ou vai criar outro imposto ou vai reduzir uma despesa, que não se está a ver qual é» -- Manuela Ferreira Leite, 26-05-2008 - 09:00 Lusa, Sol.

2 - Custa admiti-lo, mas Manuela Ferreira Leite tem absoluta razão no que diz sobre o ISP.

3 - O Estado precisa de dinheiro. Pois precisa... Resta saber para fazer o quê! A fiscalidade imposta aos carburantes tem servido ao que parece para financiar o descalabro das SCUTs.


Você contradiz-se.

António Maria disse...

O comentário do Mário Crespo é bem oportuno.

Sobre as minhas contradições a propósito do petróleo: é bem provável que existam, mas não na questão colocada sobre o ISP.

A emergência energética é isso mesmo: uma emergência! Caiu-nos em cima sem cerimónias e a mitigação efectiva do seu tremendo impacto não depende de o governo mexer uma ou duas décimas para baixo no ISP, pois o crude vai continuar a subir... até aos 150 USD antes de o Verão terminar! Se a TAP já registou 250 milhões de euros de prejuízos, no primeiro trimestre de 2008, por causa das subidas do Jet Fuel (que não paga ISP), no fim deste ano terá um buraco de mil milhões de euros, pelo menos! Adivinhe-se quem irá para a rua em primeiro lugar, para assim "salvar" a TAP?

A receita fiscal é pouco flexível, por via dos encargos demasiado rígidos do Estado, sendo que o reajustamento destes dois termos da equação não se pode fazer numa semana, nem em seis meses, mas precisa de duas legislaturas inteirinhas de dolorosas mudanças, que ainda por cima só produzirão bons resultados se forem efectuadas com grande coerência e justeza ao longo de todo o período necessário à transição.

Resumindo: a crise petrolífera precisa de respostas ao longo das próximas semanas, mas a alteração dos equilíbrios fiscais do país é insusceptível de ocorrer em tão curto espaço de tempo, sem provocar um verdadeiro descarrilamento do sistema!

Podemos e devemos atacar os lucros especulativos da GALP e das demais petrolíferas a operar no nosso país.

Podemos e devemos exigir a completa liberdade no aproveitamento de óleos alimentares usados para a produção de biodiesel doméstico livre de quaisquer impostos e taxas.

Mas poderíamos re-nacionalizar GALP, como sugere Mário Crespo? Antes de fazermos esta perguntas deveríamos fazer uma outra: para onde foi o dinheiro da privatização da GALP?!

Infelizmente, sem dinheiro, o Estado não pode voltar a nacionalizar a GALP, mesmo que fosse, e não é, essa a sua intenção.

A sincronização esperada das jornadas de protesto e das greves anunciadas em vários países da União Europeia vai tornar-se rapidamente o maior teste à sua estabilidade política. A haver uma resposta a esta crise, ainda que seja para diminuir temporariamente o seu impacto, talvez tenha que vir de Bruxelas.

José M. Sousa disse...

O Estado pode e deve lançar empréstimos obrigacionistas de longo prazo para financiar despesa de investimento; Não faz sentido que o Estado tenha que cumprir regras rígidas para a dívida pública, e praticamente não haja restrições ao endividamento privado (não há limites para a publicidade e o crédito na hora, etc.). O que é preciso é que os cidadãos saibam que o Estado dispõe desses instrumentos, que até saem mais barato (ainda ontem, no Prós e Contras, o liberal António Nogueira Leite sugeriu esse recurso para pagar dívidas do Estado a fornecedores). O mesmo poderia ser feito em relação à GALP. Claro que há a Comissão Europeia. Mas se a nossa diplomacia e os gabinetes de imprensa dos ministérios agissem concertadamente e em aliança, quando, como agora, surgem vozes influentes (Jacques Delors, etc. e a "finança louca") a denunciar que algo precisa de mudar, talvez fosse uma política mais inteligente do que o seguidismo acrítico e atrofiador

António Maria disse...

Não é aumentado ainda a mais a dívida pública que resolveremos os nossos problemas, os quais derivam, no essencial, da nossa falta de competitividade, da nossa desorganização, da nossa incultura (básica, institucional, profissional e económica), do populismo que se apoderou da totalidade dos partidos políticos (do Bloco de Esquerda ao PP) e contamina fatalmente a nossa democracia, da indisciplina cívica generalizada (a qual é promovida pelo dito populismo indigente) e, finalmente, do excessivo e reaccionário poder das corporações que vêm destruindo lentamente, como um cancro, o país: a corporação da Justiça, a corporação médica e os sindicatos da educação.

José M. Sousa disse...

Não digo que devamos aumentar a dívida pública sem critério. Mas um critério rígido como o quem tem sido aplicado tem servido de justificação para a privatização de sectores estratégicos. A nossa dívida pública em relação ao PIB não é assim tão elevada. Quanto ao resto, tendo a concordar consigo, infelizmente.

António Maria disse...

Dei uma volta ao texto! Isto não vai lá a não ser à escala da União Europeia. A resposta terá que ser formulada em Bruxelaa, e depois escalonada nos diferentes países de acordo com o aperto de cada um. Ou seja, aliviar ou suspender os impostos só faz sentido à escala da UE15 ou UE27, mas apontando logo para uma suspensão (temporária?) da globalização. Os países ricos em recursos primários estão todos entrincheirados no ou a caminho do Capitalismo de Estado, e a China também. Perante este cenário, que podem fazer os Estados Unidos e a Europa? Apenas uma de duas coisas: ou aproveitar a sua superioridade militar temporária (nem quero pensar!); ou, em alternativa, fazer uma larga e profunda manobra económica por forma a re-equilibrar as trocas, o produto e os consumos mundiais.
Faz sentido?

José M. Sousa disse...

Não cheguei a dizê-lo, mas eu não sou a favor da redução dos impostos sobre os combustíveis, nem do IVA, nem do ISP. A razão porque acho que a GALP deveria estar sob controlo público é pela simples razão de que um bem que se está a tornar cada vez mais escasso (para já não falar das alterações climáticas), não pode ficar à mercê de critérios que têm que ver apenas com a maximização do lucro. As receitas/lucros acrescidos da GALP deviam servir para financiar, por exemplo, os transportes públicos, as medidas de eficiência energética (as existentes são ridículas, face à dimensão do problema, etc.)
Sugiro a leitura de entrevista do economista-chefe da Agência Internacional de Energia. Concedo, no entanto, que o governo possa subsidiar actividades produtivas onde os esforços para conseguir ganhos de eficiência energética já tenham sido esgotados.
Quanto ao capitalismo de Estado e os recursos primários é mesmo isso que refre a AIE. Numa situação de escassez o mercado não funciona para os usos que são vitais (veja-se o caso dos biocombustíveis). O mercado desperdiça demasiado. De maneira que espero que a competição por recursos não acabe na sua primeira hipótese.
Temos todos que nos mentalizar que os recursos são escassos e que tem que haver alguma sobriedade, partilha e gestão em comum. Isto não é ingénuo. É uma necessidade! Caso contrário, teremos de facto o caos. As trocas comerciais, físicas pelo menos, tenderão a reduzir-se com a redução da energia disponível. Bastou ver a crise do arroz, e a globalização comercial foi posta parcialmente entre parêntesis, com receios do proteccionismo.