quarta-feira, março 25, 2009

G20-London

Cimeira de Londres do G20
Última oportunidade de evitar uma desarticulação geo-política global

Carta aberta aos dirigentes do G20, publicada na edição internacional do Financial Times de 24 de Março de 2009

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A vossa próxima cimeira terá lugar dentro de dias em Londres, mas restam-vos menos de seis meses para evitar que o mundo mergulhe numa crise que levará pelo menos uma década a superar, acompanhada de um cortejo de tragédias e convulsões. Esta carta aberta do Laboratoire Européen d'Anticipation Politique / Europe 2020 (LEAP/E2020), que desde Fevereiro 2006 anunciou a chegada de uma "crise sistémica global", pretende explicar brevemente o que aconteceu, e como limitar mais danos.

Se apenas começastes a suspeitar da amplitude da crise há menos de um ano, a verdade é que o LEAP/E2020, no segundo número do seu « Global Europe Anticipation Bulletin » (GEAB N°2), havia já anunciado que o mundo entrara na "fase de desencadeamento" de uma crise de proporções históricas. Desde então, mês a mês, LEAP/E2020 continuou a produzir previsões muito fiáveis do desenrolar desta crise com a qual o mundo inteiro agora se debate. Por esta razão, escrevemos esta carta aberta que esperamos possa esclarecer as vossas escolhas nos próximos dias.

Esta crise tem vindo a agravar-se de forma perigosa. Recentemente, na 32ª edição do seu Boletim, o LEAP/E2020 lançou um alerta muito importante que vos diz directamente respeito, enquanto líderes do G20: se, reunidos em Londres no próximo dia 2 de Abril, não forem capazes de adoptar um certo número de decisões audaciosas e inovadoras, centradas no que é essencial e levadas à prática a partir do Verão de 2009, então a crise entrará no fim deste ano numa fase de "desarticulação geo-política generalizada", que afectará tanto o sistema internacional como a própria estrutura de grandes entidades políticas, tais como os Estados Unidos, Rússia, China ou a União Europeia. A partir deste ponto deixará de ser possível controlar a situação, para mal dos 6 mil milhões de habitantes deste planeta.

A vossa escolha: uma crise de 3 a 5 anos ou uma longa crise de pelo menos uma década?

Como nada vos preparou para enfrentar uma crise de tamanhas proporções históricas, a vossa preocupação incidiu apenas nos sintomas e nos efeitos secundários da crise. Pensaram que bastava adicionar mais combustível ou óleo ao motor mundial, desprevenidos do facto de que esse motor estava gripado, sem esperança de reparação. É de um novo motor que precisamos construir. Mas o tempo escasseia, pois em cada mês que passa deteriora-se um pouco mais o sistema internacional.

Como em todas as grandes crises, é preciso ir ao essencial. Como em todas as crises de dimensão histórica, a única saída está entre levar a cabo uma série de mudanças radicais, abreviando a duração da crise e as suas consequências trágicas ou, pelo contrário, recusar fazer essas mudanças numa tentativa de salvar o que sobra do actual sistema, não conseguindo porém mais do que prolongar a crise e aumentar todas as suas consequências negativas. Em Londres, no próximo dia 2 de Abril, podereis pois escolher entre abrir o caminho para a resolução da crise de uma forma organizada em 3 a 5 anos; ou, pelo contrário, arrastar o planeta para uma década terrível.

Contentamo-nos com oferecer três recomendações que consideramos de alcance estratégico no sentido de, como foi já adiantado pelo LEAP/E2020, se as mesmas não forem tomadas até ao Verão de 2009, tornar-se inevitável uma desarticulação geo-política global a partir do fim deste ano.

AS TRÊS RECOMENDAÇÕES DO LEAP/E2020

1. A chave da crise está na criação de uma nova moeda de reserva internacional!

A primeira recomendação resume-se a uma ideia muito simples: a chave da crise actual encontra-se na reforma do sistema monetário internacional herdado da Segunda Guerra Mundial a fim de criar uma nova moeda de reserva internacional. O dólar e a economia dos Estados Unidos já não estão em condições de continuarem a ser os pilares da ordem económica, financeira e monetária global. Enquanto este problema estratégico não for directamente abordado e resolvido, a crise agravar-se-à. Na realidade ele está no coração da crise do mercado financeiro de derivados, bancos, preços energéticos... e das suas consequências no desemprego e no colapso dos padrões de vida. É por isso de vital importância que este assunto seja o tema central da cimeira do G20, e que os primeiros passos da sua solução aí sejam dados. Na realidade, a solução deste problema é bem conhecida: trata-se de criar uma moeda de reserva internacional (que poderia chamar-se "Global") baseada num cesto de moedas das maiores economias, i.e. dólar US, Euro, Iene, Yuan, Khaleeji (a moeda única dos estados petrolíferos do Golfo, a ser lançada em Janeiro de 2010), Rublo, Real..., gerida por um "Instituto Monetário Mundial". Deverá pedir-se ao Fundo Monetário Internacional e aos bancos centrais envolvidos que preparem este plano para Junho de 2009 e o implementem em Janeiro de 2010. Este é o único caminho para recuperar algum controlo sobre os acontecimentos e ao mesmo conseguir uma gestão global partilhada com base numa moeda comum situada no centro da actividade económica e financeira.

Segundo o LEAP/E2020, se esta alternativa ao colapso sistémico em curso não se iniciar no Verão de 2009, provando que há alternativa ao "cada um por si", o actual sistema internacional não sobreviverá a este Verão.
Se alguns dos estados do G20 pensam que é melhor manter os privilégios do "status quo" pelo tempo que for possível, deverão meditar no facto que, se hoje ainda podem influenciar significativamente a futura forma deste novo sistema financeiro mundial, uma vez iniciada a fase de desarticulação geo-política global perderão qualquer hipótese de o fazer.

2. Implementar os esquemas de controlo bancário o mais depressa possível!

A segunda recomendação foi já mencionada frequentemente nos debates preliminares da vossa próxima cimeira. Deve pois ser fácil de adoptar. Trata-se de criar, antes do fim deste ano, um esquema de controlo bancário à escala global, eliminando todos os "buracos negros" do sistema. Várias opções foram já sugeridas pelos vossos especialistas. Decidam-se já: nacionalizando as instituições financeiras tão prontamente quanto necessário! É a única maneira de prevenir um novo episódio de endividamento em larga escala por parte dessas instituições (o tipo de situação que contribuiu significativamente para a presente crise), e de mostrar à comunidade mundial credibilidade para lidar com banqueiros.

3. Levar o FMI a avaliar os sistemas financeiros dos Estados Unidos, Reino Unido e Suíça!

A terceira recomendação relaciona-se com um assunto político sensível, que não deve ser ignorado. É essencial que, até Julho de 2009, o FMI apresenta ao G20 uma avaliação independente dos três sistemas financeiros no coração da actual crise financeira: o estado-unidense, o britânico e o suíço. Nenhuma recomendação sustentável poderá ser implementada eficazmente enquanto não se souber claramente o dano causado pela crise no interior deste três pilares do sistema financeiro mundial. Não é altura de ser amável com os países situados no centro do presente caos financeiro.

Escrevam uma declaração simples e breve!

Por último, por favor, permitam-nos lembrar-lhes que a vossa tarefa é restaurar a confiança no seio de 6 mil milhões de pessoas e a milhões de organizações públicas e privadas. Assim sendo, não se esqueçam de redigir um comunicado curto — não mais de duas páginas, apresentando um máximo de três ou quatro ideias que os não especialistas possam ler e perceber. Se assim não for, ninguém vos lerá fora do círculo estreito dos especialistas, e por conseguinte sereis incapazes de recuperar a confiança geral do público, pelo que a crise se agravará.

Se esta carta aberta vos ajudar a sentir que a história julgará o êxito ou fracasso desta Cimeira, então, não terá sido escrita em vão. Segundo o LEAP/E2020, os vossos cidadãos não esperarão mais do que um ano para vos julgar. Desta vez, pelo menos, não podereis dizer que ninguém vos avisou!

Franck Biancheri
Director de estudos do LEAP/E2020
Presidente do Newropean

Tradução: OAM

Outras versões:

OAM 561 25-03-2009 16:25

2 comentários:

Jose Silva disse...

António,

Sabia que as reservas cambiais nacionais seguem mais o padrão asiático do que o ocidental ?

http://norteamos.blogspot.com/2009/03/reservas-cambiais-nacionais-seguem-mais.html ?

António Maria disse...

Graças ao Salazar e à Segunda Guerra Mundial! Pois é... Mas também, valha a verdade, a uma certa memória histórica. Afinal Portugal esteve perto do ouro... aqui na península, depois ao longo da costa ocidental de África (Costa do Ouro, Golfo da Guiné, África do Sul, Brasil). O volfrâmio foi a grande moeda que Salazar usou para comprar ouro alemão... e judeu!

Detecto porém discrepâncias nas tabelas publicadas pela Wikipedia. Por um lado os EUA aparecem ainda como grandes detentores de ouro, por outro, vários autores e tabelas apontam para uma grande perda de reservas por parte da sobre endividada economia americana. Tenho que verificar estes dados!

Estou, por estas e por outras, a ler um livro fundamental sobre o ouro. Chama-se Gold Wars, de Ferdinand Lipps.

De qualquer modo os EUA foram grandes enquanto basearam a sua economia no padrão ouro, que tinham às toneladas. Depois de 1914, com a perversão do padrão ouro, e mais ainda, depois de 1944, com a imposição do dólar como divisa padrão —convertível em ouro só até 1971— a América foi-se! E o Reino Unido também, sobretudo depois da besta do Brown ter vendido há meia dúzia de anos METADE do ouro inglês.

Temos que vigiar o Banco de Portugal nesta matéria! Até porque se o G20 falhar —como prevejo— iremos assistir a uma corrida sem precedentes ao metal amarelo.