sábado, março 07, 2009

Crise Global 64

Porquê não nacionalizar?

O colapso bolsista das grandes empresas e bancos portugueses é uma evidência estatística que diz muito mais sobre as reais perspectivas dos grandes investimentos anunciados pelo governo, do que as trocas de mimos entre universitários e entre jornalistas sobre a moralidade de uma iminente nacionalização de parte substancial da banca portuguesa. Por sua vez, as operações de propaganda governamental, pela sua crescente falta de credibilidade, começam a ser irrelevantes para a evolução da conjuntura, e sobretudo para a mitigação inteligente do impacto tremendo que a actual crise sistémica do Capitalismo está a ter no nosso país.

Tenho muitas dúvidas sobre as tentativas de salvar a dedo bancos, gestores de fortunas e grandes empresas "nacionais" — nomeadamente através das tropelias anti-mercado do governo socratintas, escandalosamente expostas na forma como rasgam a ética democrática e a própria lei, no seu afã de empolar artificialmente os activos nocionais de empresas à beira da falência.

Os casos recentes da aprovação parlamentar da bateria de barragens com que a EDP e a espanhola Iberdrola pretendem controlar o sistema energético, e sobretudo as principais reservas de água doce do país, ou ainda o caso da tentativa de colocar o negócio do solar térmico obrigatório ao colo da Martifer (grupo Mota-Engil) e da Vulcano, dão bem a medida do que são capazes os piratas que nos governam. Temo, porém, que nem assim se salvem do pior.

Para termos uma ideia da gravidade da situação, basta olhar para os números que rapidamente compilei a propósito da evolução dramaticamente negativa das cotações dos principais bancos e de algumas das empresas mais relevantes do país:
  • BCP — 12 meses: 2,15 - 0,56 (-74%) -- em 2001 chegou a valer mais de 5,8 euros)
  • BES — 12 meses: 12,62 - 4,48 (-64,5%) -- em 2007 chegou a valer mais de 18 euros)
  • BPI — 12 meses: 3,64 - 1,34 (-63,2%) -- em 2007 chegou a valer mais de 6,80 euros)
  • Altri — 12 meses: 4,75 - 1,48 (-68,8%) -- em 2007 chegou a valer mais de 7,30 euros)
  • Cimpor — 12 meses: 6,20 - 3,00 euros (-51,6%)
  • Martifer — 12 meses: 9,04 - 2,65 (-70,7%)
  • Mota-Engil — 12 meses: 5,94 - 2,10 (-64,65%)
  • Soares da Costa — 12 meses: 1,91 - 0,52 (72,78%) -- em 2007 chegou a valer mais de 2,8 euros
  • Teixeira Duarte — 12 meses: 1,77 - 0,41 (-76,8%) -- em 2007 chegou a valer mais de 4,1 euros; -- perde 349 milhões no BCP e na Cimpor.
  • EDP — 12 meses: 4,22 - 2,06 (-51,2%) -- em 2001 valia 3,55 euros
    EDP Renováveis — 8 meses: 6,30 - 5,81 (-7,78%)
A fraqueza destas empresas e bancos decorre sobretudo do montante de produtos derivados especulativos e tóxicos que foram adquirindo durante a orgia bolsista e de crédito fácil que varreu da atenção das pessoas o facto de o Ocidente se ter vindo a sobre endividar ao longo dos últimos vinte anos. Ninguém esteve interessado na avaliação dos riscos sistémicos que uma tal economia de casino — cheia de esquemas Ponzi por toda a parte — comportava. Agora é tarde para reparações de pormenor. Só mesmo a nacionalização, temporária ou definitiva, de bancos e empresas poderá impedir o colapso das economias ocidentais, sobretudo as mais frágeis, como é o caso da portuguesa.

Mesmo a euforia bacoca do senhor Mexia, a propósito dos seus extraordinários êxitos na expansão da EDP, são pouco menos do que falaciosos. As acções perderam valor (mais de 50% no caso da EDP, e quase 8% nos oito meses que é cotada a EDP Renováveis) e a dívida da empresa ascende a uns astronómicos 13 890 milhões de euros!

Para se ter uma ideia de quão gigantesca é esta dívida da EDP, basta pensar que chegaria para pagar o novo aeroporto de Lisboa e respectivas acessibilidades, a nova ponte sobre o Tejo, e ainda todas as linhas de TGV anunciadas: Porto-Vigo, Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid.

Se considerarmos, por outro lado, que uma parte muito significativa dos investimentos da EDP foram realizados nos Estados Unidos, uma economia em fase acelerada de colapso, parece-me curial suspeitar do efusivo optimismo do senhor Mexia, actual CEO do grupo. Por mim, este optimismo, regado com alguns bons milhares de euros em P&R, serviu apenas para proteger com fogo fátuo a pilhagem dos rios e a destruição anunciada de parte do Douro Vinhateiro (que a UNESCO classificou Património Mundial da Humanidade) plasmada no criminoso Plano Nacional de Barragens aprovado pelo parlamento zombie que temos. Espero que o Manuel Maria Carrilho faça alguma coisa em Paris para contrariar este novo assalto à beleza e economia insubstituíveis da grande bacia do Rio Douro.

Ao contrário das dúvidas metafísicas manifestadas pelas cabecinhas confusas dos nossos economistas mais agarrados ao sistema, nacionalizar bancos e empresas não tem nada de extraordinário, como bem sublinha Joseph Stiglitz (1) no seu comentário acutilante às medidas titubeantes com que Barak Obama pretende atacar a crise de sobre endividamento e o colapso financeiro dos Estados Unidos.

Os argumentos favoráveis a uma inadiável nacionalização parcial do sistema financeiro e económico do país são basicamente dois:
  1. não podem ser os contribuintes a pagar as aventuras especulativas e os crimes praticados na e pela banca portuguesa — não só por óbvias razões de ética democrática, mas ainda pelo simples facto de que uma tal operação de salvamento dos piratas financeiros conduziria irremediavelmente o país para um colapso fiscal, económico, político e social, ainda este ano, ou em 2010...;
  2. as potências emergentes, com grandes fundos soberanos, ouro e superavit comerciais, credores, como a China e o Japão, do Ocidente, dispõem em geral de economias e sistemas financeiros razoavelmente nacionalizados, ainda que operando segundo as regras da chamada "livre concorrência" capitalista. O primeiro, o quarto e o quinto bancos do top 10 mundial são todos chineses: Industrial & Commercial Bank of China; China Construction Bank e Bank of China. Por sua vez os sectores económicos e financeiros da Rússia, do Irão, das petro monarquias do Médio Oriente, de Angola e até do Japão, ou são claramente públicos, ou pertencem às elites do poder económico-financeiro e político que clara ou disfarçadamente mantêm um estrito controlo de propriedade e acção sobre os sectores estratégicos dos respectivos países.
O argumento da superioridade da economia liberal de mercado sobre a economia social de mercado caíu pela base (2). E a necessidade, por outro lado, pode muito!



NOTAS
  1. Stiglitz: Obama Has Confused Saving the Banks with Saving the Bankers.

    AMY GOODMAN: Should the banks be nationalized?

    JOSEPH STIGLITZ: Many of the banks clearly should be put into, you might say, conservatorship. Americans don't like to use the word "nationalization." We do it all the time. We do it every week.

    AMY GOODMAN: Explain.

    JOSEPH STIGLITZ: Well, if banks don't have enough capital so that they can meet the commitments they've made to the depositors, at the end of every week the FDIC looks at the balance sheet, and it says, "You don't have enough capital. You're not allowed to continue." And then what they do is they either find some other bank to take it over and fill in the hole, or they take it into government control—it sounds terrible, to take it into government control—and then sell it.

    And that's what other countries have done when they faced this kind of problem—the countries that have done it well. One of the important lessons is this is the kind of thing can be done well, could be done badly. And the countries that have done badly have wound up paying to restructure the bank 20, 30, 40 percent, even 50 percent of GDP. We're on our way to that kind of debacle. But that shows you how bad things can be, how costly it can be, if you don't do it well.

    -- in "Nobel Prize-Winning Economist Joseph Stiglitz: Obama Has Confused Saving the Banks with Saving the Bankers". February 25, 2009 By Joseph Stiglitz. Democracy Now.

  2. Vale a pena ver e ouvir esta hilariante crónica de Jon Stewart no The Daily Show, sobre a histeria da CNBC contra as nacionalizações dos bad banks e contra a ajuda aos afectados pelas execuções de hipotecas.

OAM 550 08-03-2009 03:22

Sem comentários: