segunda-feira, junho 13, 2011

O amigo americano

600 mil milhões de dólares voaram, nos últimos sete meses, da Reserva Federal americana para 20 instituições estrangeiras. Entre os beneficiados estão seis bancos europeus: BNP Paribas, Barclays*, Credit Suisse, Deutsche Bank*, HSBC*, UBS. Bern Bernanke tem as orelhas a arder!

Bern Bernanke, presidente da Reserva Federal americana
O mínimo que se pode dizer é que o caos financeiro está instalado! Ou seja, o que parecia ser uma guerra da moeda americana contra o euro, pode afinal ser algo muito maior e potencialmente devastador: a elite financeira ocidental, com uma perna em cada margem do Atlântico, procura controlar os danos da especulação desenfreada que criou e alimentou a partir de meados da década de 1980 com a invenção e disseminação de produtos financeiros fraudulentos, no capítulo dos chamados derivados financeiros OTC (over-the-counter). Depara-se, por outro lado, com o colapso imparável da ainda principal moeda de reserva mundial —o dólar americano—, e com a necessidade de improvisar um Plano B (nem que seja o euro!) para o caso de a sentença da ONU se concretizar:

The value of the dollar has dropped to the lowest level in history vis-à-vis other major currencies. Further rising external indebtedness of the United States following a renewed widening of the twin deficits will keep downward pressure on the dollar, and the risk of a hard landing of the world’s main reserve currency will remain high.

[...]

The risk of exchange-rate instability and a hard landing of the dollar could be reduced by having a global payments and reserve system which is less dependent on one single national currency. One way in which the system could naturally evolve would be by becoming a fully multi-currency reserve system. The present system has already more than one reserve currency, but the other currencies remain a secondary feature in a system where most reserve assets by far are held in dollars and where most of the world’s trade and financial transactions are affected in the major reserve currency. The advantage of a multireserve currency arrangement is that it would provide countries with the benefit of diversifying their foreign-exchange reserve assets — in “World Economic Situation and Prospects 2010” (PDF).

As operações de empréstimos de emergência de curto prazo (discount window) lançadas pela Reserva Federal em 2008-2009, e mais recentemente, beneficiaram surpreendentemente várias e importantes instituições estrangeiras com sucursais na América. O documento da Reserva Federal recentemente desclassificado, Discount Window FOIA, é muito elucidativo da escala gigantesca do colapso financeiro da moeda americana.

Exclusive: The Fed's $600 Billion Stealth Bailout Of Foreign Banks Continues At The Expense Of The Domestic Economy, Or Explaining Where All The QE2 Money Went

In summary, instead of doing everything in its power to stimulate reserve, and thus cash, accumulation at domestic (US) banks which would in turn encourage lending to US borrowers, the Fed has been conducting yet another stealthy foreign bank rescue operation, which rerouted $600 billion in capital from potential borrowers to insolvent foreign financial institutions in the past 7 months. QE2 was nothing more (or less) than another European bank rescue operation!

...

In fact, the $600 billion in cash that was repatriated to Europe will mean that European banks likely are fully covered to face the capitalization shortfall that will occur once Portugal, Ireland, Greece, Spain and possibly Italy are forced to face the inevitable Event of Default that will see their bonds marked down anywhere between 20% and 60%. Of course, this will also expose the ECB as an insolvent central bank, but that largely explains why Germany has been so willing to allow Mario Draghi to take the helm at an institution that will soon be left insolvent, and also explains the recent shocking animosity between Angela Merkel and Jean Claude Trichet: the German are preparing for the end of the ECB, and thanks to Ben Bernanke they are certainly capitalized well enough to handle the end of Europe's lender of first and last resort — in Tyler Durden on 06/12/2011, Zero Hedge.

A exposição temerária do sistema financeiro europeu às tropelias de Wall Street foi e é enorme, pelo que não será uma surpresa assim tão grande constatar que parte do guichet dos aflitos tivesse também servido os bancos europeus, japoneses e canadianos com assento nas praças americanas, e que parte do dinheiro virtual da Reserva Federal tivesse voado a velocidade electrónica, de Nova Iorque para Bruxelas, Paris, Londres ou Zurique. Mais intrigante, ou talvez não, é que a liquidez fictícia da Reserva Federal continue a voar para todo o lado, estando já em preparação um novo programa de Quantitative Easing — o QE3.

Para a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Irlanda, estas podem ser, no entanto, más notícias, na medida em que a oligarquia financeira europeia pode estar a preparar-se para um movimento de concentração industrial e financeira sem precedentes, precisamente através da famosa reestruturação das dívidas soberanas — que, entre nós, as ortodoxias decadentes da esquerda estalinista e trotskista vêm reclamando alegremente. Louçã pode estar a ponto de ver realizado o sonho de derrotar Ricardo Salgado. Não deixa de ser irónica esta vitória de Pirro.

A doença da moeda americana parece ser fatal. Como em todas as doenças terminais nunca podemos prever com exactidão o dia e hora do falecimento da criatura atormentada pela morte que se aproxima. Mas que o destino do moribundo dólar parece estar traçado, parece. Aos mais curiosos recomendo esta exposição de hora e meia sobre a doença genética da nota verde.


Economic Federalism - Dr. Edwin Vieira. Ph.D, J.D. from StandUpForLiberty on Vimeo.

(*) — Estes são os bancos que vão gerir a emissão de obrigações do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), no valor de 5mM€, destinadas a angariar fundos de apoio ao resgate da dívida soberana portuguesa (Jornal de Negócios).

4 comentários:

lawrence disse...

Já não há dinheiro (suportado pelo seu valor em ouro), só há papéis!
E como tal, isto só deve acabar noutra guerra mundial onde vai começar tudo de novo!
Azar dos que cá ficarem mas pronto!
Vivemos uma grande mentira cujos contornos estão muito, mas muito longe da nossa capacidade de visão e compreensão!
O mais longe que se consegue saber é que toda a gente deve dinheiro aos chinocas!
E será que o dinheiro que eles emprestam ao mundo tem sumo, ou é só papel também?

Karocha disse...

Caro António Maria

O Ben, é o amor da vida do meu rapaz, nem imagina, os nomes que ele lhe chama...

Anónimo disse...

Interessante.
Mas ao imprimir e distribuir dólares de forma tão generosa não estarão os americanos a provocar deliberadamente a desvalorização da própria moeda, desvalorizando também a dívida externa (para além de estimular as exportações e a economia)... Quem sabe dizer?
Miguel Horta

António Maria disse...

Em parte é verdade. Moeda fraca e juros abaixo de zero é o que os japoneses fizeram durante décadas (Yen carry-trade), até que os chineses e os americanos aprenderam a lição. Existe, de facto, uma desvalorização competitiva entre estes três países. Trata-se, porém, duma autêntica roleta russa. Os miolos vão começar a saltar um dia destes!