Rubens — O Rapto de Europa (1628 - 1629). Museu do Prado, Madrid. |
O mito europeu parece renovar-se na guerra financeira ora em curso entre o par dólar-libra de um lado, e o euro, discretamente apoiado pela China, do outro. O sonho da união europeia ameaça uma vez mais tornar-se um pesadelo. Mas poderemos culpar apenas os outros?
Zeus, o rei dos deuses da mitologia grega, enamorou-se loucamente de uma princesa fenícia chamada Europa, tomando a decisão de seduzi-la. Zeus transformou-se então num dócil boi branco, misturando-se com a manada do pai de Europa. Enquanto esta e as suas assistentes colhiam flores, a princesa avistou o boi, aproximou-se dele, acariciando-lhe os flancos, e terá mesmo subido para cima do animal. Zeus aproveitou então a oportunidade e correu em direção ao mar, nadando, com ela sobre o seu dorso, até à ilha de Creta. Aí acabaria por revelar a sua verdadeira identidade, e Europa tornou-se a primeira rainha de Creta.
Segundo o poeta Mosco de Alexandria, Europa, rainha de Creta, foi “mãe de filhos gloriosos cujos ceptros hão-de acabar por dominar todos os homens da terra”. Este quadro da filha do rei fenício raptada por um touro, divindade cretense mas igualmente de fenícios e arameus, não fica completo sem uma referência ao sonho da bela princesa. Europa tinha tido um pesadelo perturbante no dia anterior ao rapto, no qual duas mulheres exigiam a autoridade sobre ela, uma delas representava a Ásia e declarava ser sua mãe; a outra que simbolizava um continente desconhecido (América), afirmava que Europa lhe tinha sido dada por Zeus (1).
A Europa está endividada de forma desigual, e esta desigualdade das dívidas nacionais ameaça fazer colapsar o sistema monetário que foi capaz de criar há pouco mais de treze anos e é hoje, de facto, a segunda moeda de reserva mundial.
Será possível superar a presente crise?
A pior ilusão que poderíamos criar e alimentar é a de que os problemas residem na Alemanha, ou, por contraste, na improdutividade, indisciplina e corrupção congénitas dos chamados PIIGS. Não é assim, como a pouco e pouco temos vindo a perceber. Na realidade, e apesar de todas as acusações dirigidas à Alemanha, a verdade é que já existe um sistema, embora camuflado, de solidariedade financeira, e de mutualização mitigada dos riscos, no seio da zona euro. E se este mecanismo de solidariedade internacional no seio da União Europeia já assumiu responsabilidades na ordem dos dois biliões de euros, nomeadamente para impedir a bancarrota de vários países, não podemos deitar tudo a perder reacendendo fantasmas indesejáveis.
in Philipp Bagus, Passing the Bailout Buck |
Um jovem economista brilhante e insuspeito, que conhece bem a Espanha e é um professo defensor das teorias económicas liberais clássicas (e até libertárias) da escola austríaca de Ludwig von Mises, Philipp Bagus, acaba de publicar um artigo muito esclarecedor sobre a natureza substancial do chamado TARGET2, por relação com as tão badaladas euro obrigações rejeitadas por Angela Merkel, e o MEE (Mecanismo de Estabilidade Europeia) exigido pelo Banco Central Europeu.
O artigo é claro e demonstrativo: entre o TARGET2, as euro obrigações, e o MEE, as diferenças são mais políticas, e de afinação dos controlos financeiros, do que de fundo. Todos eles são, na realidade, dispositivos de segurança e resgate dos países aflitos da União Europeia, e redes de proteção do SME.
“Passing the Bailout Buck”
By Philipp Bagus of the Ludwig von Mises Institute:
“TARGET2 system indeed amounts to a bailout of an uncompetitive economy with too high prices. Thanks to this bailout mechanism, the country does not have to deregulate labor markets, and reduce government spending to adjust prices relatively but can continue its spending spree and maintain its uncompetitive internal structure.
But are the TARGET2 debits and credits really never settled? Surprisingly, there is indeed neither a limit for the TARGET2 bailouts, nor are the accounts ever settled. In contrast, in the Federal Reserve System debits are backed by gold certificates and each year balances are settled. If the Federal Reserve Bank of Richmond has a debit with the Federal Reserve Bank of New York, the former settles its account sending gold certificates to the latter.
The Eurosystem not only allows the financing of import surpluses via money creation; it also enables “capital flights.” In the current situation, a default of the Greek government would bankrupt its banking system. In order to prevent losses, Greek depositors have sent and are sending their money from accounts at Greek banks to accounts of banks in Germany and other countries. Through this transfer, the Greek bank loses reserves while the German one increases its reserves. The Greek bank increases refinancing from its national central bank (i.e., receives newly created money) while the German bank can decrease it loans from the Bundesbank. The Bundesbank earns a TARGET2 credit, the Bank of Greece a TARGET2 debit. If the Greek government defaults, and the Bank of Greece default on its debits, losses mount for the ECB. Thus, the risk of a Greek default is now shared by German savers through the TARGET2 credit.”
[...]
“Eurobonds are jointly issued and guaranteed by all 17 eurozone members but have been very controversial. For instance, Eurobonds have been vehemently resisted by the German government until today. However, TARGET2 has not been resisted by the German government. TARGET2 is just the reflection of a substitute bailout. When governments issue bonds bought by their banks leading to a trade deficit, the result is a TARGET2 debit. The TARGET2 imbalances are just a sign of euros created in the periphery used to pay for goods from abroad.
The European Stability Mechanism (ESM) is another substitute for Eurobonds, as the ESM may grant loans to struggling governments issuing bonds guaranteed collectively. The difference between the three is merely of degree. There is more parliamentary control for Eurobonds or the ESM. In the ESM, creditor countries have more control over bailouts than with Eurobonds. Interest rates differences are also more pronounced with the ESM than with Eurobonds. The ECB wants to shift the bailout burden from TARGET2 to the ESM. Governments prefer to hide the losses on taxpayers as long as possible and prefer the ECB to aliment deficits. However, all three devices serve as bailout systems and form a transfer union.”
Concluindo:
se não travarmos de modo inteligente e determinado a despesa pública e o consumo conspícuo das sociedades europeias, e aumentarmos a produtividade e eficiência de todos os sistemas (privados e públicos), resta-nos assistir ao empobrecimento tumultuoso da Europa, nomeadamente através de uma sangria fiscal imparável.
NOTAS
- Referências: Wikipedia e Pedro Russo, “O Mito da Europa”
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