sábado, agosto 04, 2012

Depois da EDP

Esquema de reator nuclear de tório arrefecido com flúor líquido (LFTR)

M. King Hubbert — a linha do tempo da energia fóssil (1956)

Nuclear ou nada?

As energias fósseis tornaram-se demasiado caras, poluentes e escassas. Os painéis solares ocupam demasiado espaço e são pouco eficientes. As ventoinhas eólicas dependem do capricho dos ventos. Mais barragens é o mesmo que assassinar os rios e os essenciais ecossistemas estuarinos e entregar a água à especulação das máfias financeiras. As soluções nucleares conhecidas são demasiado perigosas. Mas haverá alguma maneira de produzir energia nuclear segura, barata e abundante, sem colocar em causa a sustentabilidade ecológica do planeta?

Parece que sim — e desde que a energia nuclear foi descoberta!

Segundo os defensores de uma alternativa nuclear segura ao colapso induzido pelo Pico do Petróleo, as centrais nucleares do futuro, muito antes de chegarmos à fusão nuclear, deverão enveredar pela fissão dos núcleos atómicos do tório. Esta alternativa baseia-se numa interação estável entre tório, urânio-233 e flúor líquido, a qual não serve, ao contrário das reatores nucleares convencionais, para enriquecer urânio com vista à fabricação de armas de destruição maciça. Esta é tristemente, a razão pela qual os reatores baseados na fissão de tório foram preteridos relativamente aos reatores de fissão alimentados com urânio-238.

“As we have for most of human history, we stand at the edge of an energy crisis. The methods by which we have powered our society have come to a limit, and a change is necessary. Seven hundred years ago in England, the energy crisis was caused by massive deforestation and a lack of firewood. It was solved by turning to coal, a filthy, inexpensive, and abundant fuel. But as the skies darkened over the cities of England and the United States, people turned to gas and oil to improve the situation. Now all of these fossil fuels will have to be replaced due to the environmental damage they cause and the social, political, and financial instability they engender.

In one of the great historical tragedies of human history, this marvelous new energy source was discovered during a time of war, and was immediately put to work for destructive means. This colored and affected forever how world leaders and the public would view this incredible discovery, and is a legacy that we find ourselves, even seventy years later, still trying to move past.”

A Plan to Power the World with Thorium. Energy From Thorium.




A crise energética que tem vindo a perturbar o crescimento e a estabilidade da economia mundial desde 1973 é uma crise real e um problema de fundo. Confundi-la com um mero efeito da especulação e da ganância dos produtores de petróleo, gás natural e carvão, é uma ilusão perigosa.

A virulência dos movimentos especulativos existem precisamente por causa de dois fenómenos combinados: o aumento da procura, resultante do crescimento demográfico e económico mundiais, e o declínio cada vez mais evidente do petróleo de boa qualidade, fácil acesso e barato.

A nossa civilização não sobreviverá como a conhecemos se não encontrar rapidamente, isto é, no prazo de uma década (2020) ou duas (2030), novas fontes de energia abundante, relativamente segura e barata.

As energias renováveis mais conhecidas e em uso são intrusivas, instáveis, caras e insuficientes. Por outro lado, a necessária eficiência energética que as economias, os governos e as pessoas terão que interiorizar como absolutamente imprescindível à sustentabilidade global da vida neste planeta é parte da solução, mas não resolve o problema do paradigma que está na base da melhoria da qualidade de vida dos seres humanos nos últimos duzentos e cinquenta anos: o acesso, desenvolvimento, e produção de formas condensadas de energia facilmente acessíveis, abundantes, transportáveis e baratas. Se este paradigma se romper, o retrocesso civilizacional, precedido de um rápido período de colapsos económicos, financeiros e sociais, será inevitável.

A ideia de que podemos esperar pela liquefação dos gelos polares para chegarmos a novos depósitos de hidrocarbonetos é simplesmente risível, para não dizer suicida. Por outro lado, à medida que os petróleos pesados, ou que se encontram a profundidades marítimas cada vez mais difíceis de aceder e controlar com segurança, aumentam em percentagem nos barris de crude colocados nos mercados, o preço da energia, de toda a energia, dispara. E se abaixo dos 60 dólares por barril os países que vivem preguiçosamente da mono extração de crude e gás natural colapsam, acima dos 100 dólares é a vez de a economia mundial abrandar, ver crescer as suas dívidas e acabar por entrar em recessão, ou mesmo em depressão — como a que ameaça mergulhar neste momento os EUA, o Japão e a Europa.

Não tenhamos dúvidas, por mais grave e escandalosa que seja a corrupção instalada nas sociedades contemporâneas, a começar pela que beneficia os mais ricos dos mais ricos, e os mais poderosos dos mais poderosos, e os mais oportunistas dos oportunistas, a verdade nua e crua é que sem uma transição do atual paradigma energético para outro mais sustentável mas igualmente abundante e barato, não veremos luz ao fundo do túnel.

Para os mais ricos e poderosos fica também um aviso: se pensam que poderão sobreviver sem classes médias, ou reconduzir a esmagadora maioria das populações à miséria, o vosso engano é redondo e terrível. Nada do que hoje rodeia o vosso conforto poderia existir se não houvesse uma redistribuição aceitável da riqueza produzida. Pensem apenas em termos de economia de escala. O que é rentável para sete mil milhões de almas, não é rentável para setecentos milhões, menos ainda para setenta milhões, e impensável sequer para os sete milhões dos pornograficamente ricos deste mundo.

Talvez seja, pois, o momento de discutir sem preconceitos a possibilidade de desenvolver uma energia nuclear abundante, pacífica, barata e segura. O futuro da EDP está à vista, e não é brilhante!

7 comentários:

Bolota disse...

Antonio,

Nem vou comentar porque não sou capaz, mas fico deliciado ao ler os seus post quase cientificos apoiados em elementos estatisticos.
Há por ai tanta palha que ver o seu Blog pouco comentado é uma pena

Abraços

António Maria disse...

É pouco comentado, mas tem muitos e fieis leitores ;) Alguns preferem o Facebook para comentar... Obrigado :)

José Luís Tavares disse...

Caro António,

Então energia barata com o reactor de Tório? Não me parece. Se fosse mais barato (e eficiente) já tinha sido feito. TODAS as tecnologias nucleares são muito complexas, por isso causam muitos problemas, alguns dos quais fatais. Normalmente relembro, sempre que me vem com a conversa do nuclear, o caso de "sucesso" finlandês, em que andam há anos, anos, e anos a tentar acabar um misero, simples e único reactor PWR... E quanto à fusão, ao que parece será a energia do futuro, e no futuro permanecerá. Temos só duas fontes de energia primaria segura finita (mas ilimitada*): o Sol (radiação solar) e Terra (geotérmica). Portugal apostou e bem nas renováveis.

António Maria disse...

Caro José Luís,

Se vir o vídeo com atenção, e ler o manifesto dos defensores de centrais nucleares baseadas no tório, terá que me conceder o benefício da dúvida.

As energias renováveis que temos são caríssimas, intermitentes e de origem especulativa (o buraco da EDP é virtualmente impagável!), e, além do mais, não afetam praticamente nada a nossa pesadíssima fatura petrolífera, que serve, como sabe, para alimentar um modo de transporte insustentável (carros a gasolina e gasóleo), e para satisfazer um estado paquidérmico e clientelar.

Portugal poderia apostar em matéria de I&D na exploração teórico-experimental da hipótese do tório. Mas, a continuarmos como até aqui, não sairemos do modelo do Kilas: IMPORT/EXPORT. Ou seja, contrabando e extração da riqueza aos indígenas com muita retórica demo populista pelo meio :(

José Luís Tavares disse...

Caro António,

Como disse, e bem, a nossa dependência do petróleo deve-se sobretudo aos transportes, e aí é que está o componente essencial quando falamos em paradigma energético: os transportes precisam de armazenamento de energia (provavelmente electrica) e enquanto esse problema não for resolvido, nada feito! Mas o curioso é que o problema do sector dos transportes é o mesmo das renováveis: armazenamento de energia! (devido à imprevisibilidade a longo prazo da coisa e ciclos naturais, por exemplo, no vento já fazemos previsões a 72h e a radiação solar é cíclica, noite/dia). Em suma: para usar electricidade nos transportes precisa de armazenamento, no dia em que resolver esse problema já não precisa de fontes alternativas pois já tem as renováveis com matéria prima de borla! Em relação ao custo? É uma questão de tempo. E know-how em renovaveis já temos bastante, quanto que de radiação... nem os consultorios dos dentistas controlamos, quanto mais centrais de tório!

Cumprimentos,

JL

António Maria disse...

Caro José Luís,

Repare no seguinte: só 8-10%, no máximo, da energia consumida no mundo tem origem nas modernas fontes renováveis. Se lhe juntarmos a biomassa tradicional, o total sobre para 16-17%. Ou seja, mais de 80% da energia tem origem fóssil. A pergunta é óbvia: como iremos acomodar face aos recursos fósseis disponíveis a procura crescente, nomeadamente das chamadas economias emergentes, quando já sabemos que o petróleo acima dos 100 dólares entorpece o crescimento das economias, provocando mesmo a recessão em vários países?

Se olharmos para o mapa mundial das diferenças de consumo dos países, percebemos a dimensão política explosiva do problema.

Anónimo disse...

Gostava só de chamar à atenção para alguns pontos muito importantes para a "economia" da energia:

1 - Toda a energia que existe no universo é gratuita. O acesso a certas formas de energia é que é pago. O petróleo é tão gratuito como o vento ou o Sol, ou como o urânio ou o hidrogénio.

2 - O preço da energia é estabelecido/ditado por quem vende o acesso à energia. Hoje temos petróleo mais caro, apesar de no subsolo ainda estar 70% de todo o petróleo até hoje retirado (e.g. http://www.technologyreview.com/news/410160/oil-left-in-the-ground/).

3 - A energia extraída do vento é cara porque assim está a ser decidido por quem comercializa o acesso a essa forma de energia. O mesmo se passa com a maioria das energias renováveis. Em suma estão a ser feitos negócios fabulosos pois a energia é um bem muito procurado e com clientes garantidos.

3a - Mesmo quando a fusão nuclear for comercializada e não tenho dúvidas que o será, certamente os consumidores também serão bem "exprimidos" para usarem a energia que daí se extrair, tal como o seriam se toda a energia que usamos viesse da fissão nuclear.

Em resumo uma coisa é a natureza e o que ela nos dá, como a energia, o ar a água os alimentos, os materiais, etc... outra são os negócios que os humanos fazem entre si para comercializarem bocadinhos da natureza e se entreterem assim a passar o tempo e a fazer a vida negra uns aos outros.

Só para terminar, a intermitência das energias renováveis deve-se ao facto de atualmente se estar a converter energia diretamente do fluxo de energia corrente. I.e. o petróleo é energia solar que está armazenada em hidrocarbonetos. Nunca ninguém entrou em histeria porque a energia solar que está armazenada no petróleo é apenas uma pequena fração da energia solar inicial. Eu creio que a falta de histeria se deve a nunca ninguém ainda se ter lembrado de lhe atribuir um preço e de encontrar uma forma de a comercializar ... isto não é um disparate, como se pode pensar à primeira vista, pois recentemente alguns indivíduos lembraram-se de vender dívidas a outros e para meu espanto conseguiram. Foram tão bem sucedidos que nos arrastaram todos para o buraco económico em que hoje estamos.